OPINIÃO

Caixa Eletrônico de Palavras

Publicado em 17 de dezembro de 2010

Colunista: Fraga

Ilustração: Rafael Sica

Ilustração: Rafael Sica

Agora, em 2110, são comuns os caixas eletrônicos de palavras e dá gosto ver o nível do coloquial. Mas você, que encontra postos de palavrório abertos 24h em cada esquina, não pode imaginar os constrangimentos de linguagem e os vazios de expressão que dominavam o país deseducado naqueles tempos.

Os ceps, caixas eletrônicos de palavras, vieram preencher não uma mas bilhões de lacunas nas bocas brasileiras. E vieram tarde, pois os desentendimentos surgidos na falta do que dizer, ou mal dito, estavam criando uma confusão nacional atrás da outra, desde os discursos no Congresso até os bate-bocas nos botecos.

A ideia dos ceps foi mais uma daquelas em que os avanços da informática tornaram óbvia. Primeiro, as experiências com computadores falantes, primitivos processadores que dialogavam com o usuário mas com resultados devastadores. Cérebros e CPUs nunca se entenderam, e o riso era a prova da incompatibilidade entre o português e o computadorês. Os equívocos de sintaxe truncavam as conversações, pareciam dois idiotas palrando, e às vezes era. Sem falar nas atrapalhadas de entonações, confundindo sentidos e intenções.

Aí a inteligência falou mais alto, e berrou num laboratório de linguagem cibernética. “Assim não dá”, os cientistas concluíram. E partiram pra mais audaciosa das soluções: em vez de tentar fazer o computador falar direito, quem sabe fazer a pessoa assimilar um banquinho de dados?

Bastou um chip ínfimo sob a pele atrás da orelha esquerda e a conexão com um terminal verborrágico foi possível. Sob a coordenação da Palabrás, 200 milhões de brasileiros receberam implantes e cartões de crédito para aquisições verbais. E milhões de ceps nas ruas, à disposição dos maus falantes. Com uma inserção magnética na plaquinha mental, seus problemas acabaram-se, com diziam à época.

A partir daí, a população passou a adquirir comentários prontos, respostas espertas, explanações específicas, coleções de verbetes, conversa fiada de boa qualidade etc.

O processo funcionava bem: como o cliente não podia absorver conhecimento definitivo, uma enciclopédia inteira, o chip absorvia certo volume de informação, que se degradava com o tempo, e tinha que ser reabastecido. Como era prático e havia postos à vontade, todos se acostumaram a renovar o palavrório. Era barato. E os ceps venceram. Não se vive sem eles, as escolas foram fechadas e a comunicação ficou padronizada. Esta crônica, por ex, foi feita com apenas 0,15 centavos num cep.

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