ECONOMIA

Bancos comunitários geram riqueza na periferia

"Não existe bairro pobre, não existe comunidade pobre, não existe município pobre. O que há são bairros, comunidades ou municípios que empobrecem porque perdem a poupança local, perdem os ativos financeiro
Maricélia Pinheiro, de Fortaleza (CE) / Publicado em 10 de março de 2011

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Foto: Divulgação

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Essa certeza levou o ex-seminarista João Joaquim de Melo Neto, na condição de líder comunitário de um dos bairros mais pobres da periferia de Fortaleza (CE), a fundar o Banco Palmas, em 1998. Experiência pioneira desenvolvida no Conjunto Palmeiras, abriu caminho para a criação de dezenas de bancos comunitários em todo o país. Hoje são mais de 50 espalhados pelo território nacional e a meta, apenas para o estado do Ceará, é chegar a 300 bancos comunitários até 2012.

E quem conhece a história do Conjunto Palmeiras sabe que a meta não é tão ousada assim. Afinal, a experiência do Banco Palmas mudou radicalmente o cenário do bairro, virou notícia no mundo todo, multiplicou-se e continua a se multiplicar. E no auge da crise financeira mundial, em 2008, estas instituições ficaram imunes.

Como o elemento essencial para a criação e desenvolvimento de um banco comunitário é o empobrecimento da comunidade, naturalmente estas instituições se concentram nos estados do Norte e Nordeste do país. O estado de São Paulo é exceção. Pelo tamanho e pela desigualdade social, possui muitos bolsões de pobreza, onde se desenvolveram experiências como a do Banco Palmas. No Rio Grande do Sul, na cidade de São Leopoldo, foi criado em 2009 o primeiro banco comunitário do estado, o Pontes Solidárias.

Em janeiro de 2011, a cidade de Porto Velho, capital de Rondônia, foi contemplada no projeto Bancos Comunitários na Amazônia, uma iniciativa do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). “Os bancos comunitários têm sido alvos de uma espécie de reconhecimento institucional extremamente significativo. Tanto as comunidades têm impulsionado essas práticas quanto as instituições de diversos tipos, desde financeiras como Banco Central e Banco do Brasil, passando por governos”, disse Genauto de França Filho, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pesquisador na área de Economia Solidária em entrevista à IUH-Online (revista do Instituto Humanitas da Unisinos).

Ao contrário das instituições financeiras convencionais, os bancos comunitários são criados a partir de uma decisão da comunidade, que é a proprietária e gestora do banco. Este atua com duas linhas de crédito: uma em real e outra em moeda social circulante, apenas nas comunidades de sua área de abrangência. Através desse sistema, os bancos comunitários apoiam empreendimentos como feiras, lojas solidárias e outras atividades, o que aquece a economia local, gera emprego e renda.

Podem ainda oferecer empréstimos de consumo e produtivo em moeda social e nacional (real), com juros abaixo do mercado, sem consulta ao SPC e Serasa, pois quem avaliza o empréstimo é comunidade. Com mais dinheiro no bolso, as pessoas passam a comprar mais e no próprio bairro, já que o uso da moeda local traz uma série de benefícios como descontos, parcelamentos, entre outros. É como se fosse um “círculo vicioso” no bom sentido.

Antes da criação do Banco Palmas, a Associação Comunitária do Conjunto Palmeiras realizou um estudo sobre o perfil de consumo dos moradores. Conclui-se que mais de 80% das compras eram feitas fora do bairro. Dois anos depois, a situação se inverteu: mais de 90% dos consumidores davam preferência ao comércio local. “Repetimos esse estudo, que chamamos de mapa da produção e consumo local, a cada dois anos”, conta João Joaquim de Melo Neto.

O sucesso da experiência ganhou fama no mundo todo e hoje o Banco Palmas recebe estudantes de várias partes do mundo que chegam em busca de um conhecimento alternativo e inovador. Jonathan Agudelo Becerra, 25 anos, colombiano e graduado em Economia e Contabilidade, há três meses participa ativamente do cotidiano da instituição. “Essa tem sido uma experiência bastante enriquecedora, algo muito diferente que está me dando outra visão do que posso fazer na minha carreira”, disse.

Patrícia Morizio, 22 anos, norte-americana e estudante de Economia, conta que encontrou no modelo de banco comunitário do Palmas a área em que deseja atuar. “Eu não gostaria de voltar para os Estados Unidos, porque lá não terei chance de praticar uma experiência como essa”, observou.

Do acampamento à inclusão no roteiro turístico oficial

João Joaquim de Melo Neto é pioneiro na militância pelos bancos comunitários

Foto: Maricélia Pinheiro

João Joaquim de Melo Neto é pioneiro na militância pelos bancos comunitários

Foto: Maricélia Pinheiro

Um acordo com a Prefeitura Municipal de Fortaleza deve colocar o Conjunto Palmeiras no roteiro turístico oficial para a Copa de 2014. A informação é do líder comunitário e criador do Banco Palmas, João Joaquim de Melo Neto. Para receber os visitantes, o bairro vai ampliar a pousada e incrementar as ações da Palmatur. Corredor gastronômico de comidas típicas, tenda cultural com shows de grupos locais, urbanização da orla do Rio Cocó, passeios de jangada, entre outras atrações, estão dentro do cronograma de ações do que Melo Neto chama de “turismo comunitário urbano”. E ainda a criação de uma nova moeda social para circular durante a Copa em toda a cidade, beneficiando empreendimentos da economia solidária.

Mas se boa parte dos moradores do Conjunto Palmeiras pode hoje comemorar, é graças à capacidade de luta das gerações anteriores, que conviveram de perto com a fome, a miséria, as doenças, o descaso. Foi no início da década de 1970, em plena ditadura militar, que o governo decidiu remover moradores de favelas localizadas próximo à Beira-Mar (hoje principal corredor turístico), que tinham na pesca o sustento, para uma área bem distante da urbanização. A partir daí, vítimas de enchentes e outras calamidades naturais eram levadas para o local, que se transformou em uma espécie de gueto, para onde se varria a miséria da cidade.

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Foto: Maricélia Pinheiro

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Na década de 80 começaram as lutas sociais, com passeatas, protestos e outras formas de manifestações. Os moradores queriam água potável, energia, esgoto. Pressionaram o governo, mas também arregaçaram as mangas e construíram ruas e praças em regime de mutirão. Na década de 90, com o bairro urbanizado, vieram os impostos e as famílias começaram a abandonar suas casas. “A partir do seminário Habitando o Inabitável, decidimos nos dedicar a um programa de geração de trabalho e renda. Nasce então em 1998 o Banco Palmas”, conta João Joaquim de Melo Neto.

Hoje, a realidade do Conjunto Palmeiras em nada lembra o acampamento com barracas de lona, esgoto a céu aberto, sem água potável, sem energia elétrica ou qualquer tipo de infraestrutura urbana. As escolas públicas do bairro, segundo dados recentes do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), apresentaram média acima da média de Fortaleza, comemora o líder comunitário. O Conjunto Palmeiras abandonou a liderança no ranking da violência na capital cearense – posição que ocupou durante muito tempo – e hoje está em 12° lugar.

Esse resultado, acredita Melo Neto, é decorrente da capacidade de mobilização da comunidade, que monitora as escolas e estimula os professores. Há um acordo com a Prefeitura, que prevê a nomeação de professores do próprio bairro para lecionar nas escolas e a inclusão no currículo, a partir do 3° ano do Ensino Fundamental, da história do Conjunto Palmeiras. “É uma forma de aumentar a autoestima de professores e alunos”, defende o líder comunitário, que conta ainda com o apoio das igrejas evangélicas e católica nesse movimento que, segundo ele, tem um objetivo maior: “A afirmação de que nós pobres podemos ser protagonistas. E quem produz a riqueza pode ser proprietário dessa riqueza”.

Economia solidária cresce, mas enfrenta dificuldades para se consolidar

Em franco crescimento, o setor da economia solidária no Brasil enfrenta dificuldades de inserção no mercado. De acordo com o mais recente Relatório Anual do Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária (Sies), de 2008, nos primeiros sete anos da década de 2000 foram registrados mais empreendimentos de economia solidária do que em toda a década de 1990. São mais de 21 mil organizações brasileiras que atendem aos critérios de cooperação, autogestão, viabilidade econômica e solidariedade.

O estado com maior número de empreendimentos de economia solidária é o Rio Grande do Sul, com 2.085, seguido pelo Ceará, com 1.854 e por Pernambuco, com 1.526. O levantamento aponta que a maioria dos empreendimentos está voltada para as atividades rurais: 48% são exclusivamente rurais, 17% são rurais e urbanas e 35% urbanas. A economia solidária atua principalmente na produção e comércio de produtos de cinco setores. São eles lavoura; têxtil; manufatura de madeira, palha e cordas; alimentos e reciclagem.

O estudo mostra ainda que os empreendimentos de economia solidária surgem, em primeiro lugar, como uma alternativa ao desemprego. Em segundo, como uma oportunidade dos trabalhadores ganharem mais e em terceiro aparece como um complemento de renda. Mas a renda gerada por essa forma de economia ainda é modesta. Por mês, 36% faturam entre R$ 1 mil e R$ 5 mil; 24% não conseguem ultrapassar os R$ 1 mil; e 4,8% registram uma entrada de caixa superior a R$ 100 mil.

Especialistas da área atestam o crescimento significativo do setor da economia solidária. Em entrevista à agência Adital, João Joaquim de Melo Neto, fundador do Banco Palmas, enfatiza a importância desse modelo econômico crescer de baixo para cima. Lucio Uberdan, membro da executiva do Fórum Gaúcho de Economia Popular e Solidária (FGEPS) e coordenador da Setorial Estadual de Economia Solidária do PT/RS, acredita que economia solidária cresce porque a sociedade brasileira é muito desigual.

Clóvis Vailant, integrante do Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), ressalta também em entrevista à Adital que o novo modelo de desenvolvimento conseguiu pautar os governos, mas ainda está à margem das discussões políticas. Há leis municipais e estaduais, mas o país ainda não dispõe de uma legislação federal que regulamente a economia solidária.

A dificuldade de colocar os produtos no mercado, falta de mão-de-obra e os calotes são os entraves enfrentados pelo setor. Esse diagnóstico foi feito a partir de depoimentos colhidos pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para elaboração do Relatório Anual de Economia Solidária. Para Melo Neto, há poucos canais de comercialização e os produtos são ainda muito artesanais. “É necessário avanço qualitativo e tecnológico, além de estratégia comercial”, observa. Na análise de Lucio Uberdan, embora esteja em franco crescimento, o movimento econômico solidário ainda está em fase de construção.

A Lei Federal que deve regulamentar o setor e mais fomento para os empreendimentos, associações e cooperativas são as bandeiras atuais de luta do movimento da economia solidária. Não há políticas públicas que consolidem os grupos solidários e a falta de recursos não permite que esses empreendimentos possam competir no mercado capitalista, analisa Uberdan.

Melo Neto aposta na legislação como forma de consolidar a economia solidária no Brasil. Uberdan teme que o setor continue crescendo de forma vegetativa, se acomode e acabe servindo como mão-de-obra barata para o sistema capitalista. Clóvis Vailant acredita em um crescimento contínuo do setor, que tem funcionado muito bem como uma saída para os trabalhadores desempregados.

 

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