OPINIÃO

Reciclopedistas

Publicado em 8 de setembro de 2011

Colunista: Fraga

Arte: Rafael Sica

Arte: Rafael Sica

Eles não batem mais de porta em porta, os ex-vendedores de enciclopédia. Têm mais o que fazer.

Um empilhou os 18 volumes da enciclopédia perto do computador. Faz anos que confere no Google, na ordem editada, todos os verbetes do seu tesouro. Está na página 48 do 7º volume. Ao chegar no último, pretende enviar um relatório comparativo às autoridades educacionais. Ele não confia no conteúdo do Google. “É inexato, incompleto, incorreto”, acusa.

Outro se tornou pipoqueiro, com carrinho em frente a uma escola. Seu prazer é passar dezenas de saquinhos de pipoca às mãos da criançada. Prazer num detalhe: entrega saquinhos de forro duplo: por dentro, saco normal, branco, asséptico; por fora, coladas ao saco, partes de páginas das enciclopédias acumuladas em casa. À cada criança, repete, cioso: – Lê aí enquanto come, menino. Vai melhorar suas notas.

Um terceiro reúne diferentes enciclopédias usadas. Garimpa nos sebos e põe anúncios ao contrário do passado: “Compra-se enciclopédias.” Já alugou uma garagem e arranjou cadeiras em brechós. Assim que organizar a coleção e melhorar o ambiente, vai abrir o Museu da Enciclopédia. Lá, as pessoas poderão consultar de graça, à vontade. O letreiro ele mesmo pintou, com um adendo: Aceita-se doações.

Um virou tatuador e, além do catálogo de desenhos, oferece um bônus aos clientes: tatuagem de palavra escolhida na enciclopédia, ali na estante. Ninguém escapa da sua persuasão: todos saem da lojinha com um termo definitivo na pele. Ao terminar cada trabalho, ouvem seu suspiro. Aí confundem o som da sua satisfação com ruído de cansaço.

Tem um que fez um cartaz e, parado no centro, oferece verbetes de enciclopédia aos populares. O cartaz desafia: ME PERGUNTE QUALQUER COISA. A quem não resiste ao apelo, ele sempre responde com precisão. No fim do dia, uns reais no bolso, toma um banho, uma sopa, e senta-se numa poltrona sob um abajur. Faceiro, recomeça a decoreba de algum volume.

Aquele outro é artesão no Brique da Redenção. Aos sábados, vende caixinhas porta-tudo. De todos os tamanhos, estampadas com recortes de verbetes. Sua arte é arranjar as colagens, que ficam atraentes e intrigantes: lado a lado, verbetes díspares criam jogo de interesse. Um sucesso.

Além desses, mais uns 20 se ocupam de A a Z.

No domingo, esses ex-vendedores se juntam numa praça. Relembram as histórias da semana. De longe, parecem aposentados. Fossem ouvidos, se saberia que jamais deixarão a atividade.

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