AMBIENTE

Um rio de lama

Resultados parciais do relatório do Ministério Público apuram o despejo de 16,5 toneladas de resíduos por ano e participação dos municípios na degradação do rio dos Sinos
Publicado em 7 de setembro de 2011
Arroio Luiz Rau (o arroio Preto), em Novo Hamburgo, um dos pontos mais críticos do país

Foto: Igor Sperotto

Arroio Luiz Rau (o arroio Preto), em Novo Hamburgo, um dos pontos mais críticos do país

Foto: Igor Sperotto

Estudo do Ministério Público confirmou o que já se suspeitava em relação ao Sinos. Ao todo, a Bacia recebe por ano cerca de 16,5 mil toneladas de resíduos sólidos. O número expõe a fragilidade do rio a partir da coleta de amostras de 44 pontos e 15 municípios. A situação de um dos principais rios do estado é muito complicada e requer iniciativas urgentes dos municípios envolvidos, ou seja, um plano amplo de tratamento de esgoto doméstico para impedir o pior.

Os resultados estão fundamentados em 11 parâmetros científicos a partir de amostras de água, coletadas à vazante e à jusante das margens que banham os municípios em um trecho de 160 quilômetros do Sinos e de 10 quilômetros do Paranhana, em 19 de maio. A força-tarefa da Promotoria Regional de Meio Ambiente das Bacias dos Rios dos Sinos e Gravataí adiantou com exclusividade para o Extra Classe os resultados provisórios da análise. As conclusões parciais dão conta da existência de outro Sinos, composto por lama, colocando-o na condição de um dos piores rios do país, segundo a Agência Nacional de Águas (ANA).

Considerando o despejo de dejetos domésticos, industriais e agrícolas, são 16,5 toneladas de resíduos sólidos escoadas para o leito a cada ano a partir de cerca de cem afluentes, que carregam toda a sorte de dejetos nos 3,8 mil quilômetros quadrados da Bacia. Isso significa que cada habitante no entorno do rio contribui com carga aproximada de 11 toneladas por ano.

Documento em fase de redação e ainda à espera de outros resultados de análises da água, o relatório do Ministério Público constitui uma peça confirmatória que dimensiona a responsabilidade de cada município na implantação de políticas de tratamento de esgoto. Em média, os municípios da Bacia do Sinos tratam cerca de 5% dos seus rejeitos. Volume pequeno demais, mas que explica o estado decisivo em que o Sinos se encontra. “A contribuição dos municípios diminui a capacidade de o rio se depurar. Qualquer carga mais expressiva é suficiente para desequilibrar todo o rio. Dá uma seca na Bacia, o rio baixa rapidamente e diminui muito a capacidade de se depurar”, diz o biólogo Jackson Müller, integrante da força-tarefa que apura os resultados do estudo.

A conta é simples. Os coliformes fecais indicam em unidades formadoras de colônias por 100 mililitros de amostra de água a quantidade de esgoto cloacal despejada no rio. Juntando com os índices de fósforo, quantidade de oxigênio dissolvido abaixo da média e com a amplitude da vazão bastante oscilante do rio, tem-se boa parte da explicação para o foco da pesquisa do MP: buscar subsídios e compor o inquérito que apura as responsabilidades pela mortandade de peixes verificada num trecho entre Sapiranga e Campo Bom, em 1º de dezembro do ano passado. O conjunto dessa obra bizarra deverá determinar responsabilidades e apontar saídas para a recuperação do rio.

Resumidamente, os índices, sobretudo os de coliformes fecais, confirmam as suspeitas do MP, assim como o histórico das análises que a Fepam (Fundação Estadual de Proteção Ambiental) sistematiza há 21 anos. Os piores trechos de contribuição são aqueles localizados nos municípios de maior concentração populacional. Novo Hamburgo, que trata apenas 2% de seus resíduos, tem no arroio Luiz Rau (arroio Preto) o contribuinte número um para a degradação do Sinos. Seguem-se os arroios Portão e Estância Velha, o arroio João Correia (São Leopoldo) e as plantações de arroz nas proximidades da nascente, pelo elevado consumo de água.

Na parte de cima do rio, perto da cidade de Taquara, segundo Müller, o rio apresenta uma maior velocidade de vazão, o que deixa sua capacidade de autodepuração aumentada. Na medida em que a população cresce em direção à foz no lago Guaíba, o rio fica mais lento, mais frágil, mas mais cheio de esperanças graças à diluição que o rio Jacuí proporciona. Isso torna as perspectivas sombrias e pouco preditivas, assim como dependentes da intensidade da seca nos meses de verão. A vazão do rio chega a cair 25 vezes em Taquara e 27 vezes em Canoas, fruto da queda brusca e do volume utilizado. Experiente técnico da Fepam, o engenheiro químico Ênio Leite comenta que os dois anos de secas mais intensas nos últimos 20 anos foram 2002 e 2006. Neste último, no auge da crise de falta de água no Sinos, houve a mortandade de quase 100 toneladas de peixes em novembro, próximo à foz do arroio Portão, em São Leopoldo. “É frequente ocorrer no rio Gravataí também episódios agudos. Não digo que seriam rios mortos, porque, se fossem, não haveria mortes de peixes a cada ano. Mas, no caso de uma nova seca, a situação poderia se repetir”, diz o engenheiro químico Ênio Leite.

Os agentes em torno do rio terão um desafio e tanto pela frente. Precisam recuperar um tempo perdido com a visão dominante de crescimento econômico e geração de riquezas que responde por boa parte do problema. Também lidar com a necessidade de conhecer melhor o rio, afinal a utilização da água para abastecimento doméstico, industrial e agrícola responde pela configuração do dilema maior. As cidades não podem parar, mas o rio pode? “A partir do conhecimento que se produziu, podemos medir a responsabilidade de cada município e planejar as ações. O Ministério Público tem feito a sua parte. Cabe agora aos municípios mobilizar ações e fiscalizar para melhorar a qualidade da água do rio”, recomenda o titular da Promotoria de Meio Ambiente, promotor Daniel Martini.

Os resultados do estudo

O estudo baseou-se na análise de 11 parâmetros para compor o Índice de Qualidade da Água (IQA) em trecho de 160 quilômetros do rio dos Sinos e 15 municípios, a partir de Três Coroas (10 quilômetros do rio Paranhana) até a foz em Canoas. A seguir, alguns dados parciais levantados com contribuição do acompanhamento bimestral feito pela Fepam. Os dados se referem particularmente à concentração de coliformes fecais, uma vez que o estudo não tinha foco na origem industrial dos rejeitos.

RIO PARANHANA
Trecho em que o rio é mais rápido e concentra menor população. Há maior capacidade de autodepuração dos rios. Mesmo assim, os coliformes fecais ficam em média cinco vezes acima do limite permitido.

Municípios

Três Coroas: 6.488 unidades formadoras de colônias/ 100 mililitros em coliformes fecais. O limite é de 1.000 unidades.

Igrejinha: 8.164 unidades formadoras de colônias/ 100 mL em coliformes fecais.

Taquara: banhado pelo Paranhana e pelo Sinos. Coliformes fecais: 5.794 unidades formadoras de colônia por 100 mL.

Parobé: banhado também pelo Paranhana e pelo Sinos. Apresenta 4.106 unidades formadoras de colônia. A redução sensível se deve à menor população e à capacidade aumentada de oxigenação pela velocidade maior do rio. Oxigênio dissolvido abaixo do limite (4,5 mg/L), que é de 5 mg/L, o que indica atividade industrial alta.

RIO DOS SINOS
A partir de Taquara, inicia-se a parte média do rio. A velocidade das águas cai na proporção inversa em que aumenta a população e a atividade industrial. Os lançamentos deixam o trecho como o pior até a foz, com exceção do município de Araricá.

Municípios Araricá: a força-tarefa ficou surpresa com os índices deste município. É a “surpresa boa”. Os coliformes fecais chegam à cidade com 2.000 unidades formadoras de colônia por 100 mL e saem dentro do limite (980 unidades formadoras de colônias por 100 mL). O município trata cerca de 40% do esgoto.

Sapiranga: água chega dentro dos limites para coliformes fecais (910 unidades formadoras de colônias) e fica no limite em oxigênio dissolvido (5 mg/L).

Novo Hamburgo: impacto sério. Coliformes fecais 24.196 unidades formadoras de colônia por 100 mL, 24 vezes acima do limite. Apresenta 4,5 mg/L de oxigênio dissolvido (abaixo do limite de 5), o que precariza as condições de vida dos peixes. Trata 2% do esgoto doméstico/industrial.

São Leopoldo: esgoto 12 vezes acima do limite

Foto: Igor Sperotto

São Leopoldo: esgoto 12 vezes acima do limite

Foto: Igor Sperotto

São Leopoldo: chega com 19.863 unidades formadoras de colônias e sai com 12.997. Trata 50% do esgoto doméstico. Mesmo assim, 12 vezes acima do limite.

Portão: o rio perde velocidade e capacidade de autodepuração. Os coliformes voltam a aumentar (15.531 unidades formadoras de colônia por 100 mL) nas fozes dos arroios Portão e Estância Velha.

Sapucaia do Sul: a contribuição é menor pela menor população. Coliformes fecais caem para 8.164 unidades formadoras de colônia por 100 mL.

Esteio: cai a vitalidade do rio. Os coliformes fecais chegam em 2.400 unidades formadoras de colônia por 100 mL e caem para 2.200. O rio começa a sofrer os efeitos do rio Jacuí, cujas águas costumam bloquear a vazão para o Guaíba em épocas de cheia ou de seca.

 

Daniel Martini, do Ministério Público

Foto: MP/diculgação/arquivo/Extra Classe

Daniel Martini, do Ministério Público

Foto: MP/diculgação/arquivo/Extra Classe

Canoas: os coliformes fecais chegam com 579 unidades formadoras de colônias e aumentam para 1.732.

Outros índices

Vazão normal média: 41 metros cúbicos por segundo em Taquara e 84 metros cúbicos por segundo em Canoas. Na estiagem, cai para 1,6 metros cúbicos por segundo em Taquara e para 3,1 em Canoas. Em Taquara a queda é de 25 vezes em termos de volume. Em Canoas, é de 27 vezes.

Uso da água
Segundo relatório de 2008 do Departamento de Recursos Hídricos (DRH) da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), os usos se distribuem na seguinte proporção:

Abastecimento doméstico: 29%
Irrigação de lavouras de arroz: 34%
Abastecimento industrial: 36%
Outros usos e perdas: 1%

Origem dos resíduos (em toneladas por ano):
Doméstica: 15.200
Industrial: 1.140
Agrícola: 142
Outras fontes: 4,36
Total: 16.568

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