EDUCAÇÃO

Mochilas: problema de saúde pública

Estudantes carregam muito mais do que o necessário e para além do limite de 10% do peso corporal recomendado pela OMS
Por César Fraga / Publicado em 11 de maio de 2012
Krishna Schneider, educadora física,  pesou mochilas de até 7 quilos

Foto: Marcelo Amaral

Krishna Schneider, educadora física,
pesou mochilas de até 7 quilos

Foto: Marcelo Amaral

Foi-se o tempo em que os estudantes iam pra a escola com uma modesta pastinha embaixo do braço e que tudo que era necessário para um dia de aula cabia nos braços junto ao peito. Cena comum nas portas das escolas públicas ou privadas é o grande número de estudantes carregando enormes e pesadas mochilas ou, no caso dos menores, levadas pelos pais e invariavelmente de forma errada. Na bagagem diária são transportados, além do material escolar exigido pelas escolas, lanches, livros, estojos, pastas e cadernos, roupas, também os brinquedos da moda, álbuns de figurinhas, bolas e até mesmo skates entre outras coisas. O que se vê é que os estudantes carregam muito mais do que o necessário e para do além limite de 10% do peso corporal recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Os especialistas alertam que, se nada for feito, uma geração inteira com deformações na coluna estará se formando. Aliás, esse comportamento já tem efeitos. Segundo a Sociedade Brasileira de Ortopedia, entre 60% e 70% dos problemas de coluna vertebral dos adultos de hoje foram causados na adolescência e o peso excessivo da mochila escolar, na maioria dos casos, é o principal culpado. Já a própria OMS tem números ainda mais preocupantes: 80% da população mundial sofrerá com problemas nas costas em algum momento da vida e as mochilas são as grandes vilãs, pois se tornaram um problema de saúde pública.

Nossa reportagem visitou uma das maiores escolas da capital e teve chance de conferir in loco o problema. A equipe de reportagem, acompanhada da educadora física Krishna Schneider (da equipe multidisciplinar Pour La Vie de educação e terapia corporal), munida de uma balança abordou pais e alunos para pesar as mochilas e, a partir dos dados aferidos, orientou sobre a postura correta para carregar os materiais, quantidade e o modo adequado. Uma das meninas entrevistadas tem dez anos, cursa a quinta série, tem apenas 40,3 quilos e transporta 7 quilos, o que representa 17,4% do seu peso. Outra aluna, de 8 anos, da terceira série, pesando 33,7 quilos, carregava 4,3 quilos, o que totaliza 13%.

Orientação dos pais é necessária na organização

Foto: Marcelo Amaral

Orientação dos pais é necessária na organização

Foto: Marcelo Amaral

A primeira estaria fora da orientação tanto da lei que tramita no Congresso (e que limita a 15% do peso da pessoa) quanto do que a legislação gaúcha prevê e do que a OMS recomenda (10% do peso da pessoa). Já o segundo caso estaria dentro da normalidade, conforme os deputados, porém, de acordo com médicos e especialistas, também excedente. O fato é que ambas as mochilas se mostraram, na prática, pesadas mesmo para adultos. Segundo a garota que cursa a quinta série, “em alguns dias o peso é inevitável devido ao grande número de materiais e trabalhos a serem apresentados”.

Conforme o vice-diretor administrativo do Colégio Marista Rosário, Maurício Erthal, “a vigilância dos pais poderia ser mais efetiva, pois a organização do estudante muitas vezes precisa da orientação de um adulto. Quanto à lista de materiais, por enquanto, o critério é mais pedagógico e econômico do que ergonômico. A questão do peso é secundária”, diz. Segundo ele, em blitz realizada na escola em 2011 para conferir o peso das mochilas, foi constatado o excesso de peso em grande quantidade de alunos. A partir da quinta série, o colégio oferece armários locados, porém, em quantidade limitada. O tema também é recorrente nas reuniões de pais, disse o vice-diretor, que acha a situação preocupante e considera que o tema certamente exigirá uma maior atenção das escolas para tentar minimizar o problema.

Modo correto

A fisioterapeuta Caroline Ferreira e a educadora física Krishna Schneider, da Equipe de Saúde Pour La Vie (www.pourlavie.com.br) recomendam que, se a mochila tiver alças, estas devem ser acolchoadas. A largura da mochila não deve exceder o tamanho do dorso da criança e a altura ideal é a região da cintura. Deverá estar ajustada ao tronco e carregada sobre os dois ombros. Jamais carregálas em um só ombro, porque isso sobrecarrega somente um lado do corpo. O modelo ideal é o específico para caminhadas (trilhas), pois tem uma tira que deve ser presa ao abdômen, distribuindo melhor a carga.

Quando for arrumar a mochila, se deve dar preferência por colocar os materiais mais pesados no fundo (parte que encosta nas costas) e ir distribuindo os mais leves para a parte anterior da mochila. Quanto ao peso das mochilas, alguns especialistas recomendam de 10% a 15% do peso corporal como sendo o máximo de peso a ser carregado. “O ideal seria pesarmos as mochilas sempre que possível e fazer o cálculo”, sugere.

Se a mochila for de rodinhas, a altura correta da alça deve ser suficiente para que a criança não tenha que se inclinar para puxá-la. O puxador deve ser ajustável à altura atual da criança, ou seja, não deve ser maior nem menor que a altura do braço estendido.

As costas da criança devem estar retas ao puxar a mochila, pois os movimentos de rotação quando muito intensos e regulares não são bem tolerados e causam dor. Sempre que possível, alternar os braços para evitar excesso de esforço. Estas mochilas são ideais quando o peso ultrapassar os 10% a 15% estipulados para as mochilas com alças.

Leis que não saem do papel

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania aprovou no dia 24 de abril último, em caráter conclusivo, o Projeto de Lei 6.338/05, do deputado Sandes Júnior (PP-GO), que proíbe o uso de mochila escolar com peso excessivo. O texto aprovado foi o adotado pela Comissão de Educação e Cultura, contrariando a orientação da OMS, de que o peso máximo da mochila deveria ser de 10% do peso do estudante, como já é adotado em várias localidades brasileiras. A proposta, que segue para análise do Senado, mais branda, limita em 15%, a menos que haja recurso para que seja examinada pelo Plenário da Câmara. Pelo PL, a aferição do peso do aluno deverá ser feita mediante declaração escrita por ele próprio, quando no Ensino Médio; ou por seus pais ou responsáveis, quando em creches, pré-escola ou Ensino Fundamental. O governo deverá promover ampla campanha educativa sobre o peso máximo aconselhável do material escolar a ser transportado.

O Rio Grande do Sul já possui legislação específica há bastante tempo, porém, sem aplicação na prática. Trata-se da Lei 12.027, de dezembro de 2003, que completa 10 anos em 2013 sem que nada ou pouca coisa tenha mudado de lá para cá. Aliás, ninguém nas escolas, governo ou Secretaria de Estado da Educação sabe da existência da Lei sancionada pelo então governador Germano Rigotto. Nossa reportagem verificou junto à Procuradoria Geral do Estado (PGE) que a norma estadual está em vigor. Pelo que a nossa reportagem levantou, trata-se de mais uma iniciativa no papel e sem efeito prático, na tentativa de resolver pelo canetaço um problema que é comportamental e concreto. Curiosamente, no RS, a legislação aplica-se apenas às escolas estaduais, limitando o material carregado pelos estudantes em 5% do peso do estudante da pré-escola, e 10% no Fundamental. O excedente deveria ficar acondicionado em armários gratuitos nas escolas. Diante da lista interminável de carências da rede pública, equipar as escolas com armários seria artigo de luxo. Aliás, poucos estabelecimentos particulares oferecem este serviço e para uma pequena parcela dos seus estudantes, além cobrar taxas por isso.

Adriana Farina Markon, diretora do Instituto de Educação, uma das mais tradicionais escolas estaduais da capital, admite o problema e, segundo ela, armários para o material que excede o peso, conforme prevê lei estadual, são inexistentes tanto na sua como na maioria das escolas estaduais. “Tem tanta coisa faltando, que armários seriam artigo de luxo diante das carências que temos”, explica. Segundo ela, também não existe uma política do estado mais focada neste aspecto.

Procurada por nossa reportagem, a Secretaria de Estado da Educação (Seduc) desconhecia a existência de legislação estadual que estipula limite ao peso dos materiais e respondeu a nossa reportagem via assessoria de imprensa que as escolas da rede pública estadual têm suas dependências considerando o espaço para guardar utensílios escolares. “A Secretaria de Estado da Educação (Seduc) procura orientar a comunidade escolar sobre a prevenção em relação ao excesso de peso nas mochilas. A maior preocupação envolve crianças das séries iniciais do Ensino Fundamental. As orientações não devem ser submetidas apenas aos professores e alunos, mas precisam ser estendidas às famílias. Indicamos aos professores para adotarem propostas pedagógicas preventivas, principalmente em relação uso inadequado das mochilas. Também sugerimos a prática de exercícios posturais, como alongamentos nas aulas de Educação Física. Muitas escolas já perceberam a importância de qualificar a sala de aula com materiais pedagógicos próprios, sem demandá-los anualmente aos alunos”, diz o e-mail enviado pelo setor de comunicação social.

Alunos das escolas privadas carregam mais peso

Pesquisa realizada pela fisioterapeuta e professora da Ucpel, Patrícia Haertel Giusti, analisou as características do material escolar das crianças do Ensino Fundamental de uma escola privada e uma pública do município de Pelotas, a fim de conhecer os componentes responsáveis pelo excesso de peso carregado pelos estudantes. O estudo teve a participação de 226 (48,8%) alunos da escola particular e 237 (51,2%) da pública, em que foi examinado o material escolar de segunda a sexta-feira, dos alunos da 1ª a 8ª série, em duas escolas de Pelotas.

Foram coletados os dados demográficos dos alunos e identificado o tipo de mochila, tipo de caderno, lanche e outros materiais transportados até a escola. Verificou-se que, na grande maioria das vezes, quem preparava o material escolar para levar à escola era a própria criança. Na escola particular, a mochila de rodas e o caderno de capa dura com espiral foram mais utilizados, o modo de locomoção mais usado foi o carro e as crianças levavam lanche com maior frequência para a escola. Na pública, a pasta e o caderno de espiral eram usados pelos alunos, estes dirigiam- se até o colégio normalmente a pé e levavam lanche com menos assiduidade. “Devido ao maior poder aquisitivo das crianças, da escola particular, o tipo de material escolar carregado por estes alunos apresentava custo mais elevado e coincidentemente são os mais pesados como mochila de rodas e caderno de capa dura com espiral”, explica Patrícia. Na amostra estudada por ela, 38,2 % do total de estudantes transportavam excesso de peso de material escolar. Na escola particular, esta prevalência foi de 68,6% (155) e na pública de 9,3% (22).

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