EDUCAÇÃO

Vivendo e aprendendo a jogar

De rivais a aliados, videogames vão parar nas salas de aula e jogos de estratégia se transformam em recurso pedagógico nas aulas de História ao recriar civilizações virtuais
Por Janine Souza / Publicado em 6 de outubro de 2012
Uso de videogame em aula foi discutido com alunos e com a coordenação pedagógica da escola

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Uso de videogame em aula foi discutido com alunos e com a coordenação pedagógica da escola

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Brinco, logo aprendo. É a partir desta perspectiva que o professor Eloenes Silva desenvolve um projeto pedagógico diferenciado utilizando videogame como ferramenta de ensino nas aulas de História do 6º e 7º anos do Ensino Fundamental II no Colégio Salesiano Dom Bosco, em Porto Alegre. Através de jogos como Tribal Wars, Grepolis e Imperia Online, os alunos aprendem as principais características das civilizações antigas. A novidade tem a aprovação das turmas: “A gente se diverte aprendendo”, diz o aluno Matheus Peixoto, de 13 anos. Tradicionalmente vistos como “rivais” das escolas, os jogos eletrônicos aos poucos começam a fazer parte delas, proporcionando interação entre os jovens, motivando a busca pela solução de problemas e ajudando no desenvolvimento do raciocínio lógico. Especialistas também defendem o método, mas com uma ressalva: “A tecnologia sempre é bem-vinda, quando associada à atividade pedagógica. O uso do recurso pelo recurso é arriscado”, enfatiza a professora da Faculdade de Educação da PUCRS, Helena Côrtes

São quase 9h10min de uma segunda-feira e a aula do professor Eloenes está quase acabando, mas nenhum aluno da turma 32 do Dom Bosco se movimenta da cadeira. A atenção está toda voltada para a projeção na parede, onde os estudantes Maurício Castro, João Ricardo Cipriano, Matheus Peixoto e Leonardo Silveira apresentam o seu trabalho virtual. Para a atividade, eles criaram uma civilização através de um jogo de videogame escolhido por eles. A ideia, explica o docente, é utilizar jogos de estratégia em tempo real que levam o aluno para uma era de conquistas. “Onde o principal desafio é montar um império, preocupando-se com o cotidiano desse grupo em áreas como poder militar, economia, religião, subsistência e domínio político”, ressalta Silva

O professor reconhece que não são raras as vezes em que ele aprende com os alunos. “Nem tudo que está na realidade dá para colocar no jogo, professor”, observa Matheus durante a apresentação, ganhando o respaldo do orientador.

A ideia de utilizar o recurso, conta Silva, nasceu em sala de aula. “Um dia, um aluno terminou a prova e ficou em silêncio jogando em um videogame portátil”, lembra ele. “Comecei a ler sobre o assunto, mas ainda são poucas as bibliografias nacionais sobre o tema”. A proposta de passar a usar o videogame foi inclusive discutida com alguns alunos antes de apresentá-la à coordenação pedagógica da escola. “Conversamos sobre isso no ano passado e, em 2012, ele resolveu colocar em prática. Foi muito bom porque sempre que se gosta de alguma coisa, se vai lembrar mais fácil do que aprendeu através dela. Para esse trabalho, escolhemos um jogo que nem estava na lista de sugestões dada pelo professor e, em duas semanas, tínhamos concluído”, conta Maurício.

O trabalho do quarteto surpreendeu o docente pela qualidade e o primor nos detalhes. “Eles conseguiram fazer um vídeo. Eu nem esperava isso, achava que a apresentação seria quadro a quadro, através de um print screen da tela. Com isso, eles já interagem com novas tecnologias, como a produção e a edição de vídeo”. No caso, os meninos usaram o Camtasia Studio, baixando gratuitamente o aplicativo da internet. Após todos os grupos apresentarem seus projetos, a turma continuará fazendo a manutenção da vida nos seus impérios fictícios.

Professores na era digital

A professora Helena Côrtes destaca a iniciativa inovadora. “É importante que através desse recurso os alunos reconheçam e entendam as questões relacionadas ao conteúdo que está sendo aplicado pelo docente. É válida a associação da tecnologia, seja por meio de recursos simples ou complexos, ao trabalho em sala de aula, desde que esteja sempre inserida em um contexto pedagógico”, frisa a especialista.

A facilidade de acesso à informação e a velocidade com que ela se dissemina estão transformando o papel da escola, alerta Helena. “Ela não é mais o centro da informação. Assim, a função do professor hoje é de mediador. Ele não é mais responsável por disseminar, mas transformar a informação que chega ao aluno em conhecimento”.

E não são só adolescentes que querem ser incentivados com os recursos tecnológicos. Na era digital, os pequeninos, a chamada geração Z, também exigem dos docentes criatividade e inovação nos planos de aula, lembra Helena. Nos dias de hoje, os alunos do Ensino Fundamental já ingressam nas séries iniciais tendo acesso à internet, a celulares de última geração e games interativos. No Colégio Província de São Pedro, na capital, os jogos eletrônicos são usados como reforço aos projetos desenvolvidos em diferentes disciplinas. “Faço essa interação com os outros professores usando softwares educacionais”, explica a professora Adriele Giuseppe, de 24 anos. “Não existe trabalho livre, é tudo feito em cima de uma proposta pedagógica. Os docentes introduzem o conteúdo em sala de aula e eu complemento no laboratório de informática”, explica a pedagoga com habilitação em Multimeios. Adriele ministra a disciplina de Tecnologias Educacionais para as primeiras turmas do Ensino Fundamental da escola uma vez por semana.

“Nos anos iniciais, trabalhamos o reconhecimento das letras (letramento digital) e os alunos respondem muito bem. Uma das atividades que mais fazem sucesso é a lousa interativa, usando, por exemplo, o jogo da forca para a formação das palavras. A partir do 2° ano, inserimos mais conteúdo. No 6° ano, eles passam a ter autonomia, ganham usuários e senhas individuais”, explica a professora. Antes de serem utilizados, os games são avaliados e testados para definir em qual nível ou ano serão aplicados. Os jogos são de acesso gratuito e os links disponibilizados para os pais. Entre os mais utilizados pela escola estão o Poisson Rouge, Escola Games, Stellarium – Planetário 3D, entre outros. Neste ano, os alunos da professora Adriele já produziram e-books com jogos de quantificação, que serão apresentados na Feira do Livro do colégio, e um dicionário on-line de verbetes.

Cursos precisam acompanhar tecnologia 

Para acompanhar essa transformação do ensino, os currículos dos cursos de formação pedagógica também precisam caminhar no mesmo passo, destaca a professora Helena Côrtes. “As propostas curriculares já estão incorporando essa ideia. E isso tem que ser feito, para que se mantenham contemporâneas. Do contrário, teremos uma escola de baixa qualidade, afastada da realidade do aluno”, diz a docente da PUCRS. “O professor deve ser um usuário crítico e criativo dos novos recursos”, frisa ela.

Helena cita de exemplo o projeto Labs Móveis, iniciativa que leva para as aulas da Faculdade de Educação da universidade carrinhos com tablets e notebooks dotados de softwares de apoio à aprendizagem. “Usamos os recursos digitais para discutir a forma como essas informações são incorporadas ao cotidiano”, explica ela.

Enquanto isso, o professor Eloenes faz novos planos. Ele enfatiza que, além do trabalho virtual, não deixa de aplicar os exames já tradicionais e de incentivar a leitura e a escrita. “Isso é básico e não tem como ser deixado de lado. A metodologia pode ser diversificada e as técnicas tradicionais, rompidas. A tecnologia está mudando a formação no pensamento do aluno, e isso não pode ser ignorado”, avalia. Professor de História há 13 anos, ele ainda dá aula em outras duas escolas. Em todas elas, o docente aplica uma proposta de ensino diferenciada, sempre voltada para a realidade de cada aluno. A experiência no Dom Bosco abriu caminhos para outras possibilidades, diz ele. “O próximo passo é começar a fazer jogos on-line entre turmas e escolas”. Os alunos da turma 32 apoiam: “Misturando estudo e diversão tu te sente melhor e tem vontade de conhecer coisas novas”, diz Matheus.

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