OPINIÃO

A novidade nem tão nova dos Black Blocs

Por Marcos Rolim / Publicado em 14 de novembro de 2013

A novidade nem tão nova dos Black Blocs

Ilustração: Pedro Alice

Ilustração: Pedro Alice

Uma das novidades nas recentes manifestações de rua no Brasil foi o surgimento de grupos mascarados, vestidos de preto, que desenvolvem ações de depredação de agências bancárias e outros “símbolos do capitalismo”, os black blocs. Na verdade, ações do tipo já haviam ocorrido em mobilizações em São Paulo há mais de dez anos, mas, na época, a mídia não usou a expressão conhecida em todo o mundo. Ao contrário do que se poderia imaginar, os black blocs não são um movimento político, não dispõem de um programa e sequer podem ser considerados uma “organização”. Possivelmente, os definiríamos melhor como uma forma de luta que agrega, de maneira fluida, ativistas dispostos a “destruir para construir” e a confrontar a polícia. O papel destes grupos no futuro das mobilizações no país e as possíveis repercussões políticas de suas iniciativas merecem o debate e demandam a razão crítica.

Historicamente, os black blocs foram uma das expressões dos movimentos autonomistas europeus nas décadas de 1970 e 1980, particularmente na Itália e Alemanha. Diante da inércia do movimento sindical e da burocratização dos partidos comunistas, os autonomistas passaram a reunir militantes que haviam rompido com o marxismo e que faziam a crítica do autoritarismo das organizações tradicionais, além de jovens anarquistas e parte importante dos ambientalistas. O sentido geral do movimento era a negação do modo de vida capitalista – o que se traduzia na crítica aos “valores burgueses” – e a busca por alternativas em comunidades “autogestionadas”. Por isso mesmo, os autonomistas estimularam o movimento Okupa (squat, em inglês), que passou a promover a tomada de prédios abandonados ou em disputa judicial para a construção de “esferas de sociabilidade libertárias”. Alguns pensadores como Antônio Negri – um dos idealizadores do Potere Operaio, organização de extrema esquerda italiana, entre 1969 e 1973 − Mário Tronti e Paolo Vimo foram importantes referências dos autonomistas. Outros, como Franco Basaglia, tiveram destaque na criação de novas políticas públicas de caráter libertário como a reforma psiquiátrica. Na Alemanha, os autonomistas organizaram também acampamentos em áreas destinadas à construção de usinas nucleares na tentativa de impedi-las (o mais famoso dos acampamentos ficou conhecido como a “República Livre de Wendland”). A resposta dos governos às ocupações foi a repressão policial violenta. Na resistência às ações da polícia, os autonomistas organizaram grupos para a defesa das ocupações. Eles apareceram pela primeira vez no 1º de maio alemão, em 1980. Vestiam roupas pretas e usavam capacetes para não serem identificados. A imprensa alemã os chamou de Schwarzer Block (“Bloco Negro”) e o nome ficou.

No Brasil, os black blocs surgiram já sob a influência dos protestos de Seattle (EUA) e o objetivo parece estar reduzido aos “atos simbólicos” de vandalismo. Neste particular, a tática faz lembrar o movimento ludista da Inglaterra no século 19, quando operários revoltados com o desemprego provocado pela introdução dos teares a vapor passaram a destruir o maquinário das fábricas.

Mas qual é mesmo o símbolo que os atos de destruição produzem? Os integrantes dos black blocs entendem que eles expressam a luta anticapitalista, mas talvez o símbolo mais efetivo das depredações reforce ostatus quo. Isto se daria por dois mecanismos: o primeiro, pelo medo que as ações disseminam entre os manifestantes não dispostos ao confronto com a polícia e que, invariavelmente, são atingidos pela repressão (observe-se que, como regra, a tática black bloc é viabilizada no Brasil pela infiltração em atos pacíficos organizados em torno de outras exigências); segundo, pela legitimação social da repressão violenta. Pelo primeiro efeito, milhares de pessoas que poderiam se somar às mobilizações desistem de participar. A violência simbólica, assim, fragiliza os movimentos, ao invés de fortalecê-los. Pelo segundo efeito, políticos conservadores ganham popularidade ao sustentar ações de repressão e a própria violência policial começa a aparecer como “necessária” aos olhos da maioria. Nada de novo. Frente ao ludismo, por exemplo, o parlamento inglês aprovou, em 1812, o Frame Braking Act, introduzindo a pena de morte para os destruidores de máquinas, sob aplausos do público. O resultado mais palpável da tática, naquela época como agora, tende a ser um serviço inestimável para a direita.

Independente desta avaliação, é preocupante constatar que a tática black bloc seja desenvolvida no Brasil como expressão muda, vale dizer: desconectada de qualquer programa ou reivindicação. Esta característica aumenta os espaços aos provocadores e, mesmo, aos delinquentes comuns. Ao invés de radicalidade e consciência política, a postura atesta ingenuidade e só afirma a violência que é, em si mesma, a negação da política. Em um país com uma persistente vocação para a brutalidade e o desrespeito, grupos cuja gramática se reduz a pedras e coqueteis molotov conspiram, ainda que não saibam, contra a liberdade. São, em síntese, mais parecidos com seus inimigos do que imaginam.

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