OPINIÃO

Mudança climática: grave, abrangente e irreversível

Por Marco Weissheimer / Publicado em 16 de junho de 2014

Mudança climática: grave, abrangente e irreversível

Ilustração: Ricardo Machado

Ilustração: Ricardo Machado

No dia 31 de março deste ano, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês) divulgou um relatório afirmando que o impacto do aquecimento global será “grave, abrangente e irreversível”. O documento foi apresentado como sendo a avaliação mais completa já feita sobre o impacto das mudanças climáticas no planeta. Segundo o relatório, até aqui os efeitos dessas mudanças foram sentidos principalmente pela natureza, mas, daqui em diante, o impacto direto sobre a humanidade será cada vez maior, atingindo áreas como saúde, habitação, alimentação e segurança da população.

O IPCC destacou que a quantidade de provas científicas do impacto do aquecimento global dobrou desde o último relatório, divulgado em 2007. O diretor do Painel, Rajendra Pachauri, resumiu assim a situação: “Ninguém neste planeta ficará imune aos impactos das mudanças climáticas”. Algumas das principais mudanças apontadas pelo relatório foram as seguintes: nos próximos 20 a 30 anos, sistemas como o mar do Ártico estão ameaçados pelo aumento da temperatura em 2 graus centígrados; o ecossistema dos corais pode ser prejudicado pela acidificação dos oceanos; na terra, animais, plantas e outras espécies vão começar a se deslocar para pontos mais altos, ou em direção aos polos; possibilidade de perdas de mais de 25% nas colheitas de milho, arroz e trigo até 2050; enchentes e ondas de calor estarão entre os principais fatores causadores de mortes de pessoas.

Caso as emissões de gases do efeito estufa continuem crescendo às atuais taxas ao longo dos próximos anos, a temperatura do planeta poderá aumentar até 4,8 graus centígrados neste século – o que poderá resultar em uma elevação de até 82 centímetros no nível do mar e causar danos importantes na maior parte das regiões costeiras do globo.

Antártica é uma das áreas que mais aqueceu no planeta
O glaciologista Jefferson Simões, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e coordenador do Centro Polar e Climático (CPC), destaca que uma das principais novidades desse estudo é a apresentação de dados obtidos por meio de satélites mais precisos que estão trazendo sólidas evidências sobre as mudanças climáticas no planeta. Segundo ele, a água da superfície do oceano na região da península antártica, que é a região mais amena da Antártica e mais próxima da América do Sul, está ficando mais fresca e está diminuindo a sua salinidade, e começam a aparecer algumas espécies exóticas de gramíneas e liquens. “Essa é uma das áreas que mais aqueceu no planeta todo, cerca de 3,1 graus centígrados. Esses fenômenos não são exatamente novidades.

Já sabíamos disso há cerca de 20 anos. O que os artigos mais recentes trazem de novo são os dados do monitoramento realizado pelos satélites Icesat e Criosat sobre a espessura do manto de gelo da Antártica”, diz Simões. A contribuição atual do degelo na Antártica para o aumento do nível do mar, que é de 0,2 milímetros por ano, pode, em cem anos, aumentar para dez vezes mais, explica o cientista, que é um dos principais pesquisadores do programa brasileiro de pesquisa antártica. “Parece que esse processo já iniciou e, até o fim deste século, a região deve estar contribuindo com algo em torno de 10 centímetros por século no aumento do nível os oceanos.

Outros artigos sustentam que em um período entre dois e nove séculos esse processo pode se acelerar, não por derretimento, mas pela instabilidade dinâmica das geleiras, contribuindo para a elevação de 4 a 5 metros no nível dos mares. Um aumento de 1 metro por século seria catastrófico”, resume.

Aumento de eventos extremos
Mas o que está acontecendo no Ártico, segundo ele, é mais preocupante do ponto de vista das mudança climáticas. Nos últimos 30 anos e, especialmente, na última década, a extensão mínima do gelo marinho nesta região decresceu mais de 50%, caindo de 7 milhões de quilômetros quadrados para algo em torno de 4 milhões de quilômetros quadrados, no auge do verão, que ocorre no final de setembro. “Isso muda sim o clima. O Ártico está aquecendo, derretendo gelo, mudando a quantidade de energia que sai do oceano para a atmosfera, e alterando o padrão dos ventos e da circulação. Isso ajuda a entender alguns eventos extremos que estamos presenciando agora, na América do Norte, onde alguns lugares têm ondas de frio e outros têm ondas de calor, na mesma latitude”, explica Jefferson Simões.

Apesar da crescente gravidade dos informes do IPCC, pouco ou quase nada vem sendo feito pelos governos para reverter esse quadro. “Parece que vamos precisar viver uma situação muito mais dramática para começar de fato a fazer algo”, prevê o professor da Ufrgs.

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