OPINIÃO

O Atlas da Violência

Publicado em 11 de abril de 2016

“Os homicídios não se distribuem de forma aleatória no universo populacional. Pelo contrário, eles se concentram em determinadas áreas urbanas e atingem particularmente jovens pobres e negros, moradores das periferias dos centros urbanos, do sexo masculino“.

Fórum  Brasileiro  de Segurança   Pública (FBSP) e o Instituto de Pesquisa  Econômica Aplicada (Ipea) lançaram, em março deste ano, uma nota técnica intitulada Atlas da Violência, com dados sobre a evolução dos homicídios no Brasil. O estudo (disponível em: http://goo.gl/j5qm9h) é muito importante para se dimensionar o tamanho dos desafios na área da segurança pública e destaca algumas das características centrais para uma epidemiologia da violência no Brasil.

Em 2014, segundo dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, 59.627 pessoas foram assassinadas no Brasil, o que significou 10% de todos os homicídios do mundo naquele ano e uma taxa de 29,1 homicídios para cada 100 mil habitantes, a média nacional mais alta já registrada no Brasil. Quando desagregamos os dados, entretanto, diferenças significativas entre os estados aparecem e o perfil das vítimas se torna mais claro.

Protesto na praia de Copacabana lembrou as 4 mil mortes por causas violentas no Rio em 2015

Foto: Vladimir Platonow/ABr

Protesto na praia de Copacabana lembrou as 4 mil mortes por causas violentas no Rio em 2015

Foto: Vladimir Platonow/ABr

O RS, por exemplo, registrou a taxa de 24,1 homicídios/100 mil, o que assinala um crescimento de 30% entre 2004 e 2014. Oito esta- dos brasileiros têm reduzido suas taxas de homicídio, sendo  que São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e Espírito Santo oferecem os exemplos mais destacados. O aumento da média nacional se deu, basicamente, pela explosão das taxas nos estados do Nordeste. Alagoas, para que se tenha uma ideia, registrou 62 homicídios/100 mil em 2014; enquanto o Ceará alcançou a taxa de 52/100 mil e os estados de Sergipe e Rio Grande do Norte, 49. Esta característica regional de aumento da violência na última década, assinale-se, promove ainda mais o exemplo positivo de Pernambuco que apresentou, entre 2004 e 2014, uma redução de 27,3% em suas taxas.

Os homicídios não se distribuem de forma aleatória no universo populacional. Pelo contrário, eles se concentram em determinadas áreas urbanas e atingem particularmente jovens pobres e negros, moradores das periferias dos centros urbanos, do sexo masculino.

A idade de maior incidência das mortes se verifica aos 21 anos e se concentra, desproporcionalmente, entre vítimas com menos de oito anos de escolarização. Para os indivíduos com 21 anos e baixa escolarização, as chances de vitimização são 5,4 vezes maiores do que para aqueles que possuem  oito anos ou mais de ensino. Já quando comparamos as chances de alguém com menos de oito anos de escolarização ser vítima de homicídio no Brasil com alguém que ingressou no ensino superior, temos uma diferença  de 15,9 vezes. Vale dizer: quanto maior a escolarização, maior a proteção frente às dinâmicas violentas. Outra  componente a ser considerada na  distribuição das mortes é a cor das vitimas. Tomando como referência a idade de 21 anos, o Atlas de- monstra que pretos e pardos possuem 147% mais chances de serem vítimas de homicídios, quando comparados a jovens brancos, amarelos e indígenas. Os homicídios no Brasil, aliás, têm aumentado entre os negros (+18,2%) e diminuído entre as populações de outras etnias (-14,6%).

Segundo os dados sistematizados pelo SIM, o Brasil teve 13 mulheres assassinadas por dia em 2014. Assim, no ano em que recebemos a Copa, 4.757 mulheres foram mortas por agressão no Brasil. Entre 2004 e 2014, a taxa de homicídios que vitimaram mulheres cresceu 11,6% no país. Estudo realizado por Cerqueira et al (2005) mostrou que estes dados seriam ainda piores sem a Lei Maria da Penha, que teria contribuído para evitar pelo menos 10% dos casos de homicídios praticados dentro das residências.

Os dados do Atlas confirmam que a violência letal entre nós, assim como em grande parte da América Latina, segue fortemente correlacionada à disponibilidade de armas de fogo. Em 2014, 76,1% do total de vítimas de homicídio no Brasil morreram em decorrência de ferimentos com arma de fogo. Entre os países europeus, 21% dos homicídios são resultantes de disparos com armas de fogo. Os pesquisadores também estimaram, com modelos contrafactuais, o que teria ocorrido sem a aprovação do Estatuto do Controle de Armas de Fogo constatando que, nessa hipótese, as taxas de homicídio seriam pelo menos 41% mais altas do que as observadas no período.

Os números dão conta de uma tragédia sem fim, que tem exposto a omissão do poder público diante do desafio de construção de políticas de segurança efetivas, capazes de evitar milhares de mortes a cada ano. Especial responsabilidade nestes resultados, assinale-se, deve ser creditada ao governo federal que, particularmente desde o primeiro governo Dilma, abdicou de suas responsabilidades na área, desistindo do papel de indução que a União pode representar sobre estados e municípios. Sequer em seus pronunciamentos, o tema da segurança encontrou espaço na agenda da presidenta Dilma. As consequências deste desleixo, in- felizmente, têm apresentado sua conta em sangue.

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