POLÍTICA

O agronegócio dá as cartas

Por Alceu Luís Castilho* / Publicado em 12 de julho de 2016
O agronegócio dá as cartas

Foto: Pedro França/Agência Senado

Blairo Maggi, ministro da Agricultura, e a senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS), presidente da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado durante audiência pública

Foto: Pedro França/Agência Senado

Interino toma medidas que desagradam ambientalistas, povos indígenas e camponeses; setor agrário é importante para entender novo governo. Temos um Congresso Nacional predominantemente controlado pelo setor do agronegócio. Metade da Câmara e mais da metade do Senado são ruralistas. Governo e Congresso aceleram pautas conservadoras

Era uma vez o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Foi extinto. Para desespero de quem acredita nos avanços da agricultura familiar, ou camponesa. A principal responsável (70%) por colocar comida na mesa dos brasileiros. Mas essa está longe de ser a única medida do governo interino que desagrada os povos do campo ou os defensores do meio ambiente. Em menos de dois meses, Michel Temer afirma-se como um dos presidentes mais vinculados aos interesses ruralistas. É como se ele pisasse no acelerador de um carro que já corria nesse sentido, mas desprezando caminhos paralelos.

Explica-se. Nem Lula nem Dilma Rousseff deixaram de atender aos interesses do agronegócio, o setor que expressa com ênfase o avanço do capitalismo no campo. Nos dois governos, porém, assim como no de Fernando Henrique Cardoso, podiam ser identificadas políticas que beneficiavam também camponeses, ou quilombolas, pescadores – os chamados povos tradicionais. Ou os povos originários, os indígenas. Dilma Rousseff foi, reconhecidamente, uma presidente que pouco deu atenção aos povos indígenas, mas, nos últimos dias de sua gestão, demarcou uma quantidade de terras muito maior que a de todo seu governo.

“O contexto é todo muito desfavorável às questões socioambientais”, aponta Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental (organização especializada em defesa do ambiente e dos povos indígenas). “Não há nenhuma perspectiva de mudança do modelo econômico agroexportador nem de enfrentamento das situações de conflito, que tendem a se acirrar, como ocorreu recentemente no Mato Grosso do Sul.” Exatamente uma autorização, pela Fundação Nacional do Índio (Funai), de um estudo sobre uma Terra Indígena no Mato Grosso do Sul foi um dos motivos para fazendeiros organizarem um massacre em Caarapó, na região de Dourados, no dia 14 de junho. Um Guarani Kaiowá foi morto e outros seis ficaram feridos, entre eles uma criança de 12 anos. Dezenas de fazendeiros participaram da ação.

A ofensiva não é somente no campo, nas regiões de conflitos, mas também no terreno das leis, confirmando tendência consolidada no governo Dilma. Lembremos que o novo Código Florestal – criticado por dez entre dez ambientalistas – foi aprovado no primeiro mandato da presidente e que, em seu governo, começou a saga ruralista pela aprovação da  PEC 215, uma Proposta de Emenda Constitucional que remete ao Congresso o poder de demarcar terras indígenas e quilombolas. “Temas de demarcação de terras, licenciamento ambiental e outros regulamentos específicos, como é o caso da mineração, estão na pauta do dia e não pelas prioridades que gostaríamos de ver”, defende Adriana Ramos.

O agronegócio dá as cartas

Foto: Cimi/Divulgação

Enterro do agente de saúde indígena Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza, 23 anos,
da Reserva Te’ykue, assassinado no massacre de Caarapó (MS)

Foto: Cimi/Divulgação

Tudo isso acontece com o aval de um Congresso eminentemente ruralista. Metade da Câmara é ruralista. Mais da metade do Senado, ruralista. Foram esses deputados e senadores, em boa parte, os responsáveis, em costura feita pelo deputado federal afastado Eduardo Cunha, pela viabilização do impeachment de Dilma Rousseff. Verdade que mantiveram um pé em cada canoa, já que a ex-ministra da Agricultura, senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), se manteve fiel a Dilma até o último instante. Mas a força da bancada se revelou na votação pelo “sim”, nos dias 17 de abril (aniversário de 20 anos do massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará), na Câmara, e 12 de maio, no Senado.

Ofensiva contra camponeses e indígenas

A movimentação no Congresso pela redução de direitos dos povos do campo não é uma prerrogativa do governo Temer. Tomemos, por exemplo, a CPI da Funai e do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), comandada por deputados ruralistas, que visa ao enfraquecimento das duas instituições, responsáveis pela reforma agrária e pela garantia de direitos dos povos indígenas. Ela foi criada no ano passado, durante o governo Dilma, e caminha para a reta final – com toda a pinta de que criminalizará movimentos sociais e seus defensores. Mas deputados e senadores sentem-se cada vez mais à vontade no governo interino. E os projetos se multiplicam.

A senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS), que chegou a ser cotada para assumir a pasta da Agricultura, apresentou projeto na Comissão de Meio Ambiente do Senado que modifica o Código Florestal. Ela quer que os eucaliptos sejam permitidos nas áreas de reserva legal – aquelas áreas que os proprietários precisam manter como florestas. Dessa forma, eucaliptos seriam considerados “florestas plantadas”, muito embora não tenham biodiversidade nenhuma. Detalhe: a senadora teve a campanha financiada também por empresas de eucalipto. E a principal doadora de campanha dela foi a JBS, aquela da Friboi. Não somente da Friboi. O grupo tem também a Eldorado Brasil, gigante brasileiro da celulose. A JBS foi a principal financiadora de campanha do PP em todo o Brasil.

O agronegócio dá as cartas

Foto: Cléia Viana/Câmara dos Deputados

CPI da Funai e do Incra na Câmara dos Deputados, presidida pelo deputado federal Alceu Moreira (PMDB/RS)

Foto: Cléia Viana/Câmara dos Deputados

Não somente de Ana Amélia. Outro parlamentar gaúcho do PP, o deputado federal Luis Carlos Heinze (linha de frente na CPI da Funai), apresentou uma emenda que prorrogou até o fim de 2017 o Cadastro Ambiental Rural (CAR). A Medida Provisória, de 2015, obrigava o cadastramento até o dia 5 de maio. Por pouco mais de um mês, muitos proprietários ficaram em situação irregular – até que, em junho, Michel Temer sancionou a medida.

Maggi: Ministério  em causa própria

Enquanto isso, no Executivo, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, impõe seu estilo “trator”, movido, em boa parte, por conflito de interesses. No dia 21 de junho, propôs o aumento do preço mínimo do milho, como forma de estimular os produtores. Maggi é um dos principais produtores de milho e soja do planeta. Dias antes, defendeu a compra de terras por estrangeiros. Com uma única limitação à vista: as terras para plantio de grãos. (Como os mencionados milho e soja.) Posicionou-se contra a política de criação de armazéns pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). E por quê? Porque considera que essa deve ser uma prerrogativa do setor privado. O ministro também tem uma empresa de armazéns.

Maggi representa diretamente o setor mais relacionado à ideia vendida como “agronegócio”. São os produtores de monoculturas organizadas não somente em latifúndios, mas de modo empresarial, com amplo maquinário. Esses que vendem a imagem de um “progresso” no campo, se comparados aos pecuaristas de baixa produtividade, extensivos, que ainda ocupam a maior parte das terras brasileiras destinadas à agropecuária. Marketing, claro, que esconde o vasto uso de agrotóxicos, e um modelo de apropriação das terras – e dos recursos naturais – voltado apenas para o lucro, e não para a preservação de direitos sociais e ambientais.

Brasil é líder mundial em mortes por conflitos

Curiosamente, na última semana de junho veio uma notícia que promete gerar altos embates na própria base ruralista do governo Temer. A equipe econômica, comandada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, estuda a taxação das vendas externas do agronegócio para reduzir o déficit da Previdência. A ideia de cobrar INSS das empresas exportadoras – a ser incluída na Reforma da Previdência – tem o apoio das centrais sindicais que apoiam o governo interino, como a Força Sindical. O agronegócio é o único setor que não recolhe esse imposto. O ministro Blairo Maggi reagiu. Considerou o projeto “uma loucura”, “um abraço de afogado”.

O histórico do governo interino e da própria bancada ruralista mostra que Meirelles talvez tenha ousado demais nesse braço de ferro. A ver as cenas dos próximos capítulos. Enquanto isso, nada indica que os conflitos no campo diminuirão – muito pelo contrário. O Brasil é líder mundial em mortes por esse tipo de conflito (agrário, ambiental) – foram 50 mortes desse tipo em 2015, conforme levantamento da organização Global Witness. Os responsáveis por essas mortes, segundo a ONG, são, pela ordem: as mineradoras; o agronegócio; as madeireiras; e as usinas hidrelétricas. E o atual governo interino dá todos os sinais de que ateará ainda mais fogo nesse paiol de violência.

É dono de fazenda ou não é?

O agronegócio dá as cartas

Foto: Marcos Corrêa/PR

Presidente interino Michel Temer durante reunião de líderes da Câmara dos Deputados na residência do deputado Rogerio Rosso, que presidiu a Comissão Especial do Impeachment da presidente Dilma

Foto: Marcos Corrêa/PR

Michel Temer nega. Mas o Movimento de Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) acusa o presidente interino de ser o verdadeiro proprietário de uma fazenda de 1.500 hectares em Duartina, no interior paulista. Os sem-terra ocuparam o local em maio, dias antes da votação do impeachment no Senado. Saíram no dia 16 de maio, deixando para trás inscrições como “golpista” e “ocupando latifúndio do Temer”.

O proprietário oficial da Fazenda Esmeralda é o coronel da PM João Batista Lima, da empresa Argeplan.  Mas o MST diz que encontrou no local – onde se cria gado e se produz eucalipto – uma correspondência endereçada a Temer, além de material da campanha para deputado em 2006. A própria assessoria do presidente interino contou que ele utilizava a fazenda como “refúgio”, durante a campanha de 2014. Ali, foram também feitas reuniões no período em que se gestava o impeachment de Dilma Rousseff.

A Argeplan ganhou uma obra de R$ 162 milhões na Usina de Angra 3. Um engenheiro da Engevix, José Antunes Sobrinho, disse a investigadores da Lava Jato, em delação premiada, que a Argeplan obteve a obra – repassada para a Engevix – por influência de Temer. Lima também teria recebido R$ 1 milhão de propina para a campanha do vice-presidente em 2014, “a mando de Temer”. As informações foram divulgadas em abril pela revista Época, mas ficaram escondidas nos jornais após ele assumir a Presidência.

O agronegócio dá as cartas

Foto: MST/ Divulgação

Fazenda de amigo de Temer ocupada em maio: segundo o MST, presidente interino é o dono real

Foto: MST/ Divulgação

Um repórter da Folha de S. Paulo chegou à Fazenda Esmeralda após perguntar a moradores onde era a fazenda de Temer. O motorista João Carlos de Oliveira fez a seguinte afirmação: “Se perguntar para qualquer um, vão dizer que a fazenda é do Michel
Temer. É assim que as pessoas daqui conhecem o local”.

*Jornalista, autor do livro Partido da Terra (Editora Contexto, 2012)

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