CULTURA

A fantástica fábrica de likes

por Priscila Lobregatte / Publicado em 11 de agosto de 2017

A fantástica Fábrica de likes

Arte: Fábio Edy Alves/ Bold Comunicação

Arte: Fábio Edy Alves/ Bold Comunicação

Desde 2013, o Brasil assiste a uma nova fase no campo das manifestações de rua. De lá para cá, a adesão orgânica às causas debatidas nas mídias sociais foi dando cada vez mais espaço ao engajamento influenciado por mecanismos artificiais de impulsionamento e pela exploração do noticiário falso ou tendencioso, com a participação ativa de parte dos grandes veículos de comunicação, com um resultado nocivo à democracia e à pluralidade

Há pouco mais de quatro anos, o Brasil inaugurava um novo capítulo de sua recente história política que, em boa medida, explica os dias de hoje. As jornadas de junho de 2013, cujo impulso original foi dado por grupos autônomos em protestos contra o aumento da tarifa no transporte público em várias capitais brasileiras, logo ganhariam novos atores, bandeiras e desdobramentos inimagináveis naquele momento.

“Quando as redes sociais e as ruas do Brasil foram transformadas em locais de protestos por centenas de milhares de pessoas, todas as formas de reivindicação social, de agrupamentos ideológicos e projetos políticos convergiram para esse movimento multifacetado, tornando-o menos espontâneo e mais ambíguo em sua crítica à ordem política”, escreveu, sobre aqueles dias, o sociólogo espanhol Manuel Castells no livro Redes de Indignação e Esperança – Movimentos Sociais na Era da Internet. E completa: “A oposição de direita ao governo mais progressista da história do Brasil misturou-se à posição assumida pelos movimentos sociais contra a corrupção na política e por novas formas de democracia participativa”.

Na avaliação de Sérgio Amadeu da Silveira, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e consultor de comunicação e tecnologia, “aquela onda original foi capturada por grupos de direita que já estavam armando a tentativa de mudar os rumos da política brasileira. Vários desses grupos políticos, logo que acabam as eleições de 2014, se direcionam para a ideia de golpe. Eles passam a receber muito dinheiro e apoio e conseguem fazer pelo menos uma grande manifestação apoiada pela Globo, em março de 2015”.

Até 2016, teve grande destaque a mobilização de grupos como o MBL, o Vem Pra Rua e o Revoltados On Line, que se utilizaram especialmente das mídias sociais para estimular as manifestações de rua, com o apoio – direto ou indireto – dos principais veículos de comunicação de massa, movimento que contribuiu para se criar o ambiente propício para a “legitimação popular” do impeachment de Dilma Rousseff.

Objetivo alcançado, esses movimentos parecem ter se recolhido a um período de hibernação em 2017 o que, em certa medida, explicaria o “silêncio das ruas” com relação à corrupção instalada no governo Temer.

No campo destes movimentos de viés conservador, Amadeu avalia que esses grupos “já não têm o dinheiro que tinham antes – porque seus financiadores também estão na Lava Jato –, não têm clareza sobre qual é a pauta e não vão sair na rua para defender o Temer. Sem dúvida, tanto a mídia quanto os financiadores da ‘luta fake contra a corrupção’ não estão mais unidos e têm dificuldades de mobilizar novamente”.

Por outro lado, Amadeu explica que tem sido muito difícil mobilizar a população porque “prevaleceu a desconstrução das forças democráticas pela bandeira da honestidade – que é a única que historicamente a direita utiliza. Ou seja, casos de corrupção que realmente aconteceram são generalizados e isso leva à descrença. Para o povo pobre, o trabalhador que ganha um salário mirrado, a ideia de ladrão é muito, muito grave porque rouba o pouco que ele tem, que ele conseguiu com tanta dificuldade. A direita sabe disso e explora esse sentimento”.

Sérgio Amadeu da Silveira, Professor da Universidade Federal do ABC (UFABC)

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Sérgio Amadeu da Silveira, Professor da Universidade Federal do ABC (UFABC)

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Impulsos artificiais nas redes sociais

Compreender este período recente passa pela análise do processo aberto em 2013, mas também pelo papel desempenhado pelas mídias, especialmente as redes sociais, nos processos de mobilização. Se num primeiro momento, a adesão aos perfis e páginas que defendiam as bandeiras das jornadas de junho tinham um caráter majoritariamente orgânico, aos poucos o noticiário – verdadeiro ou falso –, mecanismos de impulso e de propagação de ideias, inclusive artificiais, foram reformatando a adesão e o viés dos debates nas redes.

Estudo da Universidade de Oxford sobre propaganda computacional envolvendo nove países mostra o uso de robôs em redes sociais durante a campanha presidencial brasileira de 2014 e faz referência a documento interno da Secretaria de Comunicação Social da Presidência publicado pelo jornal O Estado de São Paulo em março de 2015. O levantamento apontava o uso de robôs na campanha presidencial e destacava a continuidade do uso do mecanismo pelos tucanos mesmo após o término das eleições em benefício de grupos que apoiavam o impeachment, a um custo estimado de R$ 10 milhões entre novembro e março. “De acordo com a avaliação reservada do governo, o resultado é avassalador. Enquanto a página no Facebook do grupo Revoltados On Line engajou 16 milhões de pessoas desde janeiro e o Vem Pra Rua outros 4 milhões, as páginas de Dilma e do PT foram compartilhadas por 3 milhões de internautas”, escreveram Valmar Hupsel Filho e Ricardo Galhardo, repórteres do Estadão.

Daniel Arnaudo, pesquisador da Universidade de Washington e do Instituto Igarapé, participou da pesquisa sobre o Brasil que compôs o estudo de Oxford. Para ele, o discurso nas redes – com o uso de matérias e perfis falsos, robôs e mecanismos desta natureza – “está criando um discurso artificial que influencia no processo político”. Por isso, explica, é preciso que grandes empresas, como o Facebook e o Google, “criem sistemas para achar esses robôs e instrumentos legais para cancelar ou gerenciar esse tipo de instrumento. Também é preciso envolver os governos porque com certeza esta é uma grande mudança no campo político e democrático”.

Sérgio Amadeu concorda, mas pondera: “Acho muito difícil você ter um mínimo de equidade quando a principal plataforma onde acontecem os debates e as campanhas é o Facebook, uma empresa privada que controla a visualização dos posts e que modula o comportamento das pessoas”. De acordo com o professor, seria necessário construir outras plataformas de fato mais democráticas e abertas.

A cultura do ódio encontrou terreno fértil na web

Outra herança do cenário político dos últimos anos são a polarização e o aumento da virulência nos debates virtuais, estimulados tanto pelo engajamento orgânico quanto pelo artificial e alimentados por boatos e notícias nem sempre verdadeiras.

Embora essa divisão possa ocupar parte pequena da população geral – entre 10% e 15%, conforme estimativas de Pablo Ortellado, professor da USP e coordenador do projeto Monitor do Debate Político no Meio Digital –, ela é intensa nas redes sociais. Preconceitos de toda ordem, disseminação de mentiras apoiada na lógica da pós-verdade e estímulo à violência e ao justiçamento compõem o cenário do ódio na internet. “Em 2013, houve um grande crescimento do debate das agendas das minorias que, em contrapartida, passou a ser muito atacada a partir de 2014”, analisa Fábio Malini, do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo. “Passou a ser muito popular ‘trollar’ uma minoria política e inclusive o antipetismo deriva disso”, completa.

Uma das questões que Malini vem buscando pesquisar diz respeito à disseminação de notícias no Facebook. “Tenho uma hipótese: a intensidade da viralidade das notícias políticas é proporcional ao tamanho do engajamento de ódio contra os atores políticos que elas retratam. Trocando em miúdos: o discurso de ódio é o motor da viralidade política”, escreveu em artigo publicado no site do Labic.

Essa tendência parece ir ao encontro do discurso da mídia tradicional. Em entrevista publicada em março no site da revista CartaCapital, João Feres Jr., professor de Ciência Política da Uerj e coordenador do Manchetômetro, produzido pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública, avalia que a diferença na cobertura dos governos Dilma e Temer “é brutal e também imoral e antiética da perspectiva das práticas jornalísticas”.

“Só para citarmos um exemplo recente: quando se toma a cobertura agregada do governo federal desses quatro meios (Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, O Globo e Jornal Nacional), ela despencou de 400 matérias negativas em março e abril de 2016 para 200 em maio, isto é, exatamente no mês em que Dilma Rousseff foi afastada. Ou seja, caiu pela metade. E esse número continuou a diminuir no governo de Michel Temer até atingir 55 em outubro daquele ano, isso com o país em plena crise econômica e com alto grau de conflito político. Esses dados mostram que a chamada grande mídia brasileira tem lado e toma partido de maneira sistemática e reiterada”.

Para ele, a baixa mobilização neste ano, que acabou se limitando aos movimentos de esquerda,  tem relação direta com o papel da mídia que, em boa medida, é “responsável por instilar e ao mesmo tempo construir narrativamente a indignação popular contra a corrupção. Quando ela não está a soprar as brasas dos movimentos anticorrupção, seus simpatizantes não vão às ruas. A mídia brasileira tem feito uma campanha incansável de reduzir a política à questão da corrupção desde pelo menos o mensalão. E conclui: “conseguiram seu primeiro objetivo, o impeachment de Dilma, mas o custo foi muito alto: a desmoralização e desvalorização da democracia representativa brasileira”.

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