OPINIÃO

Como as crianças aprendem

Por Marcos Rolim / Publicado em 11 de agosto de 2017

O trabalho faz um apanhado impressionante sobre as mais novas evidências científicas, especialmente na área da Psicopedagogia, que estão mudando a maneira de se pensar a educação. Um dos argumentos centrais vincula-se à realidade das experiências estressantes vividas pelas crianças pobres

Foto: José Cruz / Agência Brasil

Foto: José Cruz / Agência Brasil

Chamamos de “Estudos longitudinais” um tipo de método de pesquisa que observa as variações nas caraterísticas de uma amostra (de indivíduos, empresas, organizações etc.) por um longo período de tempo – frequentemente por décadas. Trata-se de recurso decisivo para, por exemplo, se avaliar com mais segurança os efeitos de programas ou de políticas públicas.

No Brasil, se descontarmos a área da Saúde, temos raros estudos desse tipo. Como regra, aliás, sequer contamos com avaliações independentes e qualificadas sobre iniciativas dos gestores públicos, razão pela qual desperdiçamos enormes quantidades de recursos em programas ineficientes.

Um estudo longitudinal em andamento nos Estados Unidos tem acompanhado os efeitos de um programa educacional que ofereceu a crianças de três  e quatro anos, de famílias pobres na cidade de Ypsilanti, Michigan, os melhores recursos pedagógicos disponíveis na década de 1960.

O experimento, conhecido como Perry Preschool Project envolveu a oferta de uma educação de alta qualidade a 64 crianças (grupo de intervenção) que passaram, então, a ser acompanhadas juntamente com outro grupo, também com 64 de crianças, com as mesmas características, que seguiram seu curso normal, sem matrícula no projeto (grupo de controle). Nos primeiros anos de acompanhamento, os resultados indicaram uma grande melhora cognitiva nas crianças do projeto. Entretanto, por volta do 3º ano do ensino fundamental, as diferenças cognitivas entre os dois grupos de crianças desapareciam. O desenrolar do estudo mostrou, entretanto, que, a longo prazo, os alunos do projeto tiveram 50% menos ocorrências de gravidez na adolescência, concluíram 44% mais o ensino médio (high school), alcançaram salários 42% superiores e tiveram menos ocorrências policiais, incluindo menos 46% de prisões, quando comparados aos alunos que não frequentaram o projeto.

Esses resultados mostraram que algo de muito importante havia acontecido com as crianças do Perry School. Rigorosa análise revelou que os alunos do projeto haviam, inesperadamente, desenvolvido capacidades não cognitivas como curiosidade, autocontrole e relacionamento social. Os professores bem-intencionados que haviam formulado o projeto imaginaram que as crianças iriam aprender mais do que as outras os conteúdos básicos em Matemática e Inglês, por exemplo, mas o que ocorreu foi que elas desenvolveram comportamentos distintos, o que fez toda a diferença em suas vidas.

Esse e muitos outros casos são discutidos no livro Como as crianças aprendem, de Paul Tough (Intrínseca, 272 págs.), que acaba de ser lançado no Brasil. O trabalho faz um apanhado impressionante sobre as mais novas evidências científicas, especialmente na área da Psicopedagogia, que estão mudando a maneira de se pensar a educação. Um dos argumentos centrais vincula-se à realidade das experiências estressantes vividas pelas crianças pobres.

Carências básicas em seu cotidiano, negligência, maus tratos e abuso sexual, somados à exclusão social e à violência de traficantes e policiais, transformam a vida dessas crianças em um persistente inferno. Uma realidade que impacta profundamente as condições de aprendizagem e que deve ser ainda mais avassaladora em países como o nosso, que nunca contaram com a experiência de um Estado de Bem-Estar Social.

Já se sabe, há muito, que o estresse das crianças as deprime e revolta, mas o que se descobriu, mais recentemente, é que experiências estressantes também abalam suas funções executivas, ou seja, as capacidades mentais elevadas de regulação do cérebro que envolvem, por exemplo, o autocontrole e a memória operativa.

A boa notícia é que características como a determinação, o autocontrole, o entusiasmo, a inteligência social, a gratidão, o otimismo e a curiosidade, todas essenciais para o processo de aprendizagem e para uma vida exitosa, podem ser ensinadas às crianças e aos adolescentes, o que deve constituir um compromisso central nas escolas.

Tendo em conta a baixa qualidade da escola pública no Brasil e fenômenos como a violência e a evasão escolar, entendo que o livro é ainda muito mais relevante. Ele pode mesmo oferecer aos gestores e aos estudiosos na área uma nova agenda de investigações e experimentos capaz de reorientar tudo o que já se tentou em termos de projetos de Educação com crianças e adolescentes em áreas de fragilidade social.

O risco é o de que o livro seja ignorado no Brasil por conta da reação típica das seitas dogmáticas que desprezam a ciência e que se especializaram em erguer catedrais discursivas onde preservam suas doutrinas e ideologias. Na área da Educação, especialmente, trata-se de probabilidade considerável se tivermos presente a inclinação corporativa em favor das crenças e das desculpas. É o que deve ser desfeito pelos que estão comprometidos com o futuro das crianças e adolescentes de nossas periferias.

 

* Marcos Rolim é Doutor em Sociologia e jornalista. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe

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