GERAL

MBL, a Disneylândia da direita

por Flavio Ilha / Publicado em 11 de dezembro de 2017
Curador da exposição Queermuseu, Gaudêncio Fidélis, fala na CPIMT dos Maus Tratos, ao lado senador José Medeiros (Pode-MT), relator, e do senador Magno Malta (PR-ES), presidente da CPIMT

Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Curador da exposição Queermuseu, Gaudêncio Fidélis, fala na CPIMT dos Maus Tratos, ao lado senador José Medeiros (Pode-MT), relator, e do senador Magno Malta (PR-ES), presidente da CPIMT

Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

O ponto fora da curva, que ameaça marcar a derrocada do movimento, parece ter sido a intervenção na exposição Queer Museu – Cartografia da Diferença na Arte, cancelada pelo Santander Cultural depois de uma enxurrada de manifestações de cunho moralista. A mostra, inaugurada em Porto Alegre no dia 15 de agosto, reunia alguns dos artistas brasileiros mais célebres do país, como Adriana Varejão, Cândido Portinari, Ligia Clark, Leonilson e Alfredo Volpi, em temáticas que exploravam a liberdade sexual

O curador da mostra, Gaudêncio Fidélis, resume a abordagem policialesca e abusiva do grupo para gerar um fato social. “Não havia critério. Os integrantes do MBL entram no espaço expositivo de câmera em punho e filmaram tudo, crianças, adolescentes, visitantes, até eu em determinado momento virei alvo, assim como os monitores do projeto educativo. Tripudiaram o tempo todo. Os seguranças os arrastavam para fora a cada 5 minutos, mas eles voltavam e aumentavam a carga de enfrentamento verbal e físico para tentar uma reação. Foi uma ação extremamente violenta”, relembra.

O ideário desse grupo é a violência, pura e simplesmente a violência: defendem a revogação do Estatuto do Desarmamento, comemoram assassinatos de supostos bandidos, debocham de políticas de gênero e detestam as feministas, além de se autointitularem machistas. A intervenção nas redes sociais é intensa, seja com o uso de robôs ou mesmo por replicação em páginas com grande número de seguidores – caso do blog Joselito Müller, um perfil fake no Facebook especializado em parodiar figuras públicas da esquerda com notícias falsas. O personagem é uma invenção do advogado Emanuel de Holanda Grilo, que se diz independente na política (chegou a militar no PCR nos anos de 1990, hoje se declara um conservador apolítico) mas acaba servindo de apoio à disseminação de informações inverídicas.

O professor da USP Pablo Ortellado, coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital, explica que a disseminação de notícias falsas é a grande arma para a popularização de grupos como o MBL. “Depois da TV, o Facebook é a principal fonte de informação do brasileiro. Como não há uma organização hierárquica das notícias, o leitor simplesmente abre e vai clicando. O papel editorial é feito pelo logaritmo. Então, quem entra no jogo da polarização, das manchetes fortes e com informação não verificada acaba tendo mais compartilhamentos”, diz.

Segundo o professor, não é preciso muito dinheiro para manter um site desses em atividade – o que explica a proliferação de experiências com fake news – seja com milhões ou centenas de seguidores. Todos fazem diferença. “A gente sabe que tem aposentado, estudante, gente comum criando notícia assim. Trata-se de difusão de informação não verificada como instrumento político. O que temos são ‘soldados’ produzindo informação de combate. E essas notícias são compartilhadas porque elas confirmam posições apaixonadas que o eleitor já tem. Claro, durante um período eleitoral, as regras mudam, existe o trabalho pago. Mas, em período não eleitoral, acho que não é significativo, o que piora o quadro”, afirma.

Militantes do MBL gaúcho protegidos pela polícia diante do Santander Cultural, em agosto

Foto: Ricardo Stricher

Militantes do MBL gaúcho protegidos pela polícia diante do Santander Cultural, em agosto

Foto: Ricardo Stricher

Marketing do moralismo caça-likes

A pauta moralista do MBL, entretanto, nem sempre foi predominante. “A grande massa da população brasileira é conservadora, somos um país muito punitivo, com muitos problemas de classe, de racismo. O MBL começou suas ações, lá em 2013, em uma linha muito neoliberal, então o discurso era do Estado mínimo, do neoliberalismo de gabinete. Mas isso não cola no Brasil, as pessoas não querem isso. Então o MBL mudou a estratégia e passou para uma pauta moralista, que tem muito mais eco. Você sempre vai encontrar setores muito grandes da sociedade que te apoiam quando o foco passa a ser a sexualidade, porque são pautas que ainda têm questões transversais de racismo e classismo que são complicadas de vencer”, observa a cientista política Esther Solano, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Muitos desses ativistas criticam até mesmo as alas mais moderadas do MBL – Rafinha BK e Felipe Diehl, por exemplo, se dizem independentes do Movimento, embora “prestem serviços” a seus integrantes, como ao youtuber Arthur Do Val. Na manifestação contrária à censura da exposição Queer Museu, em setembro, tanto Rafinha quanto Felipe lideraram as agressões aos manifestantes, se prestando também ao papel de “escudo” dos militantes mais ideológicos e refinados.

Rafinha BK é um trabalhador braçal. Começou sua militância a partir de 2013 e descobriu que podia angariar adeptos a seu canal no Youtube com vídeos toscos sobre as jornadas de junho. Sem obter muita repercussão, começou suas intervenções com gravações simples de celular e obteve uma câmera semiprofissional apenas em 2017 depois que foi auxiliado numa vaquinha eletrônica por um site armamentista. Foi em 2016, porém, que o ativista ganhou notoriedade ao adotar a mesma tática de Do Val, que inclui provocações e baderna.

Em junho deste ano, Márcio Cannibal e Rafinha BK protagonizaram diversas agressões contra servidores municipais que se manifestavam em frente ao Paço Municipal contra o parcelamento nos salários. Cannibal usou um bastão retrátil, uma arma considerada ilegal, e desferiu golpes contra o professor Geovani Ramos Machado. Embora adepto das teorias do Estado mínimo, Cannibal tentou sem sucesso uma carreira pública ao prestar concurso – e ser desclassificado – para agente de combate a endemias na prefeitura de Porto Alegre, em 2008.

Lojinha de produtos non sense

Para quem não conhece, a loja virtual do MBL é recheada de produtos “vintage” – tem até uma camiseta com o que o designer chamou de “três gerações de um sonho”, vinculando o vereador paulistano Fernando Holiday (DEM-SP) à luta antirracismo de Martin Luther King. Não é a única aberração: há mais de uma versão de T-shirt com a expressão “Eu derrotei o PT” e outras peças com Kim Kataguiri e Arthur Do Val, do canal Mamãe Falei.

Esse é o tripé mais conhecido do MBL, mas a máquina do movimento tem entranhas bem mais obscuras que essa face pública e comportada. No Rio Grande do Sul, ativistas como Rafael Silva Oliveira, o Rafinha BK ou Rafinha Black, Felipe Diehl, Adriano Costa e Márcio Gonçalves “Cannibal” Strzalkowski formam a linha de frente do MBL violento e militarista.

Integrante explícito do MBL, o deputado estadual Marcel Van Hattem (PP) defende o grupo e se diz “vítima” da agressividade da esquerda. “Estou acostumado a sofrer ataques de representantes e seguidores da esquerda, assim como o MBL também está. Durante muito tempo essas pessoas que hoje nos atacam foram tidas como autoridades que não poderiam ser confrontadas, mas agora que a população conseguiu identificar que esse discurso é uma falácia a agressividade passou a única ferramenta capaz de convencer a militância dos partidos comunistas a seguirem narrativas fantasiosas como a de que houve um golpe no país”, diz.

 

 

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