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Os cabelos alegres da Restinga

Por César Fraga / Publicado em 9 de março de 2018

Os cabelos alegres da Restinga

Foto: Nielson Rocha/Meninas Crespas/Divulgação

Foto: Nielson Rocha/Meninas Crespas/Divulgação

Foi grande o interesse na matéria de capa do Jornal Extra Classe de dezembro de 2017, que tratou de vários aspectos da realidade da população afrodescendente no Rio Grande do Sul e no país. Houve também curiosidade dos leitores sobre quem era a moça com adereços afro que estampou a capa da edição. Trata-se da professora Perla da Silva Santos, 34 anos, que integra o projeto Meninas Crespas da Restinga. O trabalho é comunitário e se apresenta como uma alternativa viável para tratar do tema dentro da escola, seja como espaço de fala, seja como experiência pedagógica e expressão cultural

“Quando a gente solta os cabelos, o cabelo se liberta do preconceito e o nosso cabelo é tão alegre que tá sempre pra cima”, sintetiza Rafa, uma das estudantes participantes projeto Meninas Crespas, que funciona desde 2015 na Unidade Escolar Senador Alberto Pasqualini, da rede municipal de ensino de Porto Alegre, no Bairro Restinga.

Conforme Perla, surgiu, quando uma aluna da escola, após ser discriminada por um colega, revoltou-se e a mãe foi procurá-la dizendo que acreditava que a professora faria algo. “Certamente, eu não poderia decepcionar aquela família. Neste mesmo período, outra aluna veio me perguntar como poderia cuidar de seu cabelo, segundo ela, já estavam virando dreads. Juntando as coisas percebi que muitos alunos negros apresentavam problemas de autoestima e autoimagem, principalmente, o público feminino”. As crianças acabavam alisando as madeixas ou prendendo-as. Foi quando Perla passou a conversar “timidamente” com as alunas de cabelo crespo. Essas duas educandas que pediram ajuda foram as primeiras a participar. “No começo foram conversas sobre racismo e dicas sobre como cuidar dos cabelos, mas queria algo maior, que valorizasse a beleza dessas meninas”, explica. Aos poucos mais gente foi se integrando.

Foram realizados desfiles e sessões de fotos, e este material serviu para confecção de agendas que professores e a comunidade escolar adquiriu, valorizando a beleza dos negros e negras da escola. Logo a comunidade passou a se envolver cativando também a participação de pais, avós e responsáveis.  Hoje, fugindo de ações pontuais e objetivando uma educação antirracista, são realizados encontros semanais.

São cerca de 40 alunos inscritos no projeto entre meninas e meninos. Estão divididos em duas turmas: Dandara e Malcom X. “Nos encontros, que se iniciam sempre por uma roda de conversa, contextualizamos situações, analisamos fatos e debatemos assuntos relacionados à população negra. Nos encontros são apresentados, de forma positiva, personagens negros como Baskiat, Rosane Paulino, Dandara, Malcom X, entre outros”, explica a professora. Segundo ela, nas atividades é comum ouvir relatos como “nunca ninguém me ensinou isso na escola!” ou “nunca tinha ouvido falar desses negros!”.

Os cabelos alegres da Restinga

Foto: Igor Sperotto

Professora Perla participa do projeto desde 2015

Foto: Igor Sperotto

Em 2017, no desfile, que não é uma competição e, sim, um momento de apresentar a beleza de cada um, foram homenageadas as Yabasés – na cultura africana, são as mulheres que preparam o alimento e são reverenciadas por tamanha responsabilidade – . Até então, as merendeiras da escola ficavam à parte nas festividades e, pela primeira vez, participaram de uma festa escolar. Na sessão de fotos, a temática foi a força do feminino e a beleza dos reinos africanos, já este ano, a temática é a família negra. Nos encontros há oficinas e palestras sobre o turbante, sobre o cabelo crespo, análise de filmes, propagandas e como o negro é representado na mídia. Cada aluna que “liberta” os seus crespos é homenageada e sua foto colocada no mural crespo da escola. “Agora, estamos organizando a gravação de um documentário com os relatos dos integrantes do projeto, o nome será Liberta”.  Nas atividades há a participação dos familiares e agora estamos organizando uma Ala na escola de Samba do bairro e participaremos da Marcha do Orgulho Crespo de Porto Alegre.

Segundo Perla, a falta de memórias coletivas nos estabelecimentos educacionais reduz a educação a um norte eurocêntrico. Consequentemente, ações racistas e discriminatórias se desenvolvem na rotina escolar, sob o véu da invisibilidade. O Projeto busca a valorização do coletivo e da estética negra, focando no cabelo crespo, que é um símbolo de resistência. O cabelo é um forte marcador identitário, e a valorização do crespo auxilia no processo de se firmar como jovem negro (a). Ali os jovens constroem sua identidade étnico-racial. São estas bases que norteiam o projeto Meninas Crespas.

Este ano, o grupo dançará na Bienal do Mercosul, que este ano traz a temática O triângulo Atlântico, no mês de maio, no Memorial do Rio Grande do Sul, pelo Projeto Africanidades. A professora Perla também dançará e apresentará uma performance sobre Esù e todo o mistério que envolve a divindade, desde a demonização cristã até a magia que o cerca, isso é resultado da pesquisa que a professora faz relacionando saberes acadêmicos e a práticas que realiza no Projeto Meninas Crespas, e como isso a afeta como estudante e professora.

Sobre a possibilidade de descontinuidade no projeto, ainda é aguardada uma resposta da Smed, pois a diretora da escola, Lucia Helena Borges de Almeida e as vices  Vera Beatriz da Costa Teixeira e Cristiane Silveira dos Santos estão lutando pela permanência da atividade. A foto utilizada na capa do Extra Classe de dezembro, de autoria do fotógrafo Igor Sperotto, agora é capa de uma das agendas do projeto.

O grupo se coloca à disposição para levar o trabalho para outras escolas e municípios, na forma de oficinas, palestras e apresentações de dança do grupo.

Os cabelos alegres da Restinga

Foto: Nielson Rocha/Meninas Crespas/Divulgação

Meninas Crespas envolve toda a comunidade escolar

Foto: Nielson Rocha/Meninas Crespas/Divulgação

Mais informações pelo telefone 51. 98562.5310, na página www.facebook.com/meninascrespaspasqualini ou pelo e-mail donadosventos1@hotmail.com.

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