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Movimentos pela paz entre judeus e palestinos

Por Clarinha Glock / Publicado em 13 de julho de 2018

Movimentos pela paz entre judeus e palestinos

Foto: Igor Sperotto/Reprodução via Skype

Foto: Igor Sperotto/Reprodução via Skype

Davi Windholz, 62 anos, é paulista de nascença e vive na cidade de Nahariya, no norte de Israel, desde 1973. Ali fundou um centro alternativo para crianças e jovens e participa de projetos e movimentos dedicados a ampliar o diálogo e a difundir a não violência entre judeus e árabes palestinos. Entre eles, o SISO – Save Israel, Stop the Occupation, criado para marcar os 50 anos do domínio da Palestina (1967-2017).  Com doutorado em Psicologia, e experiência com educação informal em centros comunitários e movimentos juvenis, tem vindo ao Brasil para trabalhar com as comunidades locais. Descendente de uma família fortemente ligada ao Judaísmo e ao sionismo, que teve parentes mortos no Holocausto e que plantou raízes em solo israelense, Windholz tem uma visão muito crítica do governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. “A paz só será possível através da união de judeus e árabes palestinos”, disse ao Extra Classe nessa entrevista feita via internet

Extra Classe – Você atua em diversas instituições e movimentos pela paz. O que defendem?
Davi Windholz – O Alternative Center For Peace, Dialogue and Nonviolence – Centro Alternativo para Paz, Diálogo e Não Violência, fundado em 2008, desenvolve programas educativos e comunitários em três setores. O primeiro, Merchavim, oferece espaços bilíngues hebraico-árabe para crianças israelenses judias, árabes (muçulmanas, cristãs e drusas) e palestinas (judias e palestinas da Cisjordânia). Os programas visam ao encontro e ao reconhecimento do outro em seus aspectos sociais, culturais, religiosos e nacionais. No segundo setor há laboratórios, cursos e palestras para equipes profissionais nas áreas de Educação, Medicina e em geral, em inteligência emocional, tomada de decisões, comunicação não violenta, educação para a não violência, ativismo pacifista. O centro está ligado ao Instituto Paulo Freire e ao Drum Major Institute (dedicado ao legado de Martin Luther King). O terceiro setor, Merkaz Kesher, é para terapia de casal e família, para tomadas de decisão em situações de crise. Galilee for All – Galileia para todos: na Galileia vivem 50% de judeus e 50% de árabes lado a lado. Com o atual governo de direita, embora não existam leis nesse sentido, há uma tendência de segregar os árabes. Para deter a segregação estão sendo criados centros mistos judeus-árabes nos quais se falam as duas línguas, com interação desde a idade tenra até adulta. Já conseguimos unir 25 ONGs que trabalham com judeus e árabes nas áreas de Educação, Juventude, Direitos Humanos, Artes, Ecologia, Educação de Adultos. O primeiro centro tem como atividade as colônias de férias do Alternative. A partir de setembro começaremos outras atividades.

EC – E o Movimento Two States, One Homeland (Dois Estados, uma Pátria)?Windholz – Este movimento tem uma proposta política que vai além dos conceitos da esquerda e da direita israeli. A ideia é que o povo judeu está conectado historicamente com toda a região da Palestina-Israel, do rio Jordão ao Mediterrâneo. A maior parte dos lugares sagrados ao Judaísmo estão no que hoje seria a Palestina, Cisjordânia ou Judeia e Samaria. Do mesmo modo, o povo palestino está conectado com toda esta região. Seu passado histórico tem a ver com o que é atualmente Israel. Dividir e amuralhar esta região em dois países seria como mutilar uma parte do próprio corpo. Como no momento é impossível um Estado Binacional porque ambos os povos aspiram um Estado próprio, concluímos que um sistema confederativo é a solução. Dois Estados independentes, mas com livre acesso e trocas de população. Jerusalém unida, capital dos dois Estados. Os judeus que se assentaram na Palestina poderão continuar lá como cidadãos israelis, residentes palestinos. O mesmo ocorrerá com a parte dos refugiados palestinos que queiram voltar a suas casas. Primeiro terão que voltar à Palestina, tornar-se cidadãos, e depois pedir residência em Israel. Sou coordenador da Comissão de Educação e Juventude.

EC – O que é o J-AmLat?
Windholz – As comunidades judaicas têm em geral uma visão que tem que defender Israel, não importa quem esteja no poder ou o que faça, algo parecido com o que os palestinos, árabes e a esquerda fazem, só que do outro lado da moeda. Judeus progressistas, liberais, de esquerda, se sentem inconfortáveis com esta postura de defesa cega. Os valores éticos judaicos exigem o respeito ao estrangeiro (aquele que não é judeu):  que não faças ao outro o que não queres que te façam. Salvar uma pessoa é como salvar a humanidade. Fomos o primeiro povo que exigiu o direito ao descanso (shabat), e é contra a escravidão. Depois de Deus, a palavra shalom (paz) é a que mais consta nos livros de rezas judaicas. Desta forma, nós, judeus progressistas, não podemos apoiar o que está acontecendo em Israel no momento. Por outro lado, somos sionistas, em sua maioria, socialistas. Dentro deste contexto, decidimos criar um movimento de judeus da América Latina (J-AmLat) para levantar uma segunda voz dentro da comunidade. Hoje, somos seis núcleos – Argentina, Brasil, Uruguai, Chile, México e Israel (no caso, judeus latino-americanos que emigraram). Fazemos conferências, manifestações, abaixo-assinados.

EC – Como surgiu a ideia de um centro para crianças israelenses e palestinas
Windholz – O Merchavim está ligado à área de educação informal, que é muito forte em Israel. Quase todas as crianças em Israel, entre judeus e árabes, têm atividades no período da tarde após a escola, que funciona de manhã. Nossas atividades são principalmente nas férias de verão e inverno. Trabalhei durante anos fazendo encontros de jovens judeus e árabes. Aqui as escolas são separadas, não por segregação ou racismo, mas pela língua e pelo estudo religioso. Como as crianças e jovens não tinham contato, já que vivem em bairros e aldeias separadas, se formavam estereótipos. Baseado nisso, decidi que os encontros deveriam acontecer o mais cedo possível. Então criamos as colônias de férias. Começamos com crianças de seis a 12 anos.

EC – O que acontece nos encontros?
Windholz – As colônias são bilíngues, ou seja, o tempo todo se fala hebraico e árabe. Os grupos são mistos e cada um tem dois monitores-monitoras, sendo um judeu e um árabe. Como as crianças judias não falam árabe e as árabes não falam hebraico, traduzimos. Chamamos a isso de espaço hebraico-árabe. Ali, as culturas, religiões, costumes, folclore, nacionalidades se encontram. Mas também se encontram os meninos e as meninas, aqueles que gostam de esporte, artes, música, dança ou teatro, aqueles que torcem pelo time do Barcelona e aqueles que torcem pelo Real Madrid, aqueles que vivem em cidades e aqueles que vivem em aldeias. Desta forma, eles aprendem que a identidade deles é mais complexa que ser judeu ou árabe. Um judeu e um árabe podem ter os mesmos gostos pelo lazer, torcer para o mesmo time, se vestir da mesma forma, ter os mesmos problemas com os pais. Seguimos o modelo educativo baseado em inteligências múltiplas e inteligência emocional, cultura de mediação de conflitos (e não julgamento) e comunicação não violenta.

EC – O Centro encontrou resistência?
Windholz – Muito pouca, de extremistas dos dois lados. Mas não nos deixamos influenciar. Este trabalho é de suma importância. Se conseguirmos ampliá-lo, poderemos criar uma geração que não tenha medo da outra por ignorância de não saber quem está diante de si.

EC – Quantos movimentos unindo árabes, palestinos e israelenses pela paz existem hoje em Israel? Por que não se fala deles na mídia?
Windholz –  Há 120 ONGs que trabalham em prol da paz, da solução do conflito, de direitos humanos, da emancipação da mulher, entre outros temas. Não acho que há interesse, nem em Israel, na Palestina, ou no mundo mostrar que existem forças pró-paz. A atual situação favorece as elites políticas, econômicas e religiosas locais, israelis e palestinas. Em nível geopolítico, ninguém tem interesse em solucionar essa situação. A mídia coopera com essa visão.

EC – O recente “massacre” – termo usado por parte da mídia – de palestinos ocorrido em Gaza na ocasião da inauguração da embaixada norte-americana em Jerusalém colocou um holofote sobre a questão palestina, o Exército israelense e a violência no Oriente Médio. Esses confrontos podem prejudicar um acordo de paz?
Windholz –  Primeiro vamos deixar claro: com todo o pesar pela morte de 60 pessoas, não se pode definir isso como massacre. Massacre e genocídio são palavras que estão sendo gastas e perdendo seus verdadeiros significados. Digo o mesmo quando usamos estas palavras para o que palestinos fazem. Assim como não aceito as palavras “soldados” e “terroristas”. Qual a diferença? Por que um se explode matando pessoas numa praça pública e outro joga uma bomba de um avião, matando também civis numa praça pública? Uma vez esclarecido, vamos analisar o que aconteceu em Gaza. Não se pode tomar um caso particular e tirar conclusões de quem é a culpa, pois assim não chegaremos ao principal que é tentar solucionar o conflito. Israel domina os palestinos há 50 anos. Gaza está em uma situação precária e desumana por culpa das autoridades palestinas, de Israel e principalmente do Hamas. A psicologia do opressor e do oprimido é patológica. As elites em Israel e na Palestina se aproveitam desta patologia, deste processo de crer unicamente em sua narrativa, da desumanização do outro, o que chamo de “Educação da Ideologia do Medo”. Esta manifestação era para ser pacífica, e foi desviada pelo Hamas. Por outro lado, o Exército em Israel queria usar meios não fatais de dispersão de manifestações, e o governo deu ordens contrárias para prevenir o Hamas. O mesmo aconteceu hoje. Caíram mais de 40 bombas em Israel. Israel logicamente revidou. Nenhum lado quer guerra no momento, mas vão até o limite. Prejudicar um acordo de paz? Não, porque não existe nenhuma proposta de diálogo de paz. O governo de Israel não tem interesse em sentar no momento para conversar sobre um acordo.

EC – Como identificar e separar uma manifestação legítima na luta por direitos dos palestinos de ações de extremistas como as do Hamas? Ao reprimir manifestantes, o governo israelense alega que está se defendendo de terroristas, já que o Hamas prega a destruição de Israel.
Windholz – Uma vez o dono do maior jornal de Israel disse que jornal é para vender. Assim, publica o que vende. Por outro lado, Israel há 50 anos domina a Cisjordânia e Gaza militarmente, o que faz dos palestinos David contra Golias. Por um terceiro lado, Israel faz propaganda, a qual chamamos de hasbará, que é panfletária. A única forma de combater a propaganda palestina, que é panfletária também, é mostrar os dois lados da realidade. É mostrar a violência, a falta de visão e de coragem dos seus líderes, e os erros cometidos por ambos os lados. Por exemplo, Yasser Arafat (então presidente da Organização para a Libertação da Palestina – OLP) iniciou a Segunda Intifada, levando o Partido Likud ao poder e afastando a possibilidade de um acordo de paz; o ex-primeiro-ministro de Israel Ehud Barak, ao voltar de Camp David, não teve coragem de dar o passo final, e muitos outros.

EC – Você escreveu no Facebook: “Somos dois povos que durante 70 anos aprendemos e educamos para odiar. O movimento BDS (Boicote – Desinvestimento – Sanções) segue o esquema do ódio, da falta de relação, da desumanização do outro. O governo de Israel faz o mesmo. Temos que dizer SISO e SPSO: Save Israel. Stop the Occupation. Save Palestine. Stop the Occupation. Mas temos que dizer JUNTOS”. Como colocar em prática essa ação conjunta?
Windholz – A situação está cômoda para a direita e para Bibi (Benjamin “Bibi” Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, integrante do Partido Likud). A economia está estável e os israelis estão satisfeitos. Bibi tem o apoio total americano e inclusive russo na atuação na Síria. Os palestinos são o problema menor no Oriente Médio. Se os palestinos não entenderem que a única solução é unir-se à esquerda israeli e juntos tentarem influenciar as diásporas judaicas e palestinas a fazer um processo de baixo para cima, nada acontecerá. Pelo menos até que as conjunturas se modifiquem.

EC – Por que o povo judeu que sofreu tanta perseguição, e ainda sofre, combate palestinos que lutam para ter também um Estado?
Windholz – Isso é um tema larguíssimo. Depois de 2 mil anos de dispersão, de perseguições, de luta contra os árabes que não aceitaram o retorno dos judeus a sua terra, e principalmente depois do Holocausto, o povo judeu diz “Vamos ser fortes para brecar qualquer tentativa de nos destruírem”. É uma situação real e verdadeira. Mas se torna paranoica no momento em que achamos que todos estão contra nós. Além disso, há o sionismo messiânico, que no momento supera o sionismo humanista e socialista. Este sionismo é religioso, cego em sua crença de que esta terra nos pertence e somente a nós, porque Deus nos deu.

EC – Você escreveu uma carta ao cantor Gilberto Gil quando ele decidiu cancelar seu show recentemente em Israel. Obteve resposta? Gil e Caetano Veloso conhecem o movimento pela paz em Israel?
Windholz – Quando Gil e Caetano vieram a Israel, organizei um encontro com 40 ONGs pró-paz. Eles sentiram o trabalho que está sendo feito em Israel em prol dos palestinos. Ao voltar, Caetano declarou em uma correspondência que adora Israel e se sente muito bem em Tel Aviv, e que o “não virá” é relativo e depende da situação política do país. Gil, não; inclusive queria voltar agora, mas parte do pessoal que viria com ele ficou com receio da situação em Gaza e ele preferiu adiar a viagem. Ambos disseram que não adotaram o BDS. Não concordo com o BDS, acho negativo e prejudicial aos palestinos, mas é o direito de cada um ter uma opinião.

EC – O mundo vive uma onda de conservadorismo e retrocessos, com radicalizações e discursos de ódio. Como construir a paz com quem se recusa ao diálogo?
Windholz – Enquanto não existem condições de governos sentarem para um acordo de paz, as ONGs e o povo devem levantar suas vozes para que se escutem longe. Imaginem uma caravela em alto mar. Suas velas estão abaixadas, não há vento. Se vier vento, mesmo que forte, a caravela seguirá em alto mar. É nosso dever levantar as velas e deixá-las preparadas para que, quando uma liderança queira fazer a paz – quando encontre ventos fortes –, possa chegar ao porto seguro.

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