OPINIÃO

Por que você está azul, mamãe?

Por Marcos Rolim / Publicado em 13 de agosto de 2018

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Cena do filme Pra Frente Brasil (1982), de Roberto Farias

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As eleições de outubro se aproximam e muitos candidatos não apresentam programas de governo, mas slogans e frases feitas, recursos formatados para sensibilizar o eleitor médio, aquele que não gosta de política e que não entende de política, mas que deve comparecer às urnas porque, absurdamente, é obrigado a fazê-lo.

Até aí, tudo parece ser a repetição do que temos visto. A semelhança, entretanto, é ilusória. Na verdade, as eleições de outubro trazem uma novidade histórica. Pela primeira vez em nosso país, um candidato claramente identificado com o fascismo, Jair Bolsonaro, se apresenta com chances eleitorais.

A única expressão política do fascismo entre nós foi a Ação Integralista Brasileira dos anos 30, liderada por Plínio Salgado, cujo lema era “Deus, Pátria e Família”. Esse movimento, entretanto, nunca teve a expressão alcançada por Bolsonaro.

O que significa a possibilidade de vitória eleitoral do fascismo? Não devemos especular, basta ouvir o que Bolsonaro tem dito.

Em uma entrevista à TV Bandeirantes, em 1999, quando Fernando Henrique era o presidente, Bolsonaro afirmou: através do voto, você não vai mudar nada neste país. Nada, absolutamente nada. Você só vai mudar, infelizmente, quando nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro. E fazendo um trabalho que o regime militar não fez. Matando 30 mil, e começando por FHC.

Mais do que isso, Bolsonaro pregou o fechamento do Congresso dizendo que “a democracia é uma porcaria” e que, se chegasse à Presidência, “daria um golpe no primeiro dia”. Deu mostras, também, dos seus valores morais afirmando que sonegava impostos e estimulando a população a fazer o mesmo: “Conselho meu e eu faço. Eu sonego tudo que for possível”. Também afirmou que o ex-presidente do Banco Central, Chico Lopes, deveria ser torturado no Senado.

Dá porrada no Chico Lopes. Eu até sou favorável à CPI, no caso do Chico Lopes, tivesse pau de arara lá. Ele merecia isso: pau de arara. Funciona. Eu sou favorável à tortura, você sabe.

Bolsonaro não era um jovem inexperiente quando disse essas barbaridades. Tinha 44 anos e estava já em seu terceiro mandato como deputado federal. Essa época, aliás, foi quando o conheci na Câmara Federal.

Quando presidi a Comissão de Direitos Humanos da Câmara, o encontrava com frequência, porque ele participava das reuniões para nos provocar e tentar inviabilizar a Comissão. Bolsonaro sempre foi conhecido como um político ignorante e improdutivo, transitando entre o anedotário e a psicopatia.

Está atualmente no seu sétimo mandato como deputado e não há notícia de um único projeto relevante que tenha apresentado. Ele se revelou, entretanto, um político muito capaz na gestão de suas finanças pessoais. A Folha de São Paulo teve acesso aos bens declarados por Bolsonaro e três de seus filhos, todos políticos.

Descobriu que a família tem 13 imóveis avaliados em, pelo menos, 15 milhões, sendo dois deles em um condomínio à beira-mar, na Av. Lúcio Costa, um dos pontos mais valorizados do Rio. Além dos imóveis, os bens registrados envolvem carros, jet sky e aplicações financeiras no valor de quase 2 milhões de reais. Nada mal para quem começou na política com um Fiat, uma moto e dois terrenos pequenos na cidade de Resende, avaliados em 10 mil reais.

Quando votou favoravelmente ao impeachment de Dilma Rousseff, Bolsonaro homenageou a memória de Carlos Alberto Brilhante Ustra, o obscuro oficial do Exército que comandou a Operação Bandeirantes (Oban) no DOI-Codi de São Paulo, um dos centros de torturas e morte da ditadura, entre 1970 e 1974.

Ustra é, até hoje, o único militar brasileiro reconhecido como torturador pelo Judiciário, em ação declaratória interposta por Maria Amélia de Almeida Teles (Amelinha) e outros. A sentença do juiz Gustavo Santini Teodoro, de 2008, foi confirmada por unanimidade pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em 2012.

As vítimas não pediram indenização, apenas a declaração, com base nas provas, de que Ustra as havia torturado.  Quando Amelinha estava sendo torturada, com o corpo coberto de hematomas, vomitada e urinada, Ustra mandou trazer os dois filhos dela, Janaína de cinco anos e Edson, quatro, para que o pai e a mãe soubessem que ele tinha as crianças em seu poder.

“Vamos matar seus filhos, menos comunistas no mundo”, diziam. Na sala de torturas, diante da mãe amarrada na “cadeira de dragão”, a menina perguntou: – “Mamãe, por que você está azul?” (vídeo com depoimento de Amelinha).

Ustra é um “herói” para Bolsonaro e, entre seus eleitores, vários passaram a usar camisetas estampadas com a figura do torturador. Essa é a novidade das próximas eleições. Poderemos ter alguém disposto a fuzilar e a torturar seus adversários no comando da nação, coisa que só os piores ditadores à direita e à esquerda foram capazes. É preciso fazer algo para impedir isso. Nada é mais importante para o Brasil hoje.

Marcos Rolim é jornalista, doutor em Sociologia. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.

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