OPINIÃO

Bolsonaro: a morte e o terror como categorias políticas

Por Marco Weissheimer / Publicado em 7 de novembro de 2018

Foto: Tânia Rêgo/ABr

Foto: Tânia Rêgo/ABr

“A luta demarcada pela simbologia do próprio Bolsonaro, portanto, é uma luta entre civilização e barbárie, entre a vida e a morte. Essa simbologia só floresceu e ganhou ampla expressão política porque havia solo fértil para ela ser semeada”

As primeiras horas que se seguiram à confirmação da eleição de Jair Bolsonaro para a presidência da República confirmaram alguns dos principais temores em relação ao que se pode esperar de seu governo na área dos direitos humanos e sociais. A expectativa é de uma violação sistemática dos mesmos. Logo após às 19 horas de domingo, quando os números já consolidados da apuração foram divulgados, confirmando a vitória do candidato do PSL, começaram a surgir relatos nas redes sociais, vindos de várias cidades do país, sobre agressões por parte de apoiadores de Bolsonaro e por policiais contra apoiadores da candidatura de Fernando Haddad (PT). É como se o grito “vamos metralhar a petezada”, entoado por Bolsonaro durante um comício de sua campanha eleitoral no Acre, tivesse finalmente sido autorizado a se concretizar nas ruas. Na mesma batida, o governador eleito de São Paulo, João Dória (PSDB), avisou: agora a polícia vai atirar para matar.

A eleição de 2018 parece ter despertado o que há de pior na sociedade brasileira, cuja história está marcada por um passado colonial racista, anti-povo e extremamente violento com os povos indígenas que aqui viviam antes do “descobrimento” e com os povos africanos, trazidos para cá acorrentados e escravizados. Essa história, que ainda está para ser contada, emergiu com força inédita na figura de Jair Bolsonaro, um candidato que assumiu como símbolos e práticas as armas de fogo, a morte, a intolerância, o preconceito e a propagação massiva de mentiras. A morte, como ameaça, está presente em praticamente toda a, se é possível chamar assim, construção discursiva e simbólica do ex-capitão do Exército.

Não por acaso, Bolsonaro escolheu como seu principal homenageado o coronel Carlos Brilhante Ustra, militar apontado como responsável pela tortura de diversos presos políticos durante a ditadura. Mais do que isso, defendeu abertamente a prática da tortura, disse que a ditadura deveria ter matado mais para limpar o país dos esquerdistas e recomendou a seus seguidores que “metralhassem a petezada”, conselho que, parece, já vem sendo posto em prática por apoiadores do candidato. O antropólogo Luiz Eduardo Soares definiu assim esse processo de autorização, em um texto publicado em sua página no Facebook, durante a campanha do primeiro turno: “A mensagem já foi passada à sociedade. E a mensagem se resume a uma autorização. Autorização à barbárie. A morte foi convocada. A barbárie está autorizada. O horror saiu do armário. Os espectros do fascismo estão aí, entre nós, a nos assombrar e ameaçar. Estão aí porque já existiam inclusive no espírito de alguns sujeitos que não imaginavam que pudessem ser contaminados”.

A luta demarcada pela simbologia do próprio Bolsonaro, portanto, é uma luta entre civilização e barbárie, entre a vida e a morte. Essa simbologia só floresceu e ganhou ampla expressão política porque havia solo fértil para ela ser semeada. Ao longo do processo de colonização do país, os traços de racismo, violência e intolerância foram sendo escondidos e transmutados em um suposto espírito de cordialidade e democracia racial que faria do Brasil um país único no mundo. Com Bolsonaro, esses espectros saíram do armário onde estavam trancados e tomaram ruas, corações e mentes. O discurso do anti-petismo foi utilizado para dar um suposto verniz moral a essa verdadeira infestação ideológica ultra-conservadora.

As razões que explicam a vitória de Bolsonaro são múltiplas e complexas. Uma delas tem a ver com problemas históricos que não foram enfrentados pelos governos democráticos e pela sociedade como um todo. Não é só que o Brasil não acertou suas contas com a ditadura. Há um acerto de contas a ser feito com nosso passado colonial, com os crimes terríveis que foram cometidos nele contra povos indígenas e africanos, contra as mulheres também.

O crescimento da candidatura de extrema-direita e de sua agenda marcada pelo símbolo da morte e pelo discurso da intolerância teve, por outro lado, um efeito colateral inédito: a conformação de uma aliança de indivíduos e forças sociais da esquerda, do centro e mesmo de setores civilizados da direita em defesa da democracia, dos direitos e das liberdades.  O desafio principal agora é manter essa unidade em defesa da democracia, dos direitos e das liberdades. Isso será necessário, entre outras razões, pelo fato de que todas as formas de opressão estão conectadas e Bolsonaro é a personificação dessa conexão. Isso quer dizer que todas as lutas por direitos deverão ser conectadas também.

Marco Weissheimer é jornalista. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe

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