CULTURA

Repartir o pão e o conhecimento

Por Gilson Camargo / Publicado em 20 de março de 2019
A professora Ieda Linck, coordenadora do projeto de extensão da Unicruz

Foto: Divulgação

A professora Ieda Linck, coordenadora do projeto de extensão da Unicruz

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A renda obtida com a venda de materiais reciclados mal dava para o sustento dos catadores que trabalham nas ruas de Cruz Alta, uma população variável em torno de 50 pessoas com idades entre 25 e 70 anos, exposta a todo tipo de vulnerabilidade.

Ao pesquisar o perfil dos catadores, uma equipe da Universidade de Cruz Alta (Unicruz) constatou que eram recorrentes as dificuldades de comunicação, desde a simples articulação da fala, e também de elaborar as operações básicas de cálculos. Outro traço comum a crianças, jovens e velhos que vivem da reciclagem de lixo e que chamou a atenção dos pesquisadores e apontou um caminho: o interesse em voltar a estudar, apesar da frustração da maioria pela falta de uma oportunidade concreta de acesso à educação.

Essas constatações resultaram na criação do projeto de extensão Educação Formal às Famílias do Projeto Profissão Catador: Organizando Saberes para a Formação Cidadã, em 2016. Nas oficinas, realizadas na Associação Primavera e Bairro de Fátima, de Cruz Alta, as famílias fazem pães e bolachas para consumo próprio, atividade que desencadeia o aprendizado em vários aspectos, segundo a professora de Língua Portuguesa e coordenadora do projeto, Ieda Márcia Donati Linck.

Oficinas de panificação proporcionam aprendizado e alimentação a catadores de Cruz Alta

Foto: Divulgação

Oficinas de panificação proporcionam aprendizado e alimentação a catadores de Cruz Alta

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Doutora em Linguística – Análise de Discurso, pela Universidade Federal de Santa Maria e pela Universidade de Aveiro Portugal, Ieda relata que nos encontros para diagnósticos a equipe constatou, além da baixa escolarização dos integrantes do projeto, as dificuldades apresentadas, em especial na área da Linguagem e das Exatas. “Pelas falas dos participantes, percebemos que a educação formal, o retorno à escola, era um sonho deles. No entanto, não se consideravam capazes e merecedores, apesar da vontade e do desejo de retomarem seus estudos”. Além das quatro operações, as oficinas de pães ajudam na compreensão das medidas, frações, geometria etc. “E, acima de tudo, mostramos o ganho real de eles produzirem pães e bolachas para o consumo próprio, considerando que a renda mensal é pequena: aprendem matemática produzindo o próprio alimento. Também é trabalhada a questão do custo-benefício entre comprar os ingredientes e fazer o pão e comprar pronto. Essa análise ajuda em outra oficina trabalhada que foi Finanças Pessoais, pelo Curso de Ciências Contábeis”, relata.

O passo seguinte foi estimular e preparar os participantes para as provas no Neja Erico Verissimo para que eles concluíssem os estudos. Nos últimos três anos, foram atendidos mais de 50 profissionais catadores e 15 alunos estão matriculados no projeto neste ano.

“Ninguém abandona a escola porque quer, mas porque foi excluído ou lhe foi negado o direito de aprender e usufruir desse direito constitucional”, lembra a professora ao definir o que a motiva. “A Verônica tem 18 anos; é filha da catadora Simone, que faz parte do nosso projeto. Vale ressaltar que a Simone foi minha aluna há 22 anos, numa escola pública. Ela foi até a quinta série e abandonou a escola. Foi ela que me inspirou a criar o projeto. Em um encontro casual, depois de 20 anos, pediu ajuda para eu ensiná-la a falar melhor e para que eu ajudasse a filha a tirar uma boa nota no Enem. Pois bem, a Verônica está cursando Ciências Contábeis”.

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