EDUCAÇÃO

MEC enfrenta pressão para revogar reforma do ensino médio

A agenda do atual governo enfrenta o sucateamento do ensino público e o esvaziamento do orçamento do MEC, mas evita falar em revogação da reforma do ensino médio que impede avanços na educação
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 9 de março de 2023

Foto: Marcelo Camargo/ ABr

“Estamos começando um novo momento, saindo das trevas para voltar à luminosidade de um novo tempo”, disse Lula em encontro com reitores e reitoras das federais no Palácio do Planalto. Setores da educação fazem pressão para que o novo BNCC seja revogado

Foto: Marcelo Camargo/ ABr

A educação vivenciou a sua maior crise nos últimos quatro anos no país. Além do mais baixo investimento desde 1999, o setor teve os maiores cortes e contingenciamentos de verbas e foi convertido em campo de batalha ideológica e pregação religiosa, sob o comando de ministros comprometidos com grupos privados e interesses alheios à educação. O orçamento do Ministério da Educação perdeu mais de 20% e o de Ciência e Tecnologia, 44% dos recursos no período. Repleta de desafios, críticas e contradições, a agenda do atual governo enfrenta, ainda, o sucateamento da educação pública com políticas voltadas para ampliar o acesso, a permanência e a democratização. Para o ministro da Educação, Camilo Santana, a revogação de medidas como a reforma do ensino médio não é prioridade

Foto: Governo do Ceará/ Reprodução

A secretária-executiva do MEC, Izolda Cela: das cem melhores escolas públicas
apontadas pelo Ideb, 87 estão no Ceará

Foto: Governo do Ceará/ Reprodução

Em um simbólico encontro com reitores de universidades e institutos federais de educação no dia 19 de janeiro – depois de quatro anos marcados pela falta de diálogo, hostilidades ao meio acadêmico e cortes de verbas da educação durante o governo anterior –, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sinalizou seu projeto de resgatar o Ministério da Educação das mãos de interesses privados e tirar a educação do “obscurantismo”.

Para isso, entraram em cena dois cearenses que há pelo menos quatro anos têm trabalhado de forma afinada e revolucionaram a educação básica em seu estado: Camilo Santana (PT), ex-governador do Ceará, e sua vice, depois governadora, Izolda Cela.

Santana à frente do MEC e Izolda como secretária-executiva da pasta têm todas as condições de fazer esse resgate e reestruturar – e também encontram amplo apoio no setor.

Essa avaliação é compartilhada por educadores como Claudia Costin, diretora do Centro de Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e integrante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, por exemplo.

Apesar dos entraves deixados pela “destruição bolsonarista”, afirma Daniel Cara, a avaliação geral é que Camilo “tem força política e capacidade de gestão para enfrentar o desafio”.

Ele lembra que Izolda foi secretária municipal de Educação de Sobral (CE) e, posteriormente, secretária de Educação do Ceará. Suas gestões à época foram as responsáveis pela política educacional bem-sucedida na cidade e replicada no estado. De acordo com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), das cem melhores escolas públicas nos anos iniciais do ensino fundamental, 87 encontram-se no Ceará.

Educação básica: pressão pelo revogaço da reforma

Foto: Governo do Ceará/ Reprodução

Entre as metas para os cem primeiros dias de governo, Santana destaca o aumento de vagas em creches, como determina o Plano Nacional de Educação, e escolas públicas em tempo integral

Foto: Governo do Ceará/ Reprodução

Uma das questões que a nova gestão do MEC terá que enfrentar é a pressão do setor pela revogação da reforma do ensino médio, uma pauta que o ministro Camilo Santana tem evitado – ou subestimado na agenda do MEC.

Santana afirma que há medidas mais urgentes que a pauta da reforma, como a discussão da nova política do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e obras paralisadas.

Para o titular do MEC, existem pontos “em que há questionamentos por parte de alguns setores” na reforma de 2017. Sua ideia é fazer uma avaliação e “convocar secretários estaduais, especialistas, Comissão de Senado e Câmara, para avaliar pontos importantes e gargalos”.

A posição do ministro conflita com o entendimento de mais de 280 sindicatos, entidades representativas, grupos de pesquisa, associações científicas e movimentos sociais com atuação destacada na educação que subscreveram uma Carta Aberta pela revogação da reforma do ensino médio.

Gabriel Grabowski, Mestre e Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), integrante do Observatório do Ensino Médio do RS e professor pesquisador da Universidade Feevale, afirma que “o mínimo que se espera do MEC na gestão do governo Lula” é uma imediata revogação da reforma e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), ambas oriundas do governo Temer.

“Não é possível continuarmos com elas, pois foram impostas por Medida Provisória e por um campo restrito de especialistas e gestores que querem reduzir os investimentos e custos com a educação básica por meio de redução da carga horária escolar e docente, estabelecendo parcerias com parceiros privados”, argumenta.

Aumento das desigualdades

Foto: Feevale/ Divulgação

Grabowski alerta que a reforma já produz mais desigualdades, falta de professores e precarização do trabalho docente, entre outras consequências

Foto: Feevale/ Divulgação

Grabowski lembra que pesquisas já apresentam evidências do impacto negativo da medida. “Na maior rede pública de ensino do país, São Paulo, estudos já constataram: aumento das desigualdades escolares dentro da rede pública, estudantes sem aulas por falta de professores, maior precarização do trabalho docente, ampliação do ensino a distância, estreitamento curricular e privatização da oferta educacional direta”, evidencia.

Lalo Watanabe Minto, professor da Faculdade de Educação e coordenador da Linha de Pesquisa Trabalho e Educação e do Grupo de Estudos e Pesquisas Educação e Crítica Social (Gepecs) na pós-graduação da Unicamp, cita, em seu entendimento, dois motivos para que a revogação da reforma não esteja no horizonte do novo governo.

O primeiro que ele diz ser “bem simples e óbvio” é decorrência de grande parte das medidas introduzidas serem compartilhadas pelas forças políticas que ocupam o MEC e o governo hoje.

Além disso, destaca Watanabe, a reforma integra parte de “uma construção global que abriga as políticas educacionais às quais os sucessivos governos brasileiros têm sido favoráveis”.

Essa construção, conforme ele, tem na participação privada – empresários, terceiro setor, ONGs, fundações, institutos e outros – um elemento decisivo.

“Lembremos que, desde 2007, esses setores fazem parte da elaboração das políticas educacionais de maneira integral. Ocupam postos estratégicos, formam e fornecem quadros para governos, fazem lobby por determinadas políticas e estão instalados no aparelho do Estado. Não é uma participação de ocasião, mas permanente”, alerta.

“Pessoalmente, não nutri nenhuma expectativa para com o novo governo antes das eleições e isso se fortaleceu quando da nomeação da equipe de transição e da escolha de Camilo para o MEC. Mas a história nunca está fechada, não é mesmo?”, ironiza. O pesquisador da Unicamp reafirma que o cenário é pessimista e ressalta que o campo da educação deve se movimentar para que o governo faça as mudanças que, “por vontade própria, não faria”.  pressão pressão pressão pressão pressãosucateamento sucateamento

Creches e escolas em tempo integral 

Após o encontro com os reitores, o ministro da Educação aproveitou a divulgação da primeira etapa do Censo Escolar de 2022 para informar que, paulatinamente, nos primeiros cem dias de governo, Lula terá em mãos as ações que devem ser implantadas até o final do seu mandato em todo o país.

Entre as metas, Camilo Santana destaca o aumento de vagas em creches, seguindo a determinação do Plano Nacional de Educação (PNE) e a ambiciosa priorização do modelo de escolas públicas em tempo integral.

Ambiciosa porque, atualmente, fazer com que todas as crianças brasileiras da rede pública fiquem em ambiente escolar em tempo integral exigirá um esforço significativo.

Em números, algo em torno de 32 milhões de alunos dos cerca de 40 milhões que estudam no regime de pelo menos quatro horas diárias.

A meta do MEC tem a ressalva de que, em um primeiro momento, a educação integral requer investimentos. O valor praticamente dobra por aluno, com atividades esportivas e extraclasse. E terá que enfrentar outro desafio: o espaço fiscal restrito que o governo tem para se movimentar, apesar de ter conseguido aprovar a PEC da Transição, a qual tornou mais factível o orçamento e desarmou a bomba armada pelo governo anterior.

Alfabetização na Idade Certa

O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), assumido pelo governo federal em 2012, também é uma das iniciativas que foram praticamente deixadas de lado desde o golpe que retirou a presidente Dilma Rousseff do poder em 2016. Santana afirma que o empenho do MEC será integral para que as crianças sejam alfabetizadas na idade certa.

O compromisso formal do PNAIC foi assinado pelos governos federal, estaduais e do Distrito Federal (DF) e municípios para garantir que todas as crianças estejam alfabetizadas até os oito anos de idade, ao final do 3º ano do ensino fundamental.

Concretamente, esse é o primeiro programa de reformas estruturais já pronto no MEC para ser apresentado a Lula. pressão pressão pressão pressão pressão

Conectividade

Em reunião interministerial para identificar iniciativas prioritárias de cada ministério no relacionamento bilateral Brasil-China, Santana lembrou que um dos objetivos do atual presidente é garantir até o final do seu mandato que todas as escolas públicas brasileiras não estejam somente conectadas com internet banda larga, mas tenham infraestrutura de tecnologia.

É necessário “que tenham equipamentos para acesso dos alunos e professores. Interessa ao MEC a cooperação nessa área”, registrou.

“No MEC, o foco será a educação digital”, acentua o ministro ao apontar os grandes prejuízos sofridos por estudantes de escolas públicas durante o necessário isolamento na pandemia do coronavírus.

O que está sendo garantido e os impasses

Desde que assumiu o MEC, Santana já garantiu um reajuste de 14,9% para o piso do magistério público, que passou de R$ 3.845,63 para R$ 4.420,55.

A retomada de 1.236 obras em instituições de educação infantil, de ensino fundamental e em projetos de quadras esportivas escolares, envolvendo R$ 250 milhões nas 27 unidades federativas, é outra iniciativa que contrasta com o governo anterior, que ganhou notoriedade por sucessivos cortes orçamentários na pasta.

Para o ensino superior, o próprio presidente da República deixou claro que, após quatro anos marcados por hostilidades e nenhum diálogo com as instituições, docentes e estudantes, serão retomados “com vigor” programas de financiamento estudantil, como ProUni e Fies.

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