Associação de magistrados se solidariza com professor do Anchieta

Foto: Colégio Anchieta/Divulgação
Foto: Colégio Anchieta/Divulgação
Nesta quarta-feira, 8, a Associação Juízas e Juízes para a Democracia (AJD), por meio de seu núcleo José Paulo Bisol (AJD/RS) enviou ao jornal Extra Classe uma nota pública em que se posiciona sobre o caso envolvendo a polêmica aula de História no Colégio Anchieta, de Porto Alegre, no último dia 30 de outubro, que resultou no afastamento de um professor de história das suas atividades.
“Dessa forma, ao mesmo tempo em que expressa a sua preocupação com o ocorrido, que importa em violação à liberdade de aprender e ensinar, manifesta integral solidariedade ao professor, cuja atividade, em um ambiente minimamente democrático e propício à pluralidade de ideias, deve colocar-se a salvo de ingerências indevidas”, diz a nota.
Entenda o caso
No dia 30 de outubro, um vídeo com trechos da aula viralizou, inicialmente em sites e grupos de extrema-direita, ligados ao movimento escola sem partido, que interpretaram a posição do docente como sendo pró-terrorismo e pró-Hamas, e depois em blogs, sites e redes sociais e noticiários.
A partir daí, um movimento de pais pediu a demissão do professor à direção da escola e outro movimento de pais pediu a permanência do docente e seu retorno às atividades.
O Centro de Professores do Colégio Anchieta (CPCA) também se solidarizou com o docente, por entender que tratava-se de uma contextualização geopolítica em que vários pontos de vista eram necessários para dar a dimensão e complexidade do tema aos estudantes.
Liberdade de ensinar
A AJD, por sua vez, manifestou-se “em defesa da liberdade de ensinar e aprender, e em solidariedade ao educador, que se viu constrangido, em razão do exercício de sua atividade profissional, ao trazer à discussão, em sala aula, o tema relativo a Israel e Palestina”.
De acordo com a nota, a educação, na forma do art. 205 da Constituição Federal, objetiva o “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, o que não pode ser alcançado sem que, dentre outros princípios estabelecidos no artigo 206 da Constituição Federal, sejam respeitados aqueles que dizem respeito à “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber” e o “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”.
Violação à liberdade de ensinar
Conforme a AJD/RS, a gravação e divulgação não autorizadas da aula ministrada pelo professor, constitui grave violação à liberdade de aprender e ensinar.
Para a entidade de magistrados, “o ato de instigar o debate e a pluralidade de ideias é inerente à atividade docente”; e cita Paulo Freire: “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”.
Outro destaque, do documento é que a divulgação indevida, a ideologização e a espetacularização do conteúdo ministrado pelo professor em sala de aula em nada contribuem para alcançar um ambiente propício à construção do conhecimento.
“Muito pelo contrário, ao trazerem para a arena pública, de forma irresponsável, esse debate, acabam por submetê-lo ao senso comum e à irracionalidade que tem pautado nossa sociedade ultimamente”, diz o texto.
A AJD também classificou como “desproporcionais e indevidos” os ataques e a exposição a que o professor foi submetido pelo simples exercício de sua atividade profissional, com violação não apenas a sua liberdade de cátedra, mas, igualmente, a sua dignidade como pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal).
Exposição dos estudantes fere o ECA
Outro ponto para o qual os juízes chamam a atenção é o de que a repercussão decorrente da divulgação do ocorrido nas redes sociais, “aprofunda preocupação com a eventual exposição dos adolescentes direta ou indiretamente envolvidos no fato, considerada a sua condição de pessoas em desenvolvimento”.
O documento lembra aos pais e responsáveis legais dos estudantes para que atentem à proteção integral dos alunos, resguardando o “desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”, conforme previsto no art. 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente.