OPINIÃO

O grande otário

Por Moisés Mendes / Publicado em 14 de julho de 2016

O grande otário

Foto: Lula Marques/Fotos Públicas

Foto: Lula Marques/Fotos Públicas

Se houvesse um código mundial de condutas entre mafiosos, os brasileiros desrespeitariam quase todas as normas. Nossos mafiosos revelados pela Lava-Jato fazem ameaças públicas e delações sem constrangimentos. Sem essa desenvoltura cínica, não haveria notícias novas sobre corrupção.

Empreiteiros, seus executivos e mandaletes, políticos do primeiro ao quinto escalão, intermediários de propinas, dirigentes de estatais, doleiros, todos são potencialmente perigosos para os antigos parceiros – e mais ainda se caírem nas masmorras de Curitiba.

Dizem que poucos seriam tão assustadores quanto Eduardo Cunha. Vamos aguardar. Um dia antes da eleição para escolha de seu sucessor na Câmara, o deputado apareceu na Comissão de Constituição e Justiça, para se defender fazendo ameaças:

– Há investigados nesta sala. Hoje sou eu. É o efeito Orloff. Vocês, amanhã.

Roberto Jefferson ameaçava e delatava. O doleiro Youssef também. Os diretores da Petrobras, os emissários de propineiros, todos mandam recados.

Mas é ingênuo pensar que o Eduardo Cunha ainda mais ameaçador seja apenas um sujeito vingativo, que comandou o processo do golpe porque não gostava de Dilma e do PT e que por isso é potencialmente perigoso.

Cunha foi fomentado a fazer o que fez em boa parte pelo reacionarismo empresarial da Fiesp e suas satélites em conluio com a imprensa que o inventou como criatura perfeita para a desconstrução do governo e da política. Observações mais antigas apontavam Cunha como produto da combinação do conservadorismo político com o conservadorismo de costumes.

Ele seria o político de base evangélica, sem muita expressão, que contempla demandas de contingentes do eleitorado religioso e presta serviços ao que o Congresso tem de pior, não por ideologia, mas por pragmatismo fisiológico mesmo.

Eduardo Cunha era um operador do submundo e pretendeu ser mais do que isso. Deu errado. Em algum momento, o deputado achou que conquistaria a simpatia duradoura do conservadorismo golpista. Quando ganha a capa da Veja de 15 de maio do ano passado (“A súbita força de Eduardo Cunha”), três meses depois de eleito para a presidência da Câmara, ele talvez tenha imaginado que ali estaria se cacifando como nome de peso da direita brasileira.

Cunha passa a ser festejado pela grande imprensa, com notícias enviesadas que sutilmente condenam suas atitudes, mas ao mesmo tempo exaltam sua inteligência e seu poder de convencimento e de manobra. E assim ele mergulha na hipnose de que, no comando da Câmara, depois do golpe seria ainda mais poderoso.

Quando diz agora que outros podem cair junto, o mafioso sabe, pelo desrespeito aos códigos de conduta, que ninguém terá o socorro de antigos aliados, muito menos dos que os ajudaram na construção do impeachment.

Cunha conhece a história de cada um dos deputados, inclusive os honestos. Assim como sabe muita história de gente de fora do Congresso que o empurrou para a famosa sessão da Câmara de 17 de abril.

Quatro dias depois da votação pela abertura do processo de impeachment, a capa da Veja de 21 de abril de 2016 saiu com uma foto sombria da cara de Cunha e esta manchete: “Fera, odiado e do mal”. E os jornais passaram a publicar editoriais massacrantes, nunca antes pensados, de “fora Cunha”.

O prestativo operacional era jogado no ralo. Deve ser também para estes, os que o abandonaram, que mandou o recado na Comissão de Constituição e Justiça. Para os mal-agradecidos que se lambuzam com o interino Michel Temer e desprezam o ex-parceiro responsável pela montagem de todo o cerimonial do golpe.

Cunha não é mais nada, é apenas um ameaçador. Nunca um golpe descartou, já no dia seguinte, o sujeito que o viabilizou. Sua turma do baixo clero perdeu a eleição para a presidência da Câmara para a velha direita.

Cunha conseguiu o milagre de fazer com que os medos por ele provocados ressuscitassem até o PFL. Será cassado, humilhado e pisoteado pelos ex-aliados. Foi o grande otário de uma vitória que não lhe serviu para nada. E que talvez acabe não servindo também para os seus criadores.

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