MOVIMENTO

Educação mobilizada contra as propostas de Temer

Por Gilson Camargo / Publicado em 5 de outubro de 2016

Educação mobilizada contra as propostas de Temer

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

A Medida Provisória 746/2016 que reestrutura e flexibiliza o ensino médio no país, anunciada pelo governo federal no último dia 22 de setembro, foi recebida com protestos por entidades e movimentos ligados à educação no país. Após uma enxurrada de notas públicas de repúdio, a reforma do ensino médio, como vem sendo chamada, desencadeou manifestações e atos públicos que denunciam o caráter privatista da medida.

Durante toda esta quarta, 5 de outubro, a Frente Gaúcha Escola Sem Mordaça, criada em contraponto ao movimento Escola sem Partido, promove em Porto Alegre uma série de atos contra as reformas do governo, como a PEC 241, que limita gastos com a educação pelos próximos 20 anos, e a MP 746. Para o próximo domingo, 9, está marcado o Ato em defesa das escolas plurais e democráticas, com concentração e show musical no Parque da Redenção, também na Capital gaúcha. A manifestação terá distribuição de panfletos e caminhada dos manifestantes usando mordaças pretas.

Os pontos mais polêmicos
Para os educadores, a proposta de reforma tem vários pontos polêmicos e abre caminho para a terceirização e a precarização das relações de trabalho ao admitir que as aulas do ensino técnico e profissional possam ser ministradas por profissionais com “notório saber” – ou seja, sem formação acadêmica específica na área que lecionam –, reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino para ministrar conteúdos afins à sua formação.

A MP 746/2016 não apresenta uma definição sobre obrigatoriedade do ensino de sociologia, filosofia, arte e educação física, um dos pontos mais questionados. Determina apenas que a inclusão ou não dessas disciplinas da área de humanas será decidida pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que está em elaboração desde o ano passado e tem como objetivo nortear e definir o conteúdo que os alunos deverão aprender a cada etapa de ensino. As diretrizes específicas para o ensino médio só serão discutidas a partir de agora e deverão ser finalizadas até meados de 2017. “Além de ter sido imposta sem discussão prévia, faz referência constante a um documento ainda não finalizado, já que vários de seus parágrafos e incisos apontam para a BNCC”, aponta Manifesto elaborado por um grupo de professores e estudantes do curso de Letras e por professores do Colégio de Aplicação da Ufrgs e aprovado em assembleia da Comunidade de Letras, no dia 4 de outubro.

A professora Russel da Rosa, coordenadora da Frente Escola sem Mordaça no RS afirma que a proposta de reforma representa o retrocesso em todos os sentidos. Ela lembra que a inclusão do ensino de artes, filosofia e sociologia, como componentes curriculares obrigatórios é muito recente no ensino médio e foi o resultado da luta dos educadores por muitos anos. “A suposta flexibilização curricular retira a obrigatoriedade dessas áreas de conhecimento, fundamentais para formação plena dos estudantes. Além disso, a profissionalização retoma uma experiência da LDB de 1971, da ditadura militar, a qual produziu currículos nas escolas públicas que não preparavam para o ingresso no ensino superior e que também não habilitavam para o mundo do trabalho, pois as escolas não foram equipadas para promover uma formação profissional de qualidade”, aponta.

Para Russel, a flexibilização dos currículos pode ser uma estratégia para retirar a obrigatoriedade das disciplinas das ciências humanas (história, sociologia e filosofia). O discurso que legitima essa flexibilização aponta o objetivo de melhorar o desempenho dos estudantes em exames de larga escala como o Enem, o Sistema de Avaliação do Ensino Médio (Saeb) – que contribui para a produção do índice de Desenvolvimento do Ensino Básico (Ideb) e o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), da Organização Mundial do Comércio (OMC). O Pisa só avalia o desempenho em língua materna, matemática e ciências da natureza. “Se o objetivo é melhorar a posição do Brasil nesse ranking internacional, as ciências humanas são consideradas dispensáveis. Soma-se a isso o fato de a Escola sem Partido pretender censurar o estudo de conteúdo das ciências humanas. Assim a flexibilização dos currículos cumpre indiretamente o objetivo do Movimento Escola sem Partido”, constata. “Essa alteração curricular ignora a importância da arte e das ciências humanas na formação plena do estudante para o exercício da cidadania, a produção e a fruição cultural como parte do processo civilizatório”, alerta Russel.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (Contee), o Movimento Nacional pelo Ensino Médio, criado por dez entidades da área educacional, o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes/SN), o Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS), entre outras entidades, também repudiam a MP 746 e questionam o modelo pretendido pelo governo, a começar pelo expediente utilizado, via medida provisória, e a falta de debate prévio com educadores, especialistas e representantes dos estudantes.

Descumprimento da Constituição
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) do Ministério Público Federal também alertou para o descumprimento da Constituição: “a utilização do instrumento da Medida Provisória para tratar de tema tão sensível e complexo é temerário e pouco democrático. As mudanças a serem implementadas em um sistema que envolve 28 redes públicas de ensino (União, Estados e Distrito Federal) e ampla rede privada precisam de estabilidade e segurança jurídica, o que o instrumento da Medida Provisória não pode conferir, uma vez que fica sujeito a alterações em curto espaço de tempo pelo Congresso Nacional. Ademais, por se tratar de tema que envolve milhares de instituições públicas e privadas, centenas de organizações da sociedade civil e milhões de profissionais, imaginar que um governo pode, sozinho, apresentar uma solução pronta e definitiva é uma ilusão incompatível com o regime democrático. Mais que inefetiva, a apresentação de soluções fáceis para problemas complexos é um erro perigoso”.

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