Servidores do estado ocupam Praça da Matriz contra pacote privatista de Sartori

Governo envia à Assembleia plano que prevê a privatização de estatais e demissão de funcionários, entre outras medidas no âmbito financeiro
Por Flávio Ilha / Publicado em 22 de novembro de 2016
Servidores do estado ocupam Praça da Matriz contra pacote privatista de Sartori

Foto: Igor Sperotto

Manifestantes ocuparam imediações do Palácio Piratini sob forte aparato policial

Foto: Igor Sperotto

Servidores de fundações e empresas públicas, sindicalistas, entre outros manifestantes, ocuparam nesta terça-feira, 22, a Praça da Matriz, no centro de Porto Alegre, para protestar contra o pacote do governo que prevê privatização de estatais e demissão de funcionários, entre outras medidas no âmbito financeiro. O ato se estendeu à Esplanada da Assembleia, em frente ao Palácio Piratini.

A ocupação, segundo as lideranças do movimento, deve ser mantida até a votação dos projetos do governo, prevista para ocorrer em dezembro. Entre as medidas anunciadas estão a previsão de extinção de nove fundações (veja lista abaixo), a possibilidade da venda de três companhias públicas sem necessidade de plebiscito e a privatização de uma empresa.

Além disso, o pacote ataca direitos dos servidores públicos e determina alterações no calendário de pagamento, garantido pela Constituição estadual, e o confisco de metade do 13º salário, que poderá ser quitado somente no mês de novembro do ano subsequente.

Além do pacote, anunciado na tarde de segunda-feira, 21, o governador José Ivo Sartori (PMDB) publicou decreto nesta manhã determinando estado de calamidade pública nas finanças estaduais. Secretários de estado e dirigentes de órgãos e entidades da administração pública estadual, sob a coordenação da Secretaria da Casa Civil, ficam autorizados a adotar “medidas excepcionais” que sejam necessárias à “racionalização de todos os serviços públicos, salvo aqueles considerados essenciais”.

A reação às medidas sugeridas por Sartori para a situação de insolvência do governo foi imediata. Deputados da oposição se revezaram em discursos durante a ocupação da Praça da Matriz para denunciar o caráter de desmonte dos projetos. “É um desastre. O pacote é ruim na forma e no conteúdo, feito de afogadilho e sem discussões com a sociedade, com os deputados e muito menos com os servidores”, criticou o deputado Pedro Ruas (PSol).

A deputada Stela Farias (PT) denunciou o caráter “ultraliberal” do pacote e disse que as medidas são “uma ofensa” ao orçamento público. Segundo a parlamentar, desde que assumiu – há quase dois anos – o governador vem construindo uma narrativa de dificuldades para justificar a adoção dessas medidas, que servem ao capital privado em detrimento do serviço público. Também criticaram o pacote o deputado Nelsinho Metalúrgico (PT) e a deputada Manuela D’Ávila (PC do B).

Servidores do estado ocupam Praça da Matriz

Foto: Igor Sperotto

Mobilização se estendeu à Praça da Matriz e imediações da Assembleia, que foi fechada pela polícia

Foto: Igor Sperotto

Pela manhã, os acessos ao Palácio Piratini e à Assembleia Legislativa foram fechados e guarnecidos por um forte aparto militar – pelo menos quatro vans da Brigada e um batalhão de choque ficaram de prontidão dentro da sede do governo gaúcho. O trânsito de carros e ônibus também foi desviado. Pedestres foram impedidos de circular na frente do prédio.

Na Assembleia, havia grades de proteção nas calçadas. As portas metálicas foram fechadas e o acesso, apenas para servidores credenciados, foi permitido somente pela garagem. Havia mais guarnições de choque da Brigada localizadas em pontos estratégicos da Praça da Matriz.

Apesar do aparato militar, não houve conflitos com a Brigada. Um grupo de seis estudantes tentou se aproximar da entrada do Palácio e foi repelido pelos seguranças. Aos socos e empurrões, a guarda palaciana afastou os manifestantes que continuaram gritando palavras de ordem. A intenção era ocupar o Palácio.

Resultado pífio
Entre as medidas mais severas propostas pelo governador está a extinção de nove fundações estaduais, quase todas ligadas à pesquisa e ao ensino. Entre elas, a Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro), organização fundada em 1919 e que reúne mais de uma dezena de estações experimentais pelo Rio Grande do Sul; a Fundação de Economia e Estatística (FEE), que produz diagnósticos econômicos usados pela administração pública; e a Fundação de Ciência e Tecnologia (Cientec), que é referência internacional na pesquisa e desenvolvimento de processos e produtos.

A Associação dos Servidores da FEE, em nota, disse que a proposta de extinção do órgão “equivale a decretar o fim de todos os trabalhos que a Fundação desenvolve há 40 anos”. Atualmente, são 25 indicadores e oito publicações com séries históricas e metodologias próprias. “É difícil precisar o valor desse montante de informações, embora seja fácil dimensionar a nulidade da economia e o enorme estrago para esse patrimônio”, dizem os servidores.

A economia anual do governo com a extinção das fundações públicas chega a R$ 137 milhões – resultado considerado pífio pelas lideranças sindicais que combatem o pacote. A extinção, além do prejuízo em áreas estratégicas do ensino e da pesquisa, vai causar a demissão de pelo menos 1,2 mil servidores.

Também estão na mira de Sartori, entre outras, a Fundação Zoobotânica, que administra o Parque Zoológico e o Jardim Botânico do estado, e a Fundação Piratini, que congrega a TV Educativa e a rádio FM Cultura – referência de comunicação pública no país.

O “pacote de maldades”, como classificou a deputada Manuela D’Ávila, não para por aí. Sartori quer alterar as datas de pagamento do funcionalismo público como forma de institucionalizar o parcelamento de salários, que vem sendo praticado pelo governador há dez meses seguidos. A Constituição estadual manda que os funcionários sejam pagos até o último dia útil do mês da prestação do serviço.

Resultado pífio

Foto: Igor Sperotto

“Pacote de Maldades” enviado à Assembleia extingue fundações que são referência no país e privatiza o que resta do patrimônio – após longo período de sucateamento pelo próprio governo

Foto: Igor Sperotto

Pelas emendas constitucionais enviadas por Sartori à Assembleia no início desta tarde, os servidores com vencimento bruto até R$ 1,3 mil receberão seus vencimentos no quinto dia útil do mês seguinte; quem recebe até R$ 2,9 mil, no dia 10; quem tem salários até R$ 6 mil, no dia 15; e quem recebe acima desse valor terá seus vencimentos quitados apenas no vigésimo dia do mês seguinte.

Além disso, outra emenda constitucional pretende confiscar 50% do 13º salário dos servidores, estabelecendo que a quitação do débito possa ser feita apenas no final de novembro do ano seguinte. Pela Constituição, o salário deve ser quitado até o dia 20 de dezembro do ano em curso. Para ser aprovada, uma emenda constitucional precisa do apoio de pelo menos 37 deputados – dos 55 que compõem a Casa.

Em reunião na manhã desta terça-feira, sindicatos filiados à Federação Sindical dos Servidores Públicos do Rio Grande do Sul (Fessergs), com o apoio dos sindicatos da área de segurança e do Cpers Sindicato, estabeleceram uma linha de enfrentamento aos projetos. A entidade convocou um ato unificado para o próximo dia 20 de dezembro em frente ao Palácio Piratini.

Também haverá campanhas de conscientização da sociedade sobre o impacto das medidas. “Nossa luta nunca se resumiu à nossa questão salarial, embora isso seja um direito, mas pelo serviço público que todos os contribuintes diretos e indiretos têm que receber”, disse o presidente da Federação, Sérgio Arnoud.

 Outras medidas do ‘pacote de maldades’ de Sartori

  • 39 medidas, entre decreto, projetos de lei, projetos de lei complementar e emendas constitucionais.
  • 30 delas tramitarão em regime de urgência, ou seja, o prazo de discussão e votação é de um mês.

Privatização
Companhia Riograndense de Artes Gráficas (Corag)
Extinções, com respectiva demissão dos funcionários celetistas
Fundação Piratini (rádio Cultura e TVE)
Fundação Zoobotânica
Fundação de Ciência e Tecnologia (Cientec)
Fundação de Desenvolvimento de Recursos Humanos (FDRH)
Fundação de Economia e Estatística (FEE)
Fundação de Pesquisa Agropecuária (Fepagro)
Fundação de Ensino e Pesquisa de Saúde (FEPS)
Fundação Gaúcha de Tradição e Folclore
Metroplan

Além disso, o pacote pede autorização constitucional para privatizar ou federalizar a CEEE (Companhia Estadual de Energia Elétrica), Sulgás e Companhia Riograndense de Mineração (CRM) sem a necessidade de plebiscito

Secretarias
Acabam as secretarias de Cultura, de Justiça e Direitos Humanos e Secretaria Geral de Governo. A Cultura será incorporada ao Turismo e ao Esporte, a Justiça e Direitos Humanos será integrada à estrutura do Desenvolvimento Social e Trabalho e a Secretaria Geral de Governo irá compor a área de Planejamento e Gestão do governo.

Previdência
O projeto aumenta a contribuição de ativos e inativos dos atuais 13,25% para 14%

Outros poderes
Altera os repasses constitucionais ao Judiciário e ao Legislativo, que serão calculados de acordo com a Receita Corrente Líquida do estado. A previsão de economia para o Tesouro, nesse caso, é de R$ 575,7 milhões considerando dados referentes a 2015.

Empresas
Projeto reduz em 30% os créditos fiscais presumidos referentes a 2016, 2017 e 2018 com impacto financeiro de R$ 300 milhões por ano. Outro projeto antecipa o recolhimento do ICMS pelas empresas do dia 21 para o dia 12.

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