OPINIÃO

A hora da rendição

Por Moisés Mendes / Publicado em 6 de janeiro de 2017

A hora da rendição

Foto: Tânia Rêgo / Agência Brasil

Foto: Tânia Rêgo / Agência Brasil

Apoiadores do golpe de agosto do ano passado poderiam fazer um gesto simbólico de rendição e finalmente entregar todos os utensílios usados nos panelaços que ajudaram a armar o circo do impeachment na imprensa, na Avenida Paulista, no Parcão e no Congresso. Chegou a hora de admitir a derrota. Lembraremos daqui a alguns anos que o governo do Jaburu acabou num verão de chacinas e degolas.

Mas é preciso que protagonistas, figurantes e ajudantes do golpe apresentem simbolicamente todas as panelas usadas contra Dilma, como acontece quando da deposição de armas. Panelas amassadas, com as marcas daquele inverno, deveriam ser banidas das casas como lembranças de uma guerra que não deu certo. É o momento da remissão.

Os que bateram panelas trocaram um governo eleito por um sujeito vacilante e acovardado diante da tragédia da Chapecoense. Que ficou três dias calado, para tentar, com seu silêncio, tirar proveito político do massacre na cadeia de Manaus. E, quando falou, classificou as degolas como um “acidente terrível”.

Três dias para refletir, para articular uma declaração política formal que não ofendesse seus apoiadores (para os quais bandido bom é bandido morto), e o homem do Jaburu acaba classificando a carnificina de um presídio privado, em que matança dá lucro, como acidente. E logo depois anuncia que sairá pelo país distribuindo ambulâncias.

Em meio a desemprego recorde, massacres nas cadeias, desesperança e abandono (inclusive por parte da Globo), o homem anuncia que vai distribuir ambulâncias. O símbolo da corrupção dos sanguessungas, o objeto de adoração de prefeitos acomodados passa a ser também o símbolo do governo do Jaburu. O governo dos coronéis das ambulâncias.

Os batedores de panelas, confrontados com essa realidade, teriam de admitir que perderam. E entrar em uma fila, em algum lugar determinado pelas prefeituras, e entregar suas panelas amassadas. Poderiam, se quisessem, esconder o rosto. Não precisariam se identificar nem prestar contas. Apenas deporiam armas.

Os que bateram panelas com entusiasmo cívico, nas sacadas dos prédios da Barra da Tijuca, em apoio a Eduardo Cunha. Os que fizeram batucadas ao redor do Parcão, os que seguiram o pato da Fiesp. Todos, inclusive os homens da imprensa dita independente, deveriam finalmente depor panelas.

A imprensa foi derrotada pelo golpe que ajudou a produzir. Todos os projetos do trabalho sujo entregue ao homem do Jaburu não compensam o estrago feito. A reforma da Previdências (que pega os mesmos de sempre), a reforma trabalhista (na mesma linha), o teto de gastos para saúde e educação para que sobre dinheiro para pagar juros aos capitalistas que vivem do Tesouro, tudo isso tem um custo alto demais.

Até o Jornal Nacional já começou a depor panelas. E parte do jornalismo já debandou, nem sempre como admissão da derrota, mas às vezes como estratégia para preparar o novo golpe mais adiante. Políticos oportunistas já entregaram suas panelas, muitas que nem chegaram a ser usadas.

Mas ainda falta o cidadão comum que se vestiu de verde e amarelo, produziu vídeos no youtube, reproduziu o discurso do Bolsonaro e alinhou-se com o Zé Agripino. Este cidadão precisa admitir que perdeu.

Os batedores de panela perderam, não porque o governo do homem do Jaburu, do Padilha, do Serra, do Geddel, do Jucá, do Moreira Franco e do Mendoncinha seja o mais reacionário de todos os governos. Afinal, este era o projeto. Perderam porque deram chance a um governo medíocre.

Parte da classe média que se rebelou contra o PT para se livrar de Dilma, das cotas, do ProUni e do Bolsa Família, e que não queria viajar de avião ao lado de pobres, mas fez selfies com os filhos do Bolsonaro, deve depor panelas, porque já foi abandonada até pelo Lobão, por Janaína Paschoal, Miguel Reale Júnior, Hélio Bicudo. Os batedores de panela ficaram sozinhos com suas ilusões moralistas. Seu último totem é o juiz Sérgio Moro.

O Brasil não irá se reencontrar com a democracia enquanto os que contribuíram para o golpe, incluindo personagens do Ministério Público e do Judiciário, não tiverem a grandeza dos que erram e admitem que erraram. É o sofrimento inútil dos batedores de panela que prolonga a sobrevida de um governo destruidor também das ilusões dos que o apoiaram.

Moisés Mendes | Jornalista, autor do livro Todos querem ser Mujica – Crônica da Crise (Diadorim Editora, 154 páginas).

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