OPINIÃO

Educação, ética e corrupção

Publicado em 15 de maio de 2017

Foto: reprodução web

Maquiavel, Bobbio e Comte-Sponville

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A corrupção continua sendo o tema central não só do telejornalismo bem como do cidadão em todos os espaços públicos. Nas universidades e escolas não é diferente. Porém, evidencia-se, por um lado, um constrangimento coletivo e, por outro, predomina um senso comum conservador e superficial. É função das instituições formadoras e dos educadores contribuir no aprofundamento, alargamento e discernimento das relações entre ética e política e, como, também entre economia e corrupção.

A relação entre ética e política e suas conexões com a economia são complexas e requerem menos denuncismo, sensacionalismo e mais análise para que seja produzido um conhecimento sobre os fatos, não meras informações e responsabilizações parciais e pessoais.  A forma que estamos enfrentando este debate tem contribuído ainda mais para despolitizar a sociedade e separar este grave problema nacional de outros que estão diretamente relacionados, como: desigualdades sociais e econômicas, baixos investimentos em educação, organização do sistema político, financiamento das campanhas, as relações promíscuas das grandes empresas e do capital com o Estado, a baixa participação popular nos processos democráticos, configuração do judiciário e nomeação de juízes pelos governantes, meios de comunicação dominados por empresas familiares e péssimo conteúdo, entre outras. Atribuir somente à corrupção a causa maior e genérica de todos os males da nossa sociedade é uma estratégia das elites e de seus formadores de opinião de nos afastar da política e de outros temas tão ou mais relevantes.

Para ampliar o debate vamos retomar algumas reflexões da filosofia política, especialmente a que nasce na Grécia e nas discussões do Estado moderno, a partir de pensadores como  Maquiavel, Norberto Bobbio e Andre Comte-Sponville.

Na filosofia grega, temos a origem da política, enquanto expressão da vida na polis (cidade) e da vida coletiva, exercida em espaços públicos que tinham como finalidade maior a mediação e administração dos diferentes interesses em prol do bem maior, ou seja, o bem comum. Em toda sociedade haverá interesses diferentes e privados, mas cabe a política a gestão para prevalecer o interesse da maioria. Já a ética, que deriva de Ethos (morada interior), compõe o projeto de formação integral do ser humano através da educação  do caráter,  das vontades e dos desejos, muitas vezes, ilimitados. No mundo grego não havia uma moral, mas várias morais. Cada escola filosófica tinha a sua. O que suscitava interesse no pensamento grego não era tanto a relação entre ética e política, mas o problema da relação entre bom governo e mau governo. Tinha-se clareza que a ética estava voltada à formação das virtudes humanas e, a política, a gestão dos interesses coletivos na vida na polis.

A virtude, dizia Aristóteles, pode ser encarada sob dois pontos de vista: enquanto resultado da inteligência e enquanto produto dos costumes. No primeiro caso, enquanto inteligência, ela pode ser ensinada, é suscetível de geração e crescimento, por isto precisa de tempo e de experiência; no segundo caso, nasce  ethos (costume, hábito), daí deriva a ética. Isto permite afirmar que nenhuma virtude moral existe em nós enquanto produto imediato da natureza, porque nada que provém da natureza pode ser alterado por costumes. Portanto, as virtudes, dizia este filósofo, nunca são em nós fruto da natureza, nem contrários a natureza, mas apenas somos dotados da capacidade de recebê-las, cabendo a nós aperfeiçoá-las através da educação e dos bons hábitos. Como, historicamente, no Brasil, negligenciamos investir na educação do brasileiro – seja o cidadão, seja o político ou empresário -, hoje padecemos da falta de Virtudes em todos os campos, da política à economia, da vida pessoal à profissional.

Em Maquiavel, a política, pela primeira vez, é mostrada como esfera autônoma da vida social e não é pensada a partir da ética nem da religião. Rompe com os antigos e com os cristãos e passa a ser campo de estudo independente, pois política tem regras e dinâmica independentes de considerações privadas, morais, filosóficas ou religiosas. Para o historiador e filósofo italiano, a esfera da política é a esfera do poder por excelência e trata-se de uma atividade constitutiva da existência coletiva, tendo prioridade sobre todas as demais esferas. Em suma, as ideias de Maquiavel fizeram da política a arte de governo e uma função totalmente separada da ética e da moral, pois a política deve ser um fim em si mesmo.

Norberto Bobbio, professor da Universidade de Turim e senador vitalício na Italia, dedicou intensos estudos na relação entre em Ética, Política e Gestão Econômica. Analisou o dualismo entre ética e política enquanto herança da relação da Igreja e Estado, de uma instituição cuja missão é a de ensinar, pregar, indicar leis universais de conduta reveladas por Deus e, outra, uma instituição terrena cuja função é assegurar a ordem temporal nas relações dos homens entre si. Uma ação moralmente boa é aquela realizada de acordo com certos princípios universais e, uma ação politicamente boa é uma ação que tem sucesso, que atingiu sua finalidade. Portanto, quem age segundo princípios não se preocupa com o resultado de suas ações, mas aquilo que deve fazer. Já quem se preocupa com os resultados, faz aquilo que é necessário fazer. Como percebemos, o télos (finalidades) da moral e da política são bem distintos.

Na obra O capitalismo é Moral?, André Comte-Sponville distingue os campos em quatro ordens: Tecnocientífica, Jurídico-política, Moral e Ética. Na Tecnocientífica, estão a ciência, a tecnologia e a economia, para as quais não há limites, pois a economia busca a produção da riqueza e explora todas as possibilidades sem limites e, a ciência, investiga até onde for possível e, ela mesma, não se põe limites. Será função da segunda ordem, a jurídico-política, a responsabilidade de estabelecer os limites e parâmetros para a ordem anterior, algo que fica difícil no caso brasileiro devido a promiscuidade nas relações entre as duas ordens. A terceira ordem, a da Moral, engloba o conjunto de nossos deveres, das obrigações ou das proibições que impomos a nós mesmos, sendo histórica, cultural e relativa; engloba um conjunto de normas que a humanidade criou para resistir a selvageria e a barbárie que se originou entre os homens. A quarta ordem, a Ética, consiste em um conjunto de valores, virtudes e princípios que deveriam balizar tanto a ciência, a economia, o direito e a política, pois está ancorada na justiça, honestidade, igualdade e no respeito aos direitos de todo o Alter, o Outro.

Os problemas do Brasil não se resumem a corrupção e esta não se reduz aos operadores da política. Sua matriz é nosso modelo econômico, da colônia ao capitalismo financeiro atual, viciado no Estado, saqueador das riquezas naturais, exportador de matéria prima bruta, explorador de mão de obra, promotor de uma das maiores desigualdades sociais e econômicas do mundo.  Seja no passado quanto no presente, os maiores beneficiados da corrupção brasileira sempre foram os conglomerados econômicos, grandes grupos empresariais – do agronegócio à indústria, dos meios de comunicação ao comércio, que financiam campanhas, corrompem os políticos e comandam o Estado e os governantes em prol de seus interesses privados. Portanto, para além de um problema de ética na política, a corrupção brasileira é de ordem econômica, desenvolvida e praticada pelos agentes que buscam lucros,  enriquecimentos e acumulação de propriedades com financiamento público, valendo-se desde a corrupção dos gestores à isenção de tributos e impostos.

Alargar o debate e ampliar as causas da corrupção é requisito e condição para seu enfrentamento. Ela está ancorada na economia, contamina a política, desvirtua o foco de nossos reais e estruturais problemas nacionais. “A marca distintiva de uma mente instruída é ser capaz de cogitar uma ideia sem aceitá-la”  (Aristóteles).

Gabriel Grabowski | Filósofo, doutor em Educação, professor e pesquisador.

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