OPINIÃO

Novo Decreto de EaD: flexibilização irresponsável

Por Gabriel Grabowski / Publicado em 5 de junho de 2017

Foto: Agência Brasil

Foto: Agência Brasil

Em prosseguimento as reformas no campo educacional, o presidente da República e o ministro da Educação, expediram um novo Decreto, de nº 9.057/2017, publicado no dia 26/05, regulamentando a Educação a Distância (EaD) no país. Já no artigo segundo está expresso a que veio: “a educação básica e a educação superior poderão ser ofertadas na modalidade a distância nos termos deste Decreto, observadas as condições de acessibilidade que devem ser asseguradas nos espaços e meios utilizados”. Os padrões de qualidade e as garantias de condições na oferta dos cursos foram minimizadas e flexibilizadas.

O novo decreto afrouxa as regras para o Ensino a Distância, flexibilizando que as Instituições de Ensino Superior (IES) credenciadas criem polos de ensino a distancia por conta própria, inclusive no exterior. Os seus processos de credenciamento e recredenciamento podem ser realizados apenas por meio de vistorias nas sedes das IES, bem como estão autorizadas a credenciar-se apenas para oferta de cursos pós-graduação. A regulação dos polos e o controle de qualidade serão definidos por Portaria do Ministério da Educação, num futuro próximo.

As novas normas trazem mudanças também para a oferta de cursos a distância para o ensino médio e para a educação profissional técnica de nível médio. As alterações estabelecidas neste decreto estão em consonância com a reforma do ensino médio, recentemente implantada no Brasil, através da Lei nº 13.415/2017.  Os critérios, no entanto, ainda estão sendo definidos.

Elogiada pelo setor privado mercantil, a nova regulamentação é criticada por especialistas em Educação. Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, diz que o decreto é um subterfúgio para o governo federal cumprir o que deveria, mas não consegue: garantir matrículas de qualidade. “O governo se ausenta de garantir o direito à educação e oferece janela para privatizações, oferecendo educação de maneira precária e descompromissada, tanto é que esse anúncio ocorre durante o principal evento da educação privada, o Congresso Brasileiro de Educação Superior Particular (Cbesp)”, complementa o professor.

Para Ocimar Alavarse, da Faculdade de Educação da USP, a modalidade é um recurso importante para algumas situações educativas, mas possui também problemas intrínsecos: baixas taxas de engajamento por parte dos estudantes. “A Educação a Distância exige um comprometimento muito grande do estudante. Não é à toa que a modalidade tem a maior taxa de evasão”, diz. Nas instituições privadas, o índice é 35,2% contra 27,9% nos cursos presenciais. “Em um país como o Brasil, onde temos uma taxa muito baixa de acesso ao ensino superior, há essa propensão em baratear. No entanto, isso dá abertura e intensifica as privatizações. A verdade é que o decreto é uma tentativa de contornar a atual retração econômica com precarização”.

Nesta perspectiva, segundo dados divulgados pela 11ª edição da pesquisa TIC Domicílios 2015, 49% dos domicílios brasileiros não possuem acesso à internet, sendo que as classes C e D/E são as mais afetadas, com 51% e 84%, respectivamente. Mesmo que as videoaulas e conteúdos sejam disponibilizados previamente em CD ou pendrive, isto é, dispensando a necessidade de internet, 50% dos domicílios brasileiros não possuem computador, novamente, impactando as classes C (53%) e D/E (87%), principalmente.       

Soma-se a tudo isto o fato de que a expansão da oferta da EaD no Brasil é muito recente, menos de duas décadas. De acordo com o Censo da Educação Superior, realizado em 2015 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), há ofertados no país 1.473 mil cursos superiores a distância, cujo crescimento é de 10% ao ano, desde 2010. Atualmente, são mais de 1,3 milhão de estudantes matriculados, com crescimento de 50% entre os anos de 2010 e 2015. Tal expansão está ancorada no setor educacional de caráter empresarial mercantil do ensino superior, que apostou na oferta em alta escala, de baixo custo para estudantes e com padrão de qualidade mínima apenas para atender requisitos de regulação.

O Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024), entre metas e compromissos, estabeleceu que a educação brasileira tem dois grandes desafios nacionais e de Estado: a universalização e qualificação da educação básica (ensino infantil, fundamental e médio) como, também, a expansão das matrículas dos jovens entre 18 e 24 anos no ensino superior, aumentando da atual faixa dos 17%, para 33%. Para fazer frente a estes desafios, o PNE apontou a necessidade de maiores investimentos em educação, definindo o patamar de 10% do PIB.

Em tempos de crise econômica, há contingenciamento de recursos para educação e saúde, bem como redução de políticas de acesso e financiamento do ensino superior (Fies e Prouni). Fica a pergunta: quem será beneficiado com esta flexibilização e ‘quase desregulamentação” do mercado EaD? Por certo, não serão as IES públicas, Comunitárias e Confessionais que, historicamente, tem prezado pela qualidade da educação; não serão também, os milhões de jovens das Classes C, D/E que não possuem as condições para investir e dedicar-se integralmente a sua formação em cursos e instituições de qualidade reconhecida. Portanto, resta o setor empresarial mercantil como beneficiário direto da política de expansão do MEC. Se já não bastasse o MEC permitir a formação da maior empresa mundial de ensino superior do mundo (Grupo Kroton, Anhanguera, Unic, Unopar, Pitágoras e Estácio), com 1,6 milhões de alunos, agora, passaremos a condenar os jovens pobres à uma Educação a Distância de péssima qualidade. Pura irresponsabilidade!

Comentários