OPINIÃO

O eleitor jogado no canto

Por Moisés Mendes / Publicado em 12 de junho de 2017

O eleitor jogado no canto

Foto: Divulgação/Agência Brasil

Foto: Divulgação/Agência Brasil

O consumidor brasileiro tem mais direitos – e vontade e força para defendê-los – do que o eleitor. É provável que por um bom tempo, cuja duração ninguém será capaz de prever, o eleitor tenha menos valor do que o comprador de qualquer bugiganga, mesmo que ambos sejam a mesma pessoa.

O comprador de um smartphone, de uma TV ou de um colchão é mais temido e ouvido hoje no Brasil do que o eleitor. O eleitor é, desde antes do golpe de agosto, um ser afastado das grandes e das pequenas decisões e resignado com sua insignificância.

Os golpistas perceberam que o brasileiro quer ser respeitado como alguém que consome alguma coisa, mas afastou-se dos seus direitos como quem determina os rumos do país e da democracia. O consumidor não quer ser enganado. O eleitor decidiu que não conversa mais com quem pode continuar a enganá-lo.

É este o enfaro que vem afastando os eleitores das eleições. Foi por isso que os prefeitos das capitais eleitos em outubro (incluindo os Juniores de São Paulo e Porto Alegre) foram escolhidos por uma minoria. A maioria se absteve, ao não aparecer para votar, ou votou em branco ou anulou o voto.

O eleitor da classe média tradicional, que bateu panelas e fez passeatas na Paulista e no Parcão, é um ser amorfo, desorientado e constrangido. O eleitor da classe média progressista, atordoado pelo golpe, é uma figura cansada de política, de militâncias e ativismos.

E o povo, o eleitor das periferias que segurou o lulismo a partir de 2002, moveu-se em direção ao centro e ao conservadorismo. Esta é a realidade que favorece os golpistas, permite a manutenção da articulação de forças de jaburus e tucanos, mesmo que de forma precária, e pode fazer com que todos sejam conduzidos pela inércia até as eleições de 2018, se é que teremos eleições.

Jaburus e tucanos orientam suas ações baseados nesse cenário de desilusões, desinteresses e ignorâncias. O julgamento no TSE, em que juízes trabalharam para destruir provas. A decisão de Michel Temer de resistir, apesar de estar às vésperas de ser denunciado pela Procuradoria-Geral como chefe de quadrilha. Os conchavos que ainda mantêm tucanos ligados ao poder. A espionagem de um ministro do Supremo por arapongas do governo. A preservação do mandato de Aécio Neves. O deboche, a ironia, tudo é lastreado pela certeza de que o povo decidiu alienar-se da política.

Temer mantém seus ministros denunciados, não responde às perguntas da Polícia Federal e poderá até ignorar a lista tríplice de procuradores, com os nomes dos candidatos à sucessão de Rodrigo Janot, para que passe a subjugar também quem deveria enquadrá-lo por formação de quadrilha. Os golpistas perceberam que a política convencional, os tribunais, a Globo (agora na ‘oposição’) e outros inimigos não poderão derrubá-los.

Eles não serão abatidos pela proliferação de frases no Facebook. Nem mesmo pelos pedidos de impeachment encaminhados à Câmara. Só o que pode determinar a queda de Temer e seus cúmplices é o povo nas ruas. O golpe somente chegaria ao fim com uma mobilização capaz de abalar Brasília.

Os usurpadores do governo são os primeiros descobridores de que o mundo virtual não derruba nada. O que ainda expressa forças e medos é o mundo real. É assim na Grécia, na Venezuela, na Turquia. Descobre-se, talvez tardiamente, que as redes sociais provocam alvoroços, agendam eventos, reverberam gritarias. Mas não substituem as ruas.

O golpe evolui na carona dessa certeza. A direita aposta que Lula será condenado, em primeira e segunda instâncias, para que a Lava-Jato de Curitiba repare parte dos danos provocados pelo TSE. E confia até mesmo que Lula venha a ser preso e que nada aconteça.

A direita está certa de que o brasileiro desistiu da política, não só porque passou a desprezá-la, mas porque deixou de tentar entendê-la. O golpe aposta nesses sentimentos e também na ignorância. Não só na desinformação deliberada, no alienamento, mas na ignorância.

Os eleitores ignoram não só o momentâneo, a notícia, a circunstância, mas a estrutura social em que vivem, a política que a manobra e sustenta, os interesses que os mantêm desconectados da realidade. O golpe aposta, sim, no distanciamento dos ignorantes.

Os golpistas enganam, negaceiam, mentem, porque parte da população não quer saber mais da política e parte importante não tem como percebê-la como orientadora das suas vidas. A direita sobrevive da desilusão e da ignorância dos outros.

A política passa a ser exercida pelos que se apoderaram do governo e aparelharam o Ministério Público e o Judiciário. Por isso o brasileiro é hoje muito mais um consumidor de coisas e serviços, atento à funcionalidade e à qualidade do que adquire, e menos um cidadão.

O brasileiro desistiu da política, enquanto o golpe lhe subtrai as leis do trabalho e da previdência e prepara a destruição da Constituição de 88. O governo provisório resiste e avança porque o eleitor não quer mais enfrentá-lo.

Só o imponderável de um fato novo e avassalador pode acabar com o golpe e resgatar a democracia, talvez sem a participação do povo.

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