OPINIÃO

As Diretas, os valentes e os acovardados

Por Moisés Mendes / Publicado em 11 de julho de 2017

 

Criolo, em ato-show por Diretas Já em junho, que teve público superior a 100 mil manifestantes em São Paulo

Foto: Midia Ninja/Divulgação

Criolo, em ato-show pelas Diretas Já em junho, diante de mais de 100 mil manifestantes em São Paulo

Foto: Midia Ninja/Divulgação

Para que serviu a campanha das Diretas Já, se o golpe conseguiu minar as últimas forças da classe média e agora se rearticula em torno de Rodrigo Maia e de Henrique Meirelles? Alguns podem dizer que serviu apenas para deixar as esquerdas ainda mais melancólicas.

Outros dizem, desde as primeiras manifestações, antes mesmo do golpe de agosto, que as Diretas Já seriam somente um slogan antigo, fora do tempo, com uma promessa frustrada por antecipação.

O eleitor, diziam esses, não poderia ser enganado pelas expectativas de um projeto improvável. E assim, em meio ao desalento geral, a ideia das Diretas parece ter naufragado, a não ser que o milagre do improvável a ressuscite mais adiante.

Pois os artistas, sempre eles, levaram adiante a ideia das Diretas não só como apelo de retórica e apenas para manter desatinados e dispersos em torno de uma ilusão. Artista sempre acredita em forças capazes de mobilizar energias, discursos e ações e contrariar previsões pessimistas.

Ficaram sozinhos. Os destruidores da ideia das Diretas Já, dentro das esquerdas, transformaram-se no inimigo que a direita sempre desejou ter. Alguns defenderam argumentos táticos, como o de que uma eleição antecipada poderia destruir Lula, o PT e as esquerdas. E outros se desculpavam porque não há como lidar concretamente com o que não teria a mínima chance de acontecer.

As Diretas Já seriam uma enganação. Mas as esquerdas fatalistas metidas a inteligente não aprendem nem mesmo com a direita. Quando o projeto do golpe começou a ser articulado, o país assistiu a uma sequência de fatos que pareciam condenar ao fracasso o plano inicialmente pensado pelo PSDB.

Eduardo Cunha, um corrupto, conduziria o processo na Câmara. Janaina Paschoal e Miguel Reale Júnior formavam, como autores do pedido de impeachment, uma das duplas mais esdrúxulas da política.

A acusação contra Dilma era a das pedaladas, e ninguém sabia direito, nem sabe até hoje, do que se tratava. O Congresso que iria julgá-la era majoritariamente um reduto de pilantras. O sucessor da presidente golpeada seria um medíocre, que passou a ser visto pelo país como um traidor, quando já se suspeitava de que também era corrupto.

Dilma foi golpeada por essa turma, porque eles acreditaram no projeto do golpe. A alta máfia do Congresso (e não só o baixo clero, como se pensa), articulada com o pato da Fiesp, a imprensa e parte do Ministério Público e do Judiciário da força-tarefa da Lava-Jato, derrotou os que subestimavam Cunha, Janaína, Temer, Aécio e seus comparsas.

Mesmo depois do espetáculo da abertura do processo pela Câmara, quando o país finalmente conheceu seus deputados, suas famílias, suas crenças religiosas, seus deuses e suas farsas, o Senado confirmou o golpe. E a sessão que derrubou Dilma foi comandada pelo presidente do Supremo.

A direita avançou porque sabia que poderia contar até o fim com a conivência da mais alta Corte do país, com o argumento de que um golpe também é dado em uma cerimônia com a anuência constitucional do STF. Os golpistas sabiam que um fato levaria a outro e que a aparente lógica do absurdo seria quebrada a cada passo dado, por mais absurdo que fosse, até o golpe.

São esses os passos que a esquerda não sabe ou não quer dar. Diziam os fatalistas da linearidade burra que a mobilização pelas Diretas nascera morta porque a emenda constitucional que a viabilizaria não teria chance de prosperar no Congresso.

A esquerda cartesiana, ao contrário da direita pragmática, perdeu a capacidade de ver que a política não caminha em linha reta, que um evento muda o rumo dos que virão em sequência e que o medo do impossível é a desculpa dos que se acovardam.

Por isso o apelo pelas Diretas foi encampado por artistas, mas desprezado pelos políticos. É um consolo. Quem vê Hique Gomez estampar no palco do Theatro São Pedro a bandeira das Diretas Já, no espetáculo A Sbørnia ContraAtracka, sabe que a arte, muitas vezes, leva adiante a política desqualificada pelos profissionais que vivem dela (e que foram eleitos para defendê-la).

A campanha das Diretas não deixou mais depressiva a classe média que a entendeu no contexto do golpe, mesmo que a perspectiva fosse a da desilusão. As Diretas Já mantiveram a democracia sob a proteção dos que acreditaram na subversão dos destinos.

Se a política profissional desistiu de acreditar na política, problema dela e dos que a sustentam formalmente em Brasília. Alguns, como os artistas, fizeram o que tinham de fazer.

Daqui a alguns anos, quando a esquerda deixar de ser tão esquemática e voltar a radicalizar sua vocação (e não viver de conchavos e coalizões), talvez se entenda o que ainda pode acontecer em 2017, quando o golpe segue em frente e insinua que seu grande projeto é abortar a eleição à presidência no ano que vem. Duvidam? A direita não duvida.

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