POLÍTICA

Lei de migração: um avanço em meio a tantos retrocessos

Num legislativo conservador e diante de uma conjuntura internacional reacionária, a nova legislação para estrangeiros dá um passo à frente sobre o tema
Por César Fraga / Publicado em 4 de julho de 2017

11/03/2017-Brasília- DF, Brasil- Encontro "Crianças sem Fronteiras" reúne imigrantes e refugiados para um dia de lazer e confraternização. Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

Aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada em maio deste ano, a Lei da Migração foi considerada um avanço por especialistas que participaram nesta segunda-feira, 3 de junho, de audiência pública sobre migração e refugiados, promovida pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE), do Senado. A lei de Imigração foi um dos poucos projetos de lei remanescentes do governo Dilma Roussef, que seguiu trâmite sem encontrar retrocessos pelo caminho no Congresso, o que era maior temor das comunidades estrangeiras que fixaram residência no País de 2010 para cá. A nova Lei substitui a anterior que era remanescente dos períodos de ditadura e possuía um perfil mais autoritário. Conforme especialistas a nova legislação está mais focada nos direitos humanos e é menos policial. A mudança  era aguardada com ansiedade pelas comunidades estrangeiras no Brasil devido à insegurança jurídica a que estavam expostos com a lei anterior. (Leia reportagem do Extra Classe de abril de 2016, Menos policial e mais humana, sobre o tema ).

Renato Zerbini, do Centro Universitário de Brasília (UniCeub)

Foto: Ana Volpe/Agência Senado

Professor Renato Zerbini, do UniCeub

Foto: Ana Volpe/Agência Senado

Para o professor Renato Zerbini, do Centro Universitário de Brasília (UniCeub), a Lei de Migração é o principal legado humanitário do Congresso Nacional em 2017. “A lei menciona sete vezes o princípio da não-discriminação, que é o princípio basilar de todas as nossas falas na noite de hoje”, explica. Segundo ele, um país como o Brasil, signatário de vários tratados de direitos humanos, não poderia privar pessoas de desfrutar desses direitos. Zerbini disse considerar que o país já havia se destacado com a Lei de Refúgio, de 1997, que serviu como modelo para leis semelhantes nos países do Mercosul.

Professor André de Carvalho Ramos (USP)

Foto: Ana Volpe/Agência Senado

Professor André de Carvalho Ramos (USP)

Foto: Ana Volpe/Agência Senado

De acordo com professor André de Carvalho Ramos, da Universidade de São Paulo (USP), afirmou que o Brasil ganha quando respeita suas origens e o seu passado de fluxos migratórios. “A história ensina que nenhuma nação ganhou ao rechaçar a mobilidade humana. Um critério importante de avaliação da democracia, explicou, é analisar como um país trata os mais vulneráveis”, disse.  Para ele, os países que tentaram nesses últimos 100 anos estabelecer o chamado Estado fortaleza fracassaram. “As sociedades se movem, quer os governantes queiram ou não. A história da humanidade é uma história de fluxos e nós não estaríamos onde estamos, em todos os continentes, com a pujança da humanidade, se não fossem esses fluxos”, destacou. Ramos também disse que os países não podem tratar a questão da migração com políticas paliativas que funcionam como um “curativo”. No seu ponto de vista, os países precisam pensar no longo prazo e não devem ter o foco apenas na segurança, esquecendo o lado social.  Para ele, a legislatura de 2017 do Congresso Nacional vai ficar marcada, para as gerações futuras, como a que pagou uma grande dívida com os estrangeiros.

Há mais brasileiros em outros países do que estrangeiros no Brasil

O consultor legislativo Tarciso Dal Maso Jardim explicou que a questão dos muros para conter a imigração é antiga e existe em várias partes do mundo. Para ele, esses limites são artificiais, do ponto de vista das antigas comunidades — como ocorreu na delimitação das fronteiras coloniais africanas, por exemplo — e ignoram a forte integração entre os países que fazem fronteira.

O consultor lembrou que há muito mais migrantes brasileiros em outros países que estrangeiros no Brasil. Ele também elogiou a iniciativa do Congresso de aprovar a Lei da Migração e disse acreditar que, ao contrário do que dizem os críticos da medida, a lei é bem elaborada e traz várias inovações, sem deixar de lado a questão da segurança. “O gerenciamento não é o muro, o gerenciamento é a ponte, onde as pessoas conversam. Eu louvo a iniciativa que ocorreu no Brasil buscando um outro caminho para a questão migratória que desembocou na Lei da Migração. Nós buscamos, finalmente, uma solução brasileira para a questão, apesar de uma influência midiática importando problemas alheios”, explica.

84% dos refugiados buscam países em desenvolvimento

Gabriel Gualano de Godoy, oficial da ONU para Refugiados (Acnur)

Foto: Ana Volpe/Agência Senado

Gabriel Gualano de Godoy, oficial da ONU para Refugiados (Acnur)

Foto: Ana Volpe/Agência Senado

O oficial da Unidade de Proteção no Brasil da Agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para Refugiados (Acnur), Gabriel Gualano de Godoy, explicou que a crise de refugiados no Brasil é uma crise, na verdade, de percepção. Outros países do mundo, explicou, enfrentam fluxos muito maiores, especialmente países vizinhos a áreas de conflito.

Outro ponto que precisa ser esclarecido, de acordo com Godoy, é o mito de que refugiados procuram países ricos para refazer suas vidas: 84% deles pedem proteção a países em desenvolvimento. Esses refugiados, explicou, não significam um peso para o país de destino, mas uma oportunidade de contribuir para o desenvolvimento. Como exemplo, citou refugiados sírios que ajudam o país a exportar carne, trabalhando como tradutores em negociações ou orientando as fazendas interessadas em seguir a tradição Halal, que determina se uma comida ou bebida está de acordo com as regras do Alcorão.

O oficial da Acnur fez recomendações que, na sua opinião, deveriam ser adotadas pelo Brasil. Entre elas está a atenção do governo ao pedido de incremento feito pelo Ministério da Justiça para o Comitê Nacional para Refugiados. Ao Congresso, ele pediu a ratificação da adesão do Brasil à Convenção da ONU dos direitos dos trabalhadores migrantes e seus familiares, de 1990. A mensagem de aprovação da convenção já foi enviada pelo Executivo e aguarda a aprovação do Legislativo.

Com informações da Agência Senado

 

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