OPINIÃO

E se o jaburu tivesse morrido?

Por Moisés Mendes / Publicado em 26 de outubro de 2017

Foto: Agência Brasil

Foto: Agência Brasil

O psicanalista Contardo Calligaris já socorreu a aflição culposa dos que desejam em algum momento a morte de alguém como vingança. Calligaris escreveu em artigo que desejar a morte é tão natural quanto desejar o nascimento de uma criança. Sim, não só os criminosos desejam a morte vingativa, escreveu Calligaris, que esta semana poderia socorrer muita gente.

É tão óbvio, mas fica mais confortável com o aval de um psicanalista talentoso também como escritor. Milhões desejaram a morte do jaburu-da-mala, quando o homem foi levado às pressas para o hospital de Brasília na quarta-feira, tanto quanto milhões desejam a morte de Lula. O Facebook teve engarrafamento de vodus. Cheguei a desejar que a torcida contra o jaburu estivesse certa, mas depois revisei minha posição, que explico mais adiante.

Não há por que se constranger por desejar a morte do sujeito protegido pela Câmara da acusação de que é chefe de quadrilha. Só assim afastaríamos o capo do Quadrilhão do poder, antes que ele saqueie e destrua o país.

Os golpistas ficariam dispersos sem o jaburu e teriam que se reagrupar em torno de outra figura, quase certo que ao redor de Rodrigo Maia, pelo menos nos primeiros dias. E o Brasil teria a possibilidade de repensar sua reação à nova etapa do golpe, se é que ainda pretende reagir.

Sem o jaburu, estaria criada outra situação, com outras circunstâncias, e contaríamos ainda com a chance do imponderável. A política e sua capacidade de produzir fatos surpreendentes poderia nos livrar não só do jaburu, mas de toda a quadrilha e suas ramificações.

Porque essa é a grande questão posta hoje: qual será o fim dos golpistas, não só dos parceiros corruptos do jaburu, de Padilha, de Moreira Franco, de Geddel e de Jucá, mas também de Serra (por onde anda Serra?), de Aécio, de Caiado, de Bolsonaro, de Rodrigo Maia, da parceria dissimulada ou nem tanto no Judiciário e no Ministério Público?

Que fim terão os que se mantêm no poder ou no seu entorno, desfrutando dos benefícios oferecidos pela estrutura montada pelo golpe? Quando será esse fim? Qual será o destino do jaburu quando deixar o governo, se o governo chegar ao fim em 2018?

Teme-se que ninguém seja condenado e tenhamos dezenas de Malufs. E Padilha, que fim terá, ou ele nasceu para morrer impune? Os que estão hoje no poder pegarão cadeia? Farão delação? Usarão tornozeleira? Os tucanos continuarão escapando da Lava-Jato?

Desejar que morram pode ser pouco e previsível demais. O jaburu precisa estar vivo para enfrentar o final que talvez esteja à sua espera, como nas boas histórias de vingança. O que se quer é um final grandioso para o teatro do golpe, e pode ser um final grego, com um deus ex machina que nos redima e nos salve.

Um final com uma solução que venha do céu, das nuvens ou das sombras mesmo e que nos ofereça também o conforto revigorante da vendeta. Algo ou alguém que faça o serviço por nós, já que não conseguimos eliminar os corruptos que inventamos e sustentamos. Um final surpreendente e espetacular, para que se dê um desfecho a isso tudo, porque outro jeito parece não existir.

A democracia brasileira perdeu em algum canto a virtude de nos oferecer a esperança de um fim para cada um dos golpistas. Um fim redentor. Torci, em alguns momentos, para que estivessem certos os que anunciavam a morte do jaburu, como se tentassem a mágica de transformar desejos em realidade, mas no fim fiquei com os que pedem mais.

Por isso o final, por enquanto, não pode ser a morte. Há quem imagine algo como um julgamento de Nuremberg, pelo poder simbólico, para assim redimir o sentimento de justiça e o Judiciário das ações seletivas da Lava-Jato, das manobras do Supremo e da figura repulsiva de Gilmar Mendes. Mas também aí sonhamos demais, imaginando que o fim poderá ser dado por uma instituição que hoje persegue alguns e ajuda a viabilizar o golpe.

Que seja como der, que se tenha o possível, desde que todos eles enfrentem um final. Os golpistas terão, em algum momento, de ficar diante do próprio fim. Que seja logo e que no fim se descubra que os deuses ex machina somos nós mesmos.

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