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Villaverde: Para superar o golpe e o seu entulho

Por Gilson Camargo / Publicado em 9 de novembro de 2017
"Aqueles que foram os artífices do golpe também utilizaram uma espécie de estratégia do cupim. Dilapidaram o governo por dentro da sua estrutura. Essas coisas são resultado das relações inconfiáveis"

Foto: Diogo Baigorra/ Divulgação

“Aqueles que foram os artífices do golpe também utilizaram uma espécie de estratégia do cupim. Dilapidaram o governo por dentro da sua estrutura. Essas coisas são resultado das relações inconfiáveis”

Foto: Diogo Baigorra/ Divulgação

O deputado estadual do Partido dos Trabalhadores Adão Villaverde lança nesta sexta-feira, 10, às 18h, no estande da Assembleia Legislativa na 63ª Feira do Livro de Porto Alegre, a publicação Resistência, utopia e construção da hegemonia, 96 p. Ao texto principal que desenvolve a proposta do título e propõe caminhos para que os movimentos sociais e os partidos de esquerda superem o que o autor denomina “entulhos do golpe”, seguem-se 15 artigos do parlamentar publicados em jornais no final de 2016 e ao longo de 2017. Professor e engenheiro, Villaverde foi secretário estadual de Ciência e Tecnologia e do Planejamento, presidiu a Assembleia Legislativa em 2011 e concorreu à prefeitura de Porto Alegre em 2012. É autor da primeira Lei de Inovação Tecnológica do RS, da Lei Villaverde, que controla o enriquecimento de gestores públicos, e da Lei Kiss, que regula a segurança, prevenção e proteção contra incêndios. Além de defender uma coalizão política, o parlamentar sugere a mudança de estratégias políticas pelos partidos do campo democrático. “O caminho para enfrentar esse ataque brutal à democracia é uma frente ampla, evitar a demarcação e o pragmatismo e construir uma perspectiva estratégica de sociedade, porque a gente não concorda com essa que está aí”, resume nesta entrevista.

Extra Classe – Seu livro anterior, É golpe sim! – Terceiro turno sem urnas, o ataque aos direitos sociais e o entreguismo (Sulina, 2016), já alertava para os acontecimentos que prenunciavam o golpe. O que mudou?
Adão Villaverde – O golpe foi um golpe parlamentar, mas totalmente sustentado num apoio midiático, empresarial e de setores do judiciário e dos órgãos de controle. O livro anterior, É golpe sim!…, foi produzido em meio ao embate, entre 2014 e 2016. Premonitoriamente pegou três questões que iriam acontecer, o terceiro turno sem urnas (foi todo o processo de ataque ao resultado eleitoral, que culminou com o golpe) e o brutal ataque à democracia. Dizíamos também que a agenda do golpismo não parava aí. Tinha outros objetivos. O ataque aos direitos e às conquistas, sintetizados nas antirreformas e no congelamento dos investimentos. E um terceiro tema, que caracterizamos como entreguismo, ou seja, a renúncia do projeto nacional, tanto do ponto de vista da entrega do subsolo, como do desmonte das empresas públicas, de quebrar empresas do setor privado, desmontar a engenharia brasileira, atacar o conhecimento, a inteligência através do desmonte e do corte dos recursos na área de pesquisas, desenvolvimento e inovação.

EC – Houve uma renúncia ao projeto de independência e à soberania?
Villaverde – A volta ao modelo tecnologicamente dependente, aquele que se propõe, do ponto de vista do conhecimento, da inteligência, da pesquisa, ser um modelo submisso de transferência de tecnologia de fora para dentro e, portanto, renuncia a um dos maiores avanços que nós tivemos no último período, porque na era Lula e mesmo em parte do governo Dilma conseguimos repatriar muito conhecimento e muita inteligência que foi produzida aqui no Brasil e que estava fora. Exemplos são o setor do polo naval, microeletrônica e informática, muita gente que tinha ido para o Vale do Silício voltou. Esse negócio de produzir plataformas de prospecção de petróleo aqui no Brasil representa trazer gente que tinha se formado aqui e que tinha ido para Singapura. Estamos fazendo um caminho muito similar ao que foi aquele período entreguista do Fernando Henrique Cardoso.

EC – Mas o pretexto é o combate à corrupção.
Villaverde – Uma coisa muito importante e que perpassa esses três eixos é que eles estão construindo uma narrativa de que estariam enfrentando a corrupção e iam tirar o país da dificuldade. Nada como um dia após o outro e nada como o critério da prática como a verdade. O que eles menos queriam era aprofundar investigações nesse país, porque o que eles fazem agora é somente interditar investigação. O país hoje é comandado sem nenhuma legitimidade por uma “confederação de investigados e denunciados”. Ao invés de resolverem o problema da economia brasileira, agravam a crise. Além do desmonte da economia, do agravamento do desemprego, não têm um projeto de desenvolvimento para o país, de crescimento, de geração de emprego e renda. Vieram mesmo para fazer o desmonte das funções públicas, entregar o patrimônio nacional e desenvolver uma política totalmente subordinada, renunciando a qualquer possibilidade de soberania do país.

EC – Qual é a proposta do seu novo livro?
Villaverde – Este é mais de sinalizar caminhos. Versa sobre três grandes questões: temos que resistir ao entulho do golpe e traçarmos uma estratégia. Além de resistir, começar a desenhar ações e iniciativas de como é que nós vamos remover o entulho do golpe. É obvio que esse momento de retrocesso é um momento de ataque brutal à democracia e aos direitos, mas ele também está contextualizado num período de crise e retrocesso internacional.

EC – Como assim?
Villaverde – O que está acontecendo no Brasil também está acontecendo na América Latina e no mundo. Há também um ataque a valores, a conceitos, a princípios que sempre orientaram de forma generosa a esquerda, os democratas e os progressistas, onde a solidariedade, os direitos, a questão democrática, valores fundamentais inclusive do iluminismo, liberdade de expressão, criminalização dos movimentos sociais, da política, todas essas coisas estão dando o tom na conjuntura mundial e os caras aqui estão aproveitando isso. Ocorre o que chamamos de ascenso do fascismo, que aqui no Rio Grande do Sul se expressa no binômio obscurantismo e desgauchização do Rio Grande, e nacionalmente pelo obscurantismo e a desnacionalização.

EC – Que caminhos o livro sinaliza?
Villaverde – Diante disso é necessário que a gente articule uma frente política e social com amplitude, que não precisa ser só de esquerda, ser só os socialistas, mas que abarque essa ideia da defesa dos direitos, da democracia, da solidariedade, da liberdade de expressão, enfim, de valores minimamente humanistas que estão sendo atacados e renunciados por determinados setores da sociedade que, na verdade, nunca os defenderam.

EC – Mas é preciso não repetir os erros do passado, não?
Villaverde – Nós temos que evitar duas coisas: a demarcação e o pragmatismo. Explico o que é isso. A demarcação é a política clássica que determinados setores da esquerda apresentam, uma visão economicista, meramente demarcatória, que renuncia à disputa de poder, que renuncia a uma estratégia de disputar mais a sociedade e vai muitas vezes para o ultraesquerdismo e, em muitos casos, opera como linha auxiliar da direita.

EC – E as alianças?
Villaverde – E temos que evitar – e aí é uma autocrítica, porque são coisas que o nosso campo e nós particularmente do PT fizemos. Fazer alianças políticas, eleitorais, ou construir programas em que o central não é o conteúdo, não é o caráter das alianças, não é a clareza das posições, e depois chegar aos governos e ter que governar pedindo moderação aos movimentos sociais, dizendo que não tem correlação de forças favorável, que tem alianças que não gostaria, mas tem que fazer… Eu não sou contra alianças, mas acho que elas têm que ser feitas em cima de questões programáticas. E não vejo problema nenhum em fazer aliança até com alguns setores liberais, mas tem que ser em cima de programa, tem que ser em cima de compromisso.

EC – O golpe veio de dentro?
Villaverde – Eu não digo que o golpe veio de dentro, mas aqueles que foram os artífices do golpe também utilizaram uma espécie de estratégia do cupim. Dilapidaram o governo por dentro da sua estrutura. Essas coisas são resultado das relações inconfiáveis.

EC – E a utopia?
Villaverde – E por fim eu entro com a ideia da utopia e da construção da hegemonia. Não tem como tu te movimentar num processo político de disputa de rumo da sociedade se não tiver nitidez sobre o que tu queres e o que tu vais fazer. Eu sou daqueles que não renuncio à possibilidade de construir uma sociedade diferente dessa que está aí, uma sociedade humanista, socialista, progressista, democrática, com amplitude, totalmente livre o direito de manifestação, sem nenhuma forma de autoritarismo. E acho que o principal instrumento que a gente tem é aquele que o Gramsci produziu aí nos anos 30, 40, 50, que é a construção da hegemonia. O termo tem sido muito mal-empregado. Não tem nada a ver com o poder absoluto, mas no sentido da luta radical e universal em defesa da democracia e no sentido de acentuar sempre os aspectos persuasivos, argumentativos, de disputa político-cultural, de construção de consensos majoritários, inclusive ter instrumentos para disputar opiniões com a grande mídia, com o judiciário, com todos esses que, na verdade, foram os grandes artífices do golpe.

EC – Ao receber o título de Doutor Honoris Causa na Ufrgs, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos recorreu ao filósofo Spinoza para afirmar que a sociedade brasileira está vivendo um desequilíbrio entre a esperança e o medo. Seu livro também trata desses conceitos, devolver a esperança para a sociedade e impor um pouco de medo àqueles que atentam contra a democracia e os direitos, não?
Villaverde – O Boaventura, citando Spinoza, disse que a balança se desequilibrou. Nós vivemos numa sociedade em que praticamente a totalidade das pessoas vive sob medo, sem nenhuma esperança, e pouquíssimos setores da sociedade vivem sem medo. O centro da luta nesse momento é o seguinte: diminuir o medo da ampla maioria e dar-lhe esperança, porque ela perdeu a esperança; e botar um pouco de medo naqueles que hoje acham que não têm medo nenhum. Isso é uma perspectiva de utopia.

EC – Isso remete para as eleições de 2018?
Villaverde – 2018! Tem toda uma estratégia de inviabilizar a candidatura do Lula. E na minha opinião nós não podemos aceitar isso. Porque não é uma inviabilização por meio de razões jurídicas, legais ou consistentes e isso é reconhecido inclusive por respeitados juristas brasileiros. Não é. Na verdade, tem um processo político contra o Lula. Para mim, inclusive, é isso que leva às razões da candidatura do Lula e não o Lula enquanto personalidade, enquanto indivíduo, líder… É um ataque a uma das maiores e históricas lideranças que esse país construiu. Essa é a razão, do meu ponto de vista, da motivação da candidatura do Lula. Quem não entende isso está fazendo linha auxiliar da direita. Tenho convicção de que as candidaturas do Ciro (Gomes), da Manuela (D´Ávila), a eventual candidatura do (Guilherme) Boulos, têm essa compreensão. As eventuais pequenas diferenças que nos dividem precisam ser secundarizadas frente à dimensão do ataque que os nossos adversários aplicam à nossa nação. Portanto, nossa unidade político-programática tem que estar acima de tudo. Estamos todos juntos.

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