OPINIÃO

Banco Mundial ataca a Educação Pública Brasileira

Por Gabriel Grabowski / Publicado em 5 de dezembro de 2017

Foto: Otávio Tinoco

Foto: Otávio Tinoco

“Qual é o perigo da situação atual? A ignorância. A ignorância, muito mais que a miséria. … É num momento semelhante, diante de um perigo como esse, que se pensa em atacar, em mutilar, em sucatear todas essas instituições que têm como objetivo específico perseguir, combater e destruir a ignorância” (Victor Hugo, 1848)

No momento em que a crise sufoca uma nação, é necessário duplicar os recursos destinados ao saber e à formação dos jovens, para evitar que a sociedade caia no abismo da ignorância. Mas, o Grupo Banco Mundial (BM), formado por cinco organizações (Bird, AID, IFC, AMGI e CIADI), em total sintonia com o governo ilegítimo do Brasil e a mídia nativa nacional, não satisfeito em fazer coro a favor das reformas trabalhista e previdenciária em curso, ataca o ensino público brasileiro, propõe a redução de 1,5% do PIB em investimentos na educação básica e superior; classifica-a e estigmatiza como ineficiente; recomenda a introdução imediata da cobrança de mensalidades nas universidades públicas; e mira na destruição deste patrimônio educacional, cultural e científico nacional.

Em relatório denominado Um Ajuste Justo: Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil (novembro 2017), o BM discorre mais de 20 propostas em diversas áreas de interesse estratégico nacional. Trata-se de um relatório, segundo o pesquisador Valdemar Sguissardi (Unimep), estudioso e pesquisador do tema, “pleno de viés, tendencioso, cheio de erros metodológicos graves, e que não analisa e nem compreende a função de uma universidade para a economia de um país”, produzido por uma equipe de “especialistas em educação” desqualificada, pois, juntos, produziram apenas um único artigo e uma dissertação de mestrado sobre aspectos econômicos da educação.

Não seria o caso de levar a sério o presente relatório não fosse a disposição do atual governo com sua equipe, subserviente ao mercado e aos organismos internacionais (representantes dos interesses econômicos do capitalismo financeiro global), a perseguirem, em nome do ajuste fiscal, a cortes e mais cortes no orçamento dos Ministérios da Educação, da Ciência e Tecnologia, da Cultura e do Esporte, além da redução nas áreas da saúde e do desenvolvimento social.

Os cortes e as políticas educacionais de Temer/Mendonça já estão comprometendo, propositadamente, as metas estabelecidas pelo Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024), amplamente discutido, aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pela Presidência do Brasil em 2014. Este PNE, em plena vigência, apontou a necessidade de aumentar os investimentos em educação dos atuais 5,5% para 10% do PIB até 2024. Porém, BM e consonância com a equipe econômica do Meirelles, através deste relatório, pressiona o Brasil a reduzir os investimentos na educação pública em 1,5% do PIB (p.16), retrocedendo aos patamares da década de 1990 (4% do PIB).

O relatório não precisa ser interpretado, pois é explícito suficiente ao afirmar que “as despesas públicas com ensino fundamental e médio apresentam ineficiências significativas, e o mesmo nível de serviços poderia ser prestado gastando 1% a menos do PIB em nível local” (p. 13) e, prossegue, manifestando-se que: os serviços poderiam ser mantidos com 37% menos recursos no ensino fundamental e 47% menos recursos no ensino médio; o aumento do número de alunos por professor em 33% no ensino fundamental e 41% no ensino médio economizaria R$ 22 bilhões (0,3% do PIB) e que má formação dos professores é o principal obstáculo a uma educação de qualidade no Brasil, atrevendo-se, inclusive, a questionar e propor o fim da vinculação constitucional de recursos para a educação.

As despesas com o ensino superior são consideradas “ineficientes e regressivas” e, o BM, propõe uma reforma do sistema que poderá “economizar 0,5% do PIB do orçamento federal”, já que “O Governo Federal gasta aproximadamente 0,7% do PIB com universidades federais”. Ou seja, economizar 0,5% de 0,7% do PIB investidos no ensino superior público, de qualidade, com pesquisas reconhecidas mundialmente, é o caminho para acabar com a universidade pública brasileira.

Segundo Nelson Amaral (UFG), pesquisador em financiamento da educação, considerando-se o valor médio aplicado no contexto do Fundeb – de R$ 1.986,92 – ou os valores divulgados para o Brasil pela OCDE, que engloba os recursos de todas as fontes – US$/PPP 1,696.00 pre-primary e US$ 2,304.00 nas outras etapas da educação básica –, verifica-se que estes são muito distantes dos valores médios da OCDE, de US$/PPP 6,426.00 e US$$/PPP 8,511.00, respectivamente. Os valores do Brasil somente foram os maiores que os da África do Sul e, em relação ao das etapas posteriores, foi superior ao México.

Já em relação ao Produto Nacional Bruto (PNB, o Brasil (US$ 225), acompanhado pelo México (US$ 181) e Argentina (US$ 313), são os países que aplicam menos recursos públicos por habitante, em educação, conforme dados da Unesco. Entre os que mais investem estão Suíça (US$ 2.323), Suécia (US$ 2.176), França (US$ 1.578), Estados Unidos (US$ 1.570), Áustria (US$ 1.506) e outros. A dimensão da riqueza brasileira permitiria investir, em todos os níveis, mais recursos públicos com a educação de seus cidadãos, pois, como diz Barros, “o Brasil não é um país pobre, mas um país com muitos pobres”.

As propostas do Grupo Banco Mundial precisam ser analisadas no contexto mundial atual, onde o neoliberalismo está a induzir profundas transformações no capitalismo, submetendo os Estados, o sistema produtivo, as relações sociais e a vida à lógica do capital financeiro, cujo objetivo é mercantilizar todas as dimensões e esferas da humanidade. Um complexo processo político, econômico, social e cultural aprofunda e expande a acumulação de riquezas em escala global, configurando uma economia da desigualdade (Thomas Piketty) e uma sociedade ainda mais excludente.

Com esse relatório, os “especialistas” mesquinhos a serviço do “Grupo do BM” desconsideram nossa realidade e nosso déficit educacional histórico, agridem nossa Soberania e Constituição, respaldam o descumprimento do governo atual à Lei 13.005/2014 e das metas estabelecidas pelo PNE para a educação nacional, mercantilizam o direito à educação básica e superior pública de  qualidade social, preconizam a precarização da carreira docente e as condições de trabalho nas escolas e engrossam a fileira dos defensores da proposta de destruir a Universidade Pública do País. Desta forma, o “Grupo Banco Mundial” agride a maioria da nação brasileira que demanda educação pública, desrespeita os direitos básicos constitucionais dos cidadãos brasileiros e ataca a soberania nacional. E a quem isto interessa? Precisamos pensar e reagir!

O pensador italiano, citado na epigrafe inicial, alerta aos desinformados, que “as escolas e as universidades não podem ser administradas como empresas. Contrariamente ao que pretendem nos ensinar as leis dominantes do mercado e do comércio, a essência da cultura está baseada exclusivamente na gratuidade”, pois, prossegue, o direito de ter direitos se tornou, de fato, subordinado ao domínio do mercado, com risco progressivo de se cancelar qualquer forma de respeito às pessoas. Transformando os seres humanos em mercadorias e dinheiro, esse mecanismo econômico perverso deu vida a um monstro impiedoso e apátrida, que acabará por negar às futuras gerações qualquer forma de esperança (Nuccio Ordine, A utilidade do inútil).

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