GERAL

O Judiciário no banco dos réus

Por Cristina Àvila / Publicado em 24 de janeiro de 2018
Mário Lil, Isaías Vedovatto (C) e Darci Maschio atuaram na liderança da ocupação e ainda hoje são assentados na Annoni

Foto: Gerson Costa Lopes/ MST Divulgação

Mário Lil, Isaías Vedovatto (C) e Darci Maschio atuaram na liderança da ocupação e ainda hoje são assentados na Annoni

Foto: Gerson Costa Lopes/ MST Divulgação

O acampamento no Anfiteatro Pôr-do-Sol, o ato das mulheres pela democracia em frente da Assembleia Legislativa, as marchas populares e o encontro do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o povo no centro histórico de Porto Alegre na terça-feira superaram as expectativas dos organizadores do evento. “Esperávamos que o ato chegasse entre 30 e 40 mil manifestantes, mas dobramos. A estimativa é que foram 70 mil. O Judiciário é que está agora no banco dos réus; o que vimos hoje foi a sociedade referendar isso”, afirma Isaías Vedovatto, da direção estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Já começava a madrugada do dia 24 de janeiro – data do julgamento de Lula – quando ele conversou com o Extra Classe no acampamento na orla do Guaíba que abriga 15 a 20 mil militantes que vieram à capital gaúcha. Ele analisou a conjuntura política que se configura desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e culmina com os acontecimentos que se desenrolam em Porto Alegre.  Isaías é um dos fundadores do MST, reconhecido como um dos primeiros que derrubaram a cerca da antiga Fazenda Anoni, em Sarandi, na madrugada de 29 de outubro de 1985, o primeiro latifúndio a ser ocupado pela organização no estado.

Extra Classe – Como foi a organização deste conjunto de eventos em Porto Alegre?
Isaías Vedovatto – Tivemos um encontro estadual reunindo 700 delegados de assentamentos e acampamentos do MST nos dias 11 e 12 de dezembro, no mesmo dia em que a Justiça definiu a data deste julgamento de Lula no Rio Grande do Sul, e neste encontro mesmo decidimos este acampamento em Porto Alegre. Ali já estabelecemos o que começaria no dia 21, e começamos a articular as caravanas com outras forças populares, anunciando nossa decisão e a possibilidade de outras ações de mobilização, até avançar no que está sendo este ato, com organizações com o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Levante Popular da Juventude e Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

EC – E como foi a definição do lugar deste acampamento?
Vedovatto – Nossa proposta, que era na área do Parque Harmonia mais próxima ao TRF4 foi negada pela Justiça. Com as pressões da imprensa e com as notícias de que o prefeito de Porto Alegre (Nelson Marchezan Júnior) pediu o Exército e a Força Nacional para a segurança da cidade, o Ministério Público Federal nos procurou, e começamos o diálogo para a localização do acampamento. Esse diálogo foi muito difícil. As praças de Porto Alegre são administradas pela prefeitura, a segurança pública é do estado e o Judiciário está na situação que se sabe. Eles queriam que o acampamento fosse bem longe do TRF4, e tudo foi decidido, inclusive por onde passariam as marchas, tudo foi decidido somente na sexta-feira.

EC – O que representa esse acampamento na conjuntura política?
Vedovatto – O centro do debate era o local do acampamento. O acampamento foi uma decisão política, e virou uma referência. A rapidez com que decidimos a construção do acampamento depois da decisão da Justiça sobre o julgamento de Lula teve um impacto muito grande. Ficar três dias acampados na capital do estado é marcar um território, o que as forças contrárias não são capazes de fazer. Eles podem fazer um ato, ficar um determinado momento, mas os coxinhas não têm a capacidade de permanecer três dias em um acampamento. Isso significou uma sabedoria e capacidade política que marca a luta de classes. Este acampamento expressa a nossa organização e expressa força.

EC – Demonstra a força do movimento?
Vedovatto – Temos consciência desta capacidade de mobilização. Mas temos também consciência de que somos uma parte da sociedade. Temos que ter humildade para convocar a sociedade para a unidade das forças. E isso é mais do que um discurso, é uma unidade enquanto ação possível de ser feita.

EC – Como vocês chegaram à estimativa de 70 mil manifestantes no ato com Lula?
Vedovatto – Porque temos estimativas de quantos ônibus chegaram dos estados e dos municípios, quantas pessoas estão no acampamento e quantos ônibus vieram da região metropolitana e de regiões próximas, de quantas pessoas que voltam para casa no mesmo dia, e das pessoas que têm parentes e amigos e dormem em Porto Alegre, que deixaram os ônibus estacionados perto do Beira-Rio, por exemplo. Esse é um cálculo bem seguro.

EC – Por que esse momento é tão importante?
Vedovatto – Somos produto de um processo histórico. Esse é um evento diferente, mas apenas do ponto de vista de que responde a este momento específico. Hoje o processo eleitoral está colocado no centro das questões políticas, como visão de um projeto de sociedade, de luta de classes. O MST tinha críticas ao governo Lula e mais críticas ao governo Dilma, mas somos os primeiros a defendê-los pois agora é a democracia que está em jogo. Muito mais do que uma gestão de governo. Nos colocamos ao lado de Dilma porque um golpe estava em curso. Não tivemos forças para derrubar Temer, e as reformas políticas vieram no atropelo. Mas para implantar o capital, eles precisam de mais de uma gestão de governo, por isso as eleições passam a ser o centro.

EC – Como tu avalias este 24 de janeiro?
Vedovatto – Independentemente de qualquer resultado, já saímos vitoriosos. Lula vai ser candidato, e isso se consolidou hoje (terça) aqui em Porto Alegre. Mesmo condenado, o julgamento se inverteu. Agora é o Judiciário que está sendo julgado. É o Judiciário que está no banco dos réus.

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