OPINIÃO

A fraude da carta à professora Débora

Por Moisés Mendes / Publicado em 26 de abril de 2018

Foto: Reprodução página pessoal/Facebook

Foto: Reprodução página pessoal/Facebook


É pior do que se pensava a história da carta escrita pela desembargadora Marília Castro Neves com pedido de desculpas à professora Débora Araújo Seabra de Moura. A togada que ofendeu a professora com Síndrome de Down não pediu desculpas. Fez uma jogada de marketing tão baixa quanto a ofensa.

A carta com as ‘desculpas’ que se estendem à memória da vereadora Marielle Franco (que ela ligou a traficantes) e ao deputado Jean Wyllys (que ela queria ver morto no paredão) não é uma carta. É um manifesto de defesa escrito para a imprensa. É uma farsa.

A juíza produziu um texto precário, publicou nas redes sociais e avisou a jornalista Mônica Bergamo, da Folha. A carta foi parar na capa dos sites. No dia seguinte, 19 de abril, a repórter Renata Moura, da mesma Folha, conversou com a professora de Natal sobre a carta.

Débora fez então mais uma revelação que desmonta a tentativa da desembargadora de se passar como vítima da repercussão causada pelas próprias agressões.

Débora não recebeu a carta, porque a carta não existe. A professora ficou sabendo da manobra por outras pessoas. Marília não enviou o pedido de desculpas a quem deveria aceitá-lo ou não.

Enviou o texto à imprensa, só porque naquele mesmo dia 18 de abril estava vencendo o prazo para a apresentação da sua defesa no Conselho Nacional de Justiça, onde ela enfrenta os processos pela tentativa de depreciar a imagem e o trabalho de Débora, a memória e a luta de Marielle e a militância e a condição de gay de Jean Wyllys.

A desembargadora odeia as diferenças, odeia militantes políticos que defendem mulheres, ela odeia pobres e negros e odeia gays. A juíza é uma aberração potencializada pelo golpe em muitas áreas, inclusive parte da magistratura que se especializou em perseguir tudo que não seja simpático à direita.

A carta é rasa, é autoindulgente, é uma fraude. É a manifestação do egocentrismo de alguém que agride e se apresenta como agredida. Nem Débora, nem Marielle, nem Jean Wyllys estão no centro do pedido de desculpas, mas a própria agressora. Ela seria a vítima e estaria em estado de profundo sofrimento.

A mulher teve um mês, entre as agressões e a divulgação do texto, para apresentar sua conversa fiada. Um mês. E mesmo assim conseguiu produzir mais estragos à própria imagem, só porque precisa escapar (e certamente vai escapar) dos processos de um Conselho que encena a fiscalização das atividades dos juízes.

Marília Castro Neves é da mesma turma de outras autoridades do Ministério Público e da Justiça que fazem o que bem entendem num país sob regime de exceção. Não é de se perguntar apenas como ela chegou ao ponto de agredir pela internet três pessoas quase ao mesmo tempo.

É de se perguntar, como no caso dos jabutis trepados em árvores, como ela chegou ao posto de desembargadora. Quem a colocou nesta função? Quem será capaz de afastá-la de lá, se o que está provado é a sua incapacidade de agir como magistrada?

Não vou publicar aqui uma só linha do falso pedido de desculpas. Prefiro publicar trechos da carta que a professora Débora enviou à agressora, logo depois da divulgação de seus ataques pela internet:

“Não quero bater boca com você! Só quero dizer que tenho Síndrome de Down e sou professora auxiliar de crianças em uma escola de Natal (RN)”.

“Eu ensino muitas coisas para as crianças. A principal é que elas sejam educadas, tenham respeito pelas outras, aceitem as diferenças de cada uma, ajudem a quem precisa mais”.

“O que eu acho mais importante de tudo isso é ensinar a incluir as crianças e todo mundo pra acabar com o preconceito porque é crime. Quem discrimina é criminoso”.

Débora deve saber que os criminosos togados (muitos dos quais discriminam pessoas comuns, quando são ágeis para mandar prender negros e pobres) terão em algum momento de se submeter aos mesmos julgamentos dos políticos. Não há foro privilegiado que sustente a impunidade da magistratura por todo tempo.

O Judiciário se desqualifica ao tentar proteger seus delitos na redoma dos intocáveis. Juízes gostam de dizer que ninguém está acima da lei. Muito menos eles. A próxima etapa da depuração das instituições terá de passar pelas atrofias do Ministério Público e da Justiça, ou a cruzada ‘moralista’ inspirada na Lava-Jato estará incompleta.

E a carta da desembargadora? Que vá para o lixo orgânico, sem possibilidade alguma de passar por qualquer reciclagem.

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