EDUCAÇÃO

Crise ronda comunitárias de Santa Catarina

Atrasos salariais, modelos empresariais dependentes de repasses estaduais e federais e pressão de grupos educacionais colocam contra parede instituições de educação superior
Por Gilson Camargo / Publicado em 20 de junho de 2018

Foto: Divulgação

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A Associação Catarinense de Fundações Educacionais (Acafe), criada em 1974 com o objetivo de desenvolver o ensino superior no estado, congrega 16 fundações educacionais, das quais 11 são universidades e cinco são centros universitários. No dia 6 de junho, a Acafe empossou seu novo presidente, Günther Lother Pertschy, reitor do Centro Universitário de Brusque – Unifebe. Em seu discurso de posse, o novo dirigente preferiu exaltar a interiorização e o crescimento da educação superior sob a liderança da entidade e evitou falar em crise. “Temos uma série de ações elencadas. Iniciamos este processo visitando os reitores e todas as universidades que fazem parte do Sistema e que contribuíram com essa pauta”, desconversou. Mas para sindicalistas e professores, o discurso do dirigente contrasta com a realidade de instituições como a Univali e a Unisul, que são apontadas como exemplares da situação de penúria que ronda as comunitárias catarinenses ao longo da última década.

Em novembro passado, a crise das comunitárias foi tema de audiência pública na Assembleia Legislativa de Santa Catarina, proposta pela deputada Luciane Carminatti (PT), presidente da Comissão de Educação, Cultura e Desporto. Durante a audiência, a Unisul e a Univali foram apontadas como as universidades em situação mais precária.

Para a presidente do Sindicato dos Professores e Auxiliares de Administração Escolar de Tubarão (Sinpaaet) e diretora da Contee, Gisele Vargas, há falta de transparência nas gestões. “As universidades privadas não são obrigadas na lei da transparência. Nós precisamos do Poder Legislativo para ter uma visão ampla do que está acontecendo, para poder investigar, junto ao Ministério Público, essa distorção no sistema Acafe”, avaliou.

Em maio deste ano, a Fundação Univali, mantenedora da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) deixou de pagar os salários de mais da metade dos seus 2 mil funcionários. Sem dinheiro em caixa, a Fundação priorizou contas menores e adiou para o dia 15 de junho a quitação dos quase 650 salários de maior peso na folha. Em entrevistas a jornais catarinenses, a secretária executiva da instituição, Luciana Bervian, atribuiu a falta de liquidez para pagar em dia os vencimentos de professores e pessoal administrativo principalmente ao atraso no repasse de verbas públicas, especialmente do Fies, do governo federal, que não liberou em dia uma parcela de R$ 4 milhões prevista para maio. Para ilustrar o peso dos repasses do financiamento estudantil no orçamento da instituição, a Fundação informou que em 2017 foram nada menos que R$ 49 milhões oriundos do Fies. O atraso no repasse de valores referentes a bolsas de estudos pelo governo do estado é outro fator que compromete as receitas da instituição.

Mas a Univali também perde receitas com a debandada de alunos para a concorrência, atraídos especialmente por instituições privadas que oferecem custos mais atraentes nas mensalidades, e na oferta de educação superior na região. Embora não divulgue números, a universidade admite que desde 2013 vem perdendo alunos para as ofertas de ensino a distância de outras instituições. Ao assumir a reitoria neste ano, em seu primeiro ato, Valdir Cechinel Filho determinou medidas de redução de custos, a começar pelo corte de verbas para treinamentos, congressos e seminários não previstos no orçamento, e suspendeu contratações de novos funcionários e estagiários. Com campi em Itajaí, Camboriú, Biguaçu, Florianópolis, Piçarras, São José e Tijucas, a Univali tem 80% da sua receita comprometida com a folha de pagamento. Forçada a contrair um empréstimo para alargar o prazo de dívidas bancárias e pagar férias e 13º salários em 2017, a instituição acumulou uma dívida que já estaria batendo nos R$ 50 milhões em maio.

Na Unisul, gestão será compartilhada com grupo privado

Com campi em Tubarão (foto) e Pedra Branca, a Unisul é uma das maiores entre as comunitárias do estado

Foto: Unisul/ Divulgação

Com campi em Tubarão (foto) e Pedra Branca, a Unisul é uma das maiores entre as comunitárias do estado

Foto: Unisul/ Divulgação

De todas as instituições comunitárias representadas pela Acafe, a Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) é a mais atingida pela crise – que se traduz em dívidas e problemas de gestão.

Além dos atrasos salariais e débitos fiscais e financeiros calculados em R$ 400 milhões, a Unisul está em processo de compartilhamento da gestão com um grande grupo privado de educação, uma solução encontrada pela mantenedora para contornar o estatuto da instituição, que veta a privatização por se tratar de uma fundação pública municipal. No balanço social de 2017, a instituição acusava uma dívida de R$ 80 milhões com o sistema financeiro. Com campi em Tubarão e Pedra Branca (Grande Florianópolis), a Unisul tem 1,4 mil trabalhadores, entre pessoal técnico administrativo e professores.

“As lideranças estudantis e empresariais de Tubarão já manifestaram que estão de acordo com essa parceria com um grupo educacional. Mas quais são os termos? Como é que a sociedade pode dizer sim se não conhece as condições dessa parceria, que está protegida por uma cláusula de confidencialidade?” questiona a presidente do Sinpaeet, Gisele Vargas. “Não se pode discutir as cláusulas desse acordo, nem o tamanho da dívida da universidade, e também não há garantias de manutenção dos empregos, dos preços das mensalidades e do caráter comunitário da instituição”, ressalta a dirigente. A crise das comunitárias e o caso da Unisul serão tema de nova audiência pública na Assembleia Legislativa de Santa Catarina no começo de julho.

Mauri Heerdt, reitor da Unisul, anunciou mudança no estatuto e parceria com a iniciativa privada como soluções para a crise

Foto: Eduardo Guedes/ Agência Alesc

Mauri Heerdt, reitor da Unisul, anunciou mudança no estatuto e parceria com a iniciativa privada como soluções para a crise

Foto: Eduardo Guedes/ Agência Alesc

CARTA ABERTA – No dia 19 de maio, o reitor da Unisul, Mauri Luiz Heerdt, enviou carta aos colaboradores da instituição informando que a fundação e a universidade estão tentando encontrar alternativas para solucionar a crise financeira pela qual passa a instituição, e menciona que está “inclusive em busca de parcerias para uma gestão compartilhada”.

Heerdt elenca no documento algumas dessas parcerias. “Não buscá-las significaria deixar ao acaso nosso bem mais precioso: as pessoas. Evidentemente, há infinitas possibilidades e formatos de parcerias. Temos várias em andamento, como o Centro de Serviços Compartilhados da Acafe e com dezenas de organizações para produtos e serviços diversos. Outras estão em curso e isso não nos deve assustar, pelo contrário, somente na semana passada estivemos reunidos com seis organizações diferentes para finalidades distintas”, informa.

Ressaltando que até a data do comunicado, nenhuma parceria fora firmada, o reitor afasta uma eventual venda da instituição. “A Unisul não será vendida – inclusive porque nem é possível –, e nenhum grupo ainda foi escolhido. Estamos ainda em fase de diálogos”, afirma. A Unisul, segundo ele, vive “uma situação financeira difícil, temos uma natureza jurídica complexa, ausência de garantias reais, passivos jurídicos consideráveis, entre outras características peculiares”. Na prestação de contas, informa que quase metade dos R$ 30 milhões de receita mensal da instituição é diluída pelas bolsas de estudo e encargos sociais, entre outras despesas. “Não esqueçamos que somos uma entidade filantrópica e aderimos aos Proies, que têm seus fundamentos baseados em bolsas de estudo”, ressalva.
As receitas financeiras provenientes das mensalidades dos estudantes, segundo Heerdt, foram de R$ 16.866.697,00 em março e R$ 15.674.591,00 em abril. “Ao considerarmos que somente a nossa folha bruta é de mais de R$ 13 milhões, esses recursos certamente não são suficientes para honrar a folha e outras despesas necessárias para manter nossa operação, incluindo passivos jurídicos, pagamento de empréstimos, energia elétrica, planos de saúde e muitos outros”, elenca.

Nos últimos anos, houve uma acentuada redução no número de alunos pagantes na graduação, de 21.137 em 2015, para 16.479 em 2018. Heerdt explica ainda que, ao assumir o cargo em 2017, adotou cortes de despesas que representam uma redução anual de R$ 33 milhões. No comunicado, o reitor defende a ideia de parceria com o setor privado como solução para a crise da Unisul e informa que constituiu um grupo de trabalho para alterar o estatuto da universidade para contornar “poderes limitados dentro do ordenamento jurídico institucional”. Sobre a manutenção dos postos de trabalho, o reitor diz que a “ameaça ao emprego está exatamente no fato de não querermos ver a realidade como ela é e de não buscarmos soluções novas

A presidente do Sinpaeet, Gisele Vargas, questiona o acordo de gestão compartilhada: "não há garantia de manutenção de empregos nem do caráter comunitário da instituição”

Foto: Contee/ Divulgação

A presidente do Sinpaeet, Gisele Vargas, questiona o acordo de gestão compartilhada: “não há garantia de manutenção de empregos nem do caráter comunitário da instituição”

Foto: Contee/ Divulgação

AÇÃO COLETIVA – No dia 15 de maio, representantes da Unisul participaram de audiência na 2ª Vara do Trabalho de Tubarão sobre uma ação do Sinpaaet, que questiona judicialmente o pagamento parcial dos salários de abril. No dia 9, o Sindicato ajuizara pedido liminar de bloqueio de contas no valor de R$ 5 milhões para integralização dos salários, mas a justiça concedeu no dia 21 o bloqueio de somente R$ 3,6 milhões. Na audiência, a Universidade protocolou uma proposta para saldar todos os salários em atraso até 15 de agosto. Em comunicado, o Sinpaaet questiona: “será em agosto o pagamento dos salários? Ou será a rescisão de parte ou de todo o quadro funcional da universidade?”.

De acordo com a entidade, as dificuldades financeiras são uma constante na Unisul. “As ações trabalhistas movidas pelo Sinpaaet, por atrasos de salários e férias, são prova dessa realidade, e comprovam que nós, trabalhadoras e trabalhadores da Unisul, sempre fomos a parte prejudicada. No entanto, em 2018, o que está em questão é mais do que salários em dia, é a manutenção de nossos empregos”, afirma o Sinpaaet em nota pública. “A Unisul é patrimônio de Tubarão e da região. Tratar a Unisul apenas como uma entidade ‘em crise’ é ser desleal com sua história, seus pensadores, seus estudantes, com os profissionais que formou e com todos os trabalhadores”, completa.

BOLSAS – A Constituição Estadual estabelece em seu artigo 170 que o governo catarinense deve repassar às bolsas do ensino superior, entre universidades comunitárias e privadas, 5% da receita destinada à educação. No ano passado, um relatório do Tribunal de Contas do estado apurou que o governo não cumpriu integralmente essa obrigação no período de 2011 a 2016, quando foram repassados somente R$ 327 milhões de um total de R$ 1,07 bilhão devidos. O programa Bolsas Universitárias de Santa Catarina (Uniedu) ofertado pela Secretaria de Estado da Educação disponibiliza bolsas de 25% até 100% do valor da mensalidade do curso em 68 instituições comunitárias e privadas. Nesse primeiro semestre, serão 24 mil benefícios em duas opções de bolsa: a prevista no artigo 171 que beneficia o estudante até o término da graduação e a definida no artigo 170, que exige a comprovação semestral de carência para manter o benefício. O governo do estado não informou sobre a regularização dos repasses. Informou apenas que cerca de R$ 110 milhões serão investidos para graduação e pós-graduação. Até 2017, mais de 163 mil benefícios foram concedidos a estudantes cadastrados, que em contrapartida participaram de projetos sociais com visão educativa, em diferentes segmentos da sociedade conforme projetos aprovados nas Câmaras de Pesquisa.

Consultado sobre uma eventual negociação para assumir a gestão compartilhada da Unisul, o grupo educacional Ânima reiterou que mantém uma política de prospecção de oportunidades no mercado, mas descartou que esteja em tratativas com a universidade comunitária de Tubarão. “A Ânima Educação informa que não existe no momento qualquer transação concluída, seja com o referido grupo, ou outra instituição, e que eventuais referências ao tema são mera especulação. Como já amplamente divulgado anteriormente, é uma política da empresa analisar de forma constante diversas oportunidades do mercado, incluindo investimentos e/ou aquisições. Por isso, reiteramos o compromisso de manter nossos acionistas e o mercado informados caso exista qualquer ato ou fato cuja divulgação seja necessária e ou relevante”, respondeu por meio de sua assessoria. Em 2015, o grupo adquiriu a Sociedade Educacional de Santa Catarina (Sociesc), de Joinville (SC), por R$ 150 milhões.

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