OPINIÃO

E os jovens dos 20 centavos?

Por Moisés Mendes / Publicado em 20 de junho de 2018

E os jovens dos 20 centavos?

Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Foto: Marcos Santos/USP Imagens


Se eu ainda fosse repórter, sairia à procura dos jovens do inverno de 2013. Iria atrás daqueles estudantes que foram às ruas, no início contra o aumento das passagens, e espalharam pelo Brasil, a partir de Porto Alegre, a faísca de protestos contra o Fuleco da Copa, contra os políticos, depois contra Dilma, contra o PT, contra Lula, contra as esquerdas.

Foi exatamente há cinco anos, no 20 de junho de 2013, que aconteceu a grande mobilização de rua daquele inverno. E alguns dizem que foi naquele dia 20 que tudo se perdeu. O que era para ser a primeira manifestação real de uma geração do mundo virtual se transformou no apoio decisivo ao golpe e a mitificação da Lava-Jato.

Vi de longe algumas dessas passeatas e me lembro bem desta do dia 20. Foi ali que os jovens entregaram sem querer a uma classe média atordoada o controle das manifestações. Foi a partir do dia 20 de junho que a Globo passou a gerir as passeatas, a orientar seus passos e a dizer para a classe média que a briga não era mesmo pelos 20 centavos do aumento da passagem do ônibus, mas para que Dilma fosse derrubada.

Se reunirem 10 entendidos em repostas para perguntas difíceis, é provável que sejam criadas pelo menos meia dúzia de teorias sobre o que aconteceu. Sobre a origem do movimento, sobre a deliberada falta de comando e de liderança e sobre a incapacidade dos próprios envolvidos em tudo aquilo de antever o que viria depois, com o endeusamento de Sergio Moro e o desnudamento do Supremo e de tudo.

Mas eu não queria, como repórter, conversar com especialistas, eu iria atrás de quem viveu aquilo. Um estudante de 18 anos do inverno de 2013 tem hoje 23 anos. Com meia década a mais, pode ter ‘envelhecido’ o suficiente para ter se afastado do que era quando saiu às ruas.

Quem será capaz de entender a cabeça desse jovem em 2013, no que ela se envolveu a partir dali, como enfrentou a preparação do golpe, o próprio golpe, a ressaca e agora, quem sabe, a indiferença diante do desgoverno e do Quadrilhão, da ação seletiva da Lava-Jato, da impunidade da direita, do encarceramento de Lula e da eleição de outubro?

Eu ouviria muita gente para tentar enxergar o que resultou daquilo, mesmo que nem mesmo os jovens de 68 tivessem, muitos anos depois, clareza do que haviam cometido nas ruas de Paris. Depois das passeatas de 2013 e das ocupações das escolas, em 2016, a impressão para alguns é de que quase nada ficou de legado, nem mesmo uma nova liderança ou uma nova referência no jeito de agir. Será mesmo?

Por que, ao contrário do que aconteceu no Chile, por exemplo, aqui a rebeldia dos estudantes não nos apresentou a perspectiva de renovação na militância política? Por que os jovens de 2013 parecem ter desistido do que ensaiaram fazer, enquanto a juventude de direita se articula até em organizações fascistas? Que danos o golpe e uma certa desilusão com as esquerdas provocaram nos jovens?

A Folha de S. Paulo publicou esses dias duas informações reveladoras do que vivemos hoje. A primeira dizia que os jovens não querem saber da carteira de motorista, que isso deixou de ser importante. A segunda, de pesquisa do DataFolha, anunciava que, se pudessem, 62% dos jovens deixariam o Brasil.

Os jovens não querem saber do sonho do primeiro carro, dos partidos, das utopias ambientalistas e igualitárias do final do século 20. Eles querem mesmo é fortalecer identidades. Nada é mais poderoso no Brasil hoje do que a parada gay. Poucas passeatas são tão grandiosas quanto a da Marcha da Maconha.

Mas os gays e os que pretendem fumar maconha livremente dependem da política. Não haverá mudança na abordagem de questões essenciais das liberdades, da diversidade e do respeito às diferenças sem a política.

E quem vai trazer os jovens de volta para esses debates, se eles tentam sobreviver também da negação da interação com o mundo envelhecido das instituições, dos partidos, das conversas antigas do século 20? A direita festeja esse distanciamento.

Por tudo isso espero que saia logo o livro do jornalista Alexandre Haubrich, editor do site Jornalismo B. No livro, “Nada será como antes – 2013, o ano que não acabou, na cidade onde tudo começou” (Editora Libretos), Haubrich promete falar de causas e consequências daquele inverno.

Ele ouviu protagonistas e testemunhas. Conversou com Matheus Gomes, Claudia Favaro, Rodrigo Briza Brizolla, Gabi Tolotti e Samir Oliveira. O livro, ainda sem data de lançamento, terá fotos dele e da Bruna Andrade, feitas para o Jornalismo B.

Haubrich promete nos apresentar ao que eu gostaria de ter feito. Ter a compreensão daquele momento é decisivo para que se entenda o que acontece hoje.

Como conseguimos passar, em apenas cinco anos, dos impulsos e da vitalidade daquele junho de 2013, com todas as suas nuances, possibilidades e contradições, para o desalento de 2018? Ou não há desalento e não é nada disso? Vou esperar o livro.


Moisés Mendes é jornalista e escreve quinzenalmente para o jornal
Extra Classe.

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