MOVIMENTO

Greve de fome: ativistas estão cada vez mais debilitados

Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 18 de agosto de 2018
Dr Ronald Wollf atendendo manifestante

Foto: Adilvanie Spezia/MPA e Rede Soberania

Dr Ronald Wollf atendendo manifestantes. Segundo a literatura médica, o corpo humano consegue aguentar, em média, 20 dias em greve de fome sem nenhuma intervenção médica.

Foto: Adilvanie Spezia/MPA e Rede Soberania

Completou neste sábado, 18, o décimo-nono dia da greve de fome  realizada por sete pessoas em Brasília com o objetivo de fazer o Supremo Tribunal Federal (STF) incluir em sua pauta a discussão da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 54, que questiona a constitucionalidade da prisão de condenados em Segunda Instância. No último dia 7, os grevistas levaram até a Corte onze pedidos de audiências destinados a todos os ministros do STF. O Supremo é o lugar onde a liberdade do ex-presidente Lula pode ser debatida e deliberada imediatamente, com o resultado do julgamento também das ADCs 43 e 44, que da mesma forma questionam a prisão em segunda instância. Além de Lula, a declaração de inconstitucionalidade da prisão em Segunda Instância pode beneficiar mais de 150 mil presos no país.

Vilmar Pacífico, Jaime Amorim e Zonália Santos, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Rafaela Alves e Frei Sérgio Görgen, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Luiz Gonzaga, o Gegê, da Central dos Movimentos Populares (CMP), e Leonardo Armando (do Levante Popular da Juventude), por orientação médica, passaram a usar nesse sábado camas hospitalares e cadeiras de roda. Entre os grevistas há os que já perderam 10 kg no período do protesto. Glicemia, que é o açúcar no sangue, tem tido alterações constante, assim como tem ocorrido frequentes quedas da pressão arterial e da temperatura corporal, fatores que tem deixado a equipe de saúde da greve de fome em alerta permanente.

“Os grevistas estão cada vez mais debilitados, vulneráveis a qualquer tipo de infecção viral ou bacteriana, pois a imunidade em todos eles, está bastante baixa”, explica a médica de Família e Comunidade, Maria da Paz Feitosa Sousa, que integra a equipe de saúde da greve de fome. “As dores musculares tem aumentado de forma constante. Ontem mesmo, todo os grevistas receberam cuidados como acupuntura, por conta destas dores”, relata o Dr. Ronald Wolff. “Conseguimos reverter a questão da pressão e a partir de agora, mais ainda, a imunidade deles ficara mais baixa, então aumenta o risco de infecções, por esta questão estamos restringindo ainda mais o contato físico com muitas pessoas”, lembra a profissional.

A equipe saúde da greve de fome é composta por profissionais da Rede de Médicos e Médicas Populares, fitoterapeutas, psicólogos, massagistas, massoterapeutas, acupunturistas, fisioterapeutas e reikianos.

Osmar Prado e Perez Esquivel

Foto: Adilvanie Spezia/MPA e Rede Soberania

A ministra Carmen Lucia, em audiência solicitada pela sociedade civil, recebeu o ator Osmar Prado e o prêmio Nobel da Paz de 1980, o argentino Adolfo Perez Esquivel, que levaram junto Frei Sergio Görgen

Foto: Adilvanie Spezia/MPA e Rede Soberania

Até o momento apenas os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes receberam os ativistas. A ministra Carmen Lucia, em audiência solicitada pela sociedade civil, recebeu o ator Osmar Prado e o prêmio Nobel da Paz de 1980, o argentino Adolfo Perez Esquivel, que levaram junto Frei Sergio Görgen. Na ocasião, a presidente do Supremo firmou compromisso público de receber os manifestantes. Já o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato, respondeu através de sua chefe de gabinete ao coordenador nacional do MST, João Pedro Stédile, que não teria como encaixar a conversa em sua agenda. Stédile pediu que ela relatasse ao magistrado que antes de ser nomeado para o STF, Fachin tinha tempo para procurar o MST e que o apoio da organização o ajudou a chegar onde está.

Tentativas de repressão

Atos que vem sendo considerado por parlamentares de oposição um atentado contra a democracia têm marcado a iniciativa tomada pelos sete militantes em greve de fome. No dia em que em solidariedade aos grevistas, indígenas das etnias Guarani e Kaiowá, parlamentares e demais manifestantes foram acompanhar os pedidos de audiência, houve o impedimento da comitiva entrar no STF, um órgão público, e protocolar os documentos.

Só depois de muita negociação os grevistas acompanhados do médico e de 11 parlamentares conseguiram os pedidos de audiência. Mas antes disto, já no primeiro dia em que foi declarado o estado de greve de fome, os manifestantes chegaram a ser agredidos pela polícia do judiciário enquanto respondiam à imprensa sobre os motivos e objetivos do seu protesto.

Sobre a medida adotada pelo Supremo Tribunal Federal em barrar a entrada e o protocolo dos documentos solicitando as audiências, o Deputado Federal e líder da bancada do PT na Câmara, Paulo Pimenta denuncia, “é um absurdo que sete cidadão brasileiros se dirijam ao Supremo Tribunal Federal para protocolar um documento solicitando uma audiência e sejam recebidos com um aparato policial montado, e que num primeiro momento, argumenta que sequer os parlamentares teriam autorização para entrar no Supremo Tribunal Federal, isso revela um Estado de Exceção”.

Atos religiosos

Primeiro dia da greve em frente ao STF

Foto: Adilvanie Spezia/MPA e Rede Soberania

Primeiro dia da greve em frente ao Supremo Tribunal Federal

Foto: Adilvanie Spezia/MPA e Rede Soberania

O ministro Edson Fachin é um dos mais cobrados da corte não só pelos militantes em greve e as entidades que integram o movimento. No dia 12 passado uma celebração religiosa foi realizada em frente à casa de Fachin com a presença dos grevistas. Com forte formação mística em sua história de militância, de fato, várias celebrações e visitas de religiosos tem marcado esses dias dos protagonistas da greve de fome.

Passaram para manifestar seu apoio missionários colombianos e freis Franciscanos que participaram de um recente seminário da Rede de Igrejas e Mineração na América Latina. Outra visita religiosa foi a do bispo católico Dom Limacêdo Antônio da Silva. Recém nomeado pelo Papa Francisco como bispo auxiliar de Olinda – PE, Dom Limacêdo afirmou “o que está em jogo é a vida destes companheiros e companheiras e negar a vida é egoísmo”. O prelado ainda destacou a participação das mulheres neste ato extremo de manifestação, onde o indivíduo põe a sua vida a serviço de uma causa, “vocês são fonte da esperança, são a fonte da vida”.

Mas não só o catolicismo tem dado o tom. Um ato Inter-religioso foi realizado em solidariedade aos povos de matriz africana e pelos direitos de realização de suas expressões religiosas, com a presença de mais de 20 matrizes religiosas e espirituais, que se uniram aos povos indígenas em apoio também aos sete militantes em greve e fome quando estes completaram dez dias de seu protesto.

Saúde começa a preocupar

Segundo a literatura médica, o corpo humano consegue aguentar, em média, 20 dias em greve de fome sem nenhuma intervenção médica. Especialistas dizem que um dos paliativos médicos é colocar uma sonda gástrica para garantir ao corpo um mínimo de energia.

O médico Ronald Wollf, da Rede Nacional de Médicos Populares, que acompanha o protesto que está sendo realizado desde o 31 de julho passado, informou que desde o terceiro dia sem ingestão de alimentos, só água e soro, os grevistas entraram em um período delicado com dores de cabeça, ansiedade, insônia, desidratação e sintomas relacionados a fadiga.

“Uma greve de fome, dependendo da pessoa, pode causar alguns problemas uns bem sérios, mas como médico precisamos preservar a saúde orgânica, física e emocional. Estamos os monitorando de forma laboratorial e clínica, pois os primeiros dias são bastante delicados, eles estão cansados, sonolentos, a fome é bastante grande e isso os deixa ansiosos. Esse conjunto de sintomas exige bastante cuidado neste momento, em especial o emocional”, segundo explica Wollf.

No décimo-segundo dia sem comer e os sintomas clínicos se agravaram ainda mais. Nesta fase a equipe médica demonstrou preocupação especial com a saúde física e mental de Luiz Gonzaga (Gegê), Frei Sergio Görgen, Jaime Amorim, Zonália Santos, Vilmar Pacífico e Rafaela Alves. Com a mesma intensidade a equipe passou a monitorar o jovem Leonardo Soares, que iniciou o protesto uma semana após os outros integrantes, pois passou a apresenta sinais de fraqueza e debilidade física.

Conforme a Médica de Família e Comunidade, Maria da Paz Feitosa de Sousa, a pressão arterial tem alterado muito e precisa de monitoramento 24 horas por dia, pois está cada vez mais difícil de controlar. “Outro fator bastante preocupante é a hipoglicemia, os picos têm sido cada vez mais frequentes e com valores bastante baixos, o que aponta uma criticidade do quadro médico”, explica Maria da Paz.

Visivelmente mais magros, as dores musculares, segundo Ronaldo Wollf passaram a fazer parte do cotidiano dos grevistas. “Aqui é preciso considerar que o coração, estomago e intestino também são músculos e tem se agravado, assim como a fadiga, o cansaço e as dores de cabeça. Alguns já apresentam indisposição para os alongamentos matinais, para suprir essa demanda os grevistas passaram pelo atendimento de um fisioterapeuta, o objetivo é ativar a circulação e prevenir contraturas, fadiga e dores musculares. Percebemos o aumento na irritabilidade, ansiedade e sonolência dos manifestantes e a perda de peso tem sido constante”, relata o médico.

Indagado sobre uma possível intervenção dos médicos caso a situação entre em um desfecho que possa levar à morte de um integrante do movimento, Wollf diz que a intervenção será feita quando necessária, mas lembra que a palavra final é sempre da pessoa atendida. “Nós temos entre a gente um acordo, mas se um deles dizer que vai dar continuidade a sua greve, nós vamos ter que ficar para resguardar ao máximo a vida.
Dependendo do ânimo de Rafaela Alves, a jovem camponesa do MPA, Ronald Wollf e Maria da Paz ainda terão muito trabalho pela frente. Ela denunciou a demora do Supremo Tribunal Federal e da justiça brasileira, “o preço da lentidão da Justiça será ver corpos velados em frente ao STF, e nós dissemos isso ao Ministro (Lewandowski)”. O recado soou como um alerta, pois durante um ato inter-religioso a grevista Zonália, passou mal e preciso receber atendimento médico ainda no local pela equipe médica que acompanha a Greve de Fome por Justiça no STF.

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