JUSTIÇA

Mantida condenação de PM que matou sem terra

Desembargadores do TJRS decidiram manter a condenação do réu pelo júri popular a 12 anos em regime fechado. Relator denunciou violação de direitos humanos na ação da PM
Por Gilson Camargo* / Publicado em 26 de setembro de 2018
Durante o julgamento, desembargador Mauro Borba, relator do caso, determinou a imediada prisão do réu e encaminhou à Procuradoria de Justiça denúncia de violação aos direitos humanos na ação da PM

Foto: Maiara Rauber/ MST Divulgação

Durante o julgamento, desembargador Mauro Borba, relator do caso, determinou a imediada prisão do réu e encaminhou à Procuradoria de Justiça denúncia de violação aos direitos humanos na ação da PM

Foto: Maiara Rauber/ MST Divulgação

Os três magistrados integrantes da 1ª Câmara Criminal do TJRS decidiram por unanimidade, na tarde desta quarta-feira, 26, que o policial militar Alexandre Curto dos Santos, agora aposentado, deve começar a cumprir a pena de 12 anos de reclusão à qual foi condenado pelo Tribunal do Júri em setembro de 2017.

A apelação do réu foi negada por unanimidade. O relator do Acórdão, juiz convocado Mauro Borba, além de determinar a imediata prisão do réu, decidiu enviar ao Procurador-Geral de Justiça uma cópia do relatório apresentado pelo advogado da família da vítima, no qual haveria indícios de violação de direitos humanos durante a ação da Brigada Militar. “As práticas, se verdadeiras, não podem ser admitidas”, declarou o magistrado ao se referir ao relatório elaborado pelo Procurador do Estado Carlos César D´Elia, que na época do crime pertencia à Comissão Estadual contra Tortura e pela advogada Patrícia Lucy Machado Couto, integrante da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa no mesmo período. Os desembargadores Manuel José Martinez Lucas e Jayme Weingartner Neto acompanharam o voto do relator.

A decisão valida o entendimento do STF de execução provisória da pena a partir da decisão de segunda instância, negando assim o direito de recorrer em liberdade. O PM foi condenado pelo assassinato do sem terra Elton Brum da Silva em 21 de agosto de 2009, com um disparo de espingarda calibre 12 pelas costas. O crime ocorreu durante violenta reintegração de posse efetivada pela Brigada Militar na Fazenda Southall, em São Gabriel, na Fronteira Oeste gaúcha, onde famílias reivindicavam terras para assentamentos.

Integrantes do MST fizeram vigília em frente ao TJRS durante o julgamento

Foto: Maiara Rauber/ MST Divulgação

Integrantes do MST fizeram vigília em frente ao TJRS durante o julgamento

Foto: Maiara Rauber/ MST Divulgação

Durante o processo, Santos assumiu a autoria do crime. Oito anos depois, em júri popular no Foro Central I da Comarca de Porto Alegre, ele foi condenado por homicídio qualificado, ou seja, por impossibilitar a defesa da vítima. Sua pena foi de 12 anos de prisão em regime fechado, perda de cargo e prisão imediata.

No julgamento desta quarta-feira, o TJRS manifestou-se sobre o recurso de apelação movido pelos advogados de defesa de Santos, com pedido para que o tribunal revisse a sentença de primeira instância. Na sessão, os desembargadores ouviram o Ministério Público Estadual, os advogados da família da vítima (assistência da acusação) e os advogados de defesa do policial.

“Há nove anos o Massacre de São Gabriel, onde dezenas de pessoas foram feridas, inúmeras mulheres e crianças, atos análogos à tortura foram praticados e Elton Brum da Silva foi assassinado, estava impune. A decisão de hoje faz justiça, mesmo que tardia e mostra para a sociedade gaúcha e para a Brigada Militar que as forças policiais não podem atirar em mulheres e crianças, bem como em protestos, manifestações, greves e passeatas. Queremos apenas que massacres como o de Eldorado de Carajás, Pau D’arco e São Gabriel não se repitam, nunca mais. O julgamento faz um pouco de justiça a Roseli Nunes e Mariele Franco, e ao sindicalista Jair Antônio da Costa, cujos responsáveis estão impunes até hoje”, explica Leandro Scalabrin, advogado da família.

Violência no campo

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) organiza dados referentes aos conflitos no campo desde 1985. Até o ano passado registrou 1.438 casos de conflitos em que ocorreram assassinatos, com 1.904 vítimas. Desse total, somente 113 foram julgados (8%) em que 31 mandantes dos assassinatos e 94 executores foram condenados.

Segundo o relatório Conflitos no Campo Brasil, publicado anualmente pela entidade, 2017 registrou o maior número de assassinatos no campo desde 2003. Foram assassinados 71 trabalhadores rurais, sendo que 31 casos ocorreram em cinco massacres, o que corresponde a 44% do total. Já as tentativas de assassinatos subiram 63% e ameaças de morte 13%.

Os assassinatos de trabalhadores rurais Sem Terra, indígenas, quilombolas, posseiros, pescadores, assentados, entre outros, tiveram um crescimento brusco a partir de 2015. O estado do Pará lidera o ranking de 2017 com 21 pessoas assassinadas (10 no Massacre de Pau D’Arco); seguido pelo estado de Rondônia, com 17; e pela Bahia, com 10.

*Com informações do TJRS e MST.

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