POLÍTICA

Entrevista de Bolsonaro provoca crise na Rádio Guaíba

Impedido de fazer perguntas em uma entrevista do candidato, jornalista protesta contra censura e pede demissão do programa Bom Dia
Por Gilson Camargo / Publicado em 23 de outubro de 2018
Ao final da entrevista "livre", em que ficou acertado que o candidato do PSL falaria sem ser interrompido ou contestado, jornalista se demitiu

Imagem: Reprodução

Ao final da entrevista “livre”, em que ficou acertado que o candidato do PSL falaria sem ser interrompido ou contestado, jornalista se demitiu

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Uma entrevista exclusiva do candidato à presidência da República Jair Bolsonaro (PSL), conduzida pelo apresentador Rogério Mendelski, no programa Bom Dia, na Rádio Guaíba, na manhã desta terça-feira, 23, terminou com o pedido de demissão do jornalista Juremir Machado da Silva, integrante da bancada, que foi impedido de fazer perguntas. A condição foi imposta pelo candidato. O episódio suscitou críticas à linha editorial de veículos do grupo Record, de propriedade do bispo Edir Macedo, apoiador do candidato do PSL.

Ao final da entrevista, na qual o candidato teve total liberdade para falar sem ser interrompido ou questionado, Mendelski esclareceu aos ouvintes: “o silêncio de vocês foi uma condição do candidato, que queria conversar com o apresentador”, disse ao microfone, referindo-se aos colegas de estúdio, Juremir e a Voltaire Porto. “Nós podemos dizer que o candidato nos censurou?”, questionou Juremir. “Não, eu não diria isso. Ele não sabe que vocês estão aqui. Ele apenas disse ‘eu dou entrevista somente pra você’. Não tem censura”, argumentou o apresentador. “Eu achei humilhante e por isso estou saindo do programa. Foi um prazer trabalhar aqui (por) dez anos”, reagiu Juremir ao levantar-se da bancada e deixar o estúdio. “Não podemos dizer nada”, desculpou-se Mendelski.

Juremir: “Eu achei humilhante e por isso estou saindo do programa"

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Juremir: “Eu achei humilhante e por isso estou saindo do programa”

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Por telefone, Juremir disse ao Extra Classe que pediu afastamento do programa Bom Dia e que não pretende deixar a emissora, na qual coordena o programa Esfera Pública, em companhia da jornalista Taline Oppitz, nem a função de colunista do jornal Correio do Povo, que exerce há 18 anos. “Eu saí do programa. Continuo na Rádio Guaíba. Não achei adequada essa situação. O Rogério faz uma entrevista e, na condição de participante da bancada de um programa em que todos opinam, todos dão palpites, obviamente eu queria fazer perguntas também, independente do entrevistado”, argumenta. Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da PUCRS, Juremir Machado, 56 anos, é formado em História e em jornalismo e pós-doutor em Sociologia pela Sorbonne.

CENSURADOS – O episódio acabou provocando críticas aos critérios adotados pela Rede Record e veículos afiliados na cobertura das eleições e expôs o que alguns jornalistas qualificam como censura. Jornalistas da Record têm comentado que a cobertura das eleições estaria sob uma espécie de censura no jornal Correio do Povo, obrigado a reproduzir conteúdo nacional da agência R7, mantida pelo grupo Record.

A edição do Correio do Povo desta terça-feira, 23, não traz qualquer referência às eleições. Nas páginas internas, o jornal reproduz material de agência da própria rede (R7), com duas notas. No canto superior da página, o registro do apoio de empresários sob o título “Bolsonaro: a caminho de ‘nova independência’ e, abaixo, o encontro do candidato Fernando Haddad com recicladores e o título “Haddad agradece ‘apoio crítico’ de Marina.

Coincidência ou não as alterações na linha editorial dos veículos da Record no estado começaram a ser percebidas depois que o Bispo Edir Macedo, proprietário da rede, declarou apoio a Bolsonaro, em 30 de setembro. O crime envolvendo apoiadores de Bolsonaro que entalharam a canivete uma suástica no corpo de uma jovem em Porto Alegre, no dia 10 de outubro, por exemplo, foi veiculado na versão on-line do Correio do Povo, teve ampla repercussão, mas não teve continuidade. No último final de semana, nenhum repórter ou equipe do jornal foi designada para cobrir as manifestações do #EleNão no Parque Farroupilha. Já os atos pró-Bolsonaro ganharam ampla repercussão no domingo, 21, no jornal impresso.

No dia 20 de outubro, o jornalista Glenn Greenwald, reportou ataques ao The Intercept. Segundo ele, a eventual ascensão de Bolsonaro estaria gerando um clima no qual jornalistas que criticam a ele, ou ao seu movimento, “incluindo jornalistas que reportam para o Intercept, estão sendo expostos a uma campanha agressiva de investigações pessoais, tentativas de intimidações e escrutínios perniciosas de membros de nossas famílias”. De acordo com Greenwald “esses ataques estão sendo orquestrados pelos meios de comunicação de propriedade do pastor evangélico bilionário e afogado em escândalos, Edir Macedo, que agora é um defensor explícito de Bolsonaro. O vasto império de mídia de Macedo – que inclui a segunda maior emissora de TV do país (Record), portais on-line (R7) e outras agências de notícias – está sendo usado para punir e retaliar jornalistas pelo crime de denunciar criticamente Jair Bolsonaro, seu movimento e as empresas de Macedo”.

Nando Gross contesta críticas: "Não há censura, a igreja não interefere na programação"

Foto: Divulgação

Nando Gross contesta críticas: “Não há censura, a igreja não interefere na programação”

Foto: Divulgação

Logo após o episódio da Rádio Guaíba, na manhã desta terça-feira, o jornalista Luiz Müller disparou em seu blog: “Machado foi obrigado a ficar em silêncio durante programa em que entrevistariam Bolsonaro. Rogério Mendelski, títere do Pastor Edir cumpriu a ordem e impediu o jornalista de perguntar. A Rádio Guaíba é sucursal da Record no RS. Juremir acaba de se demitir do programa em que esteve por dez anos. A democracia está nos seus últimos estertores e a mídia venal já dá sinais de que apoiará a instalação da ditadura fascista e teocrática embutida na candidatura de Bolsonaro”, criticou.

“Nunca vi o bispo Edir Macedo, a igreja não interfere em nada. Não há qualquer orientação, nenhuma censura. Nós somos conhecidos, inclusive como uma emissora de esquerda, porque damos total paridade à cobertura. Inclusive o Haddad já deu entrevista de mais de meia-hora para o Juremir na Guaíba”, contesta o jornalista Nando Gross, diretor de jornalismo da emissora e que negociou com o candidato as condições da participação dele no programa. “Foi uma negociação entre mim e o Bolsonaro. Goste ou não, isso não é incomum em rádio, o cara pedir para ser entrevistado por determinado profissional. No esporte acontece o tempo todo. Ele (Bolsonaro) pediu liberdade para falar e isso foi aceito”, disse. “O que eu jamais faria é trocar apresentador de programa para atender exigência de entrevistado – inicialmente a entrevista seria à tarde. No caso, às 8h é o horário do Mendelski”, afirmou.

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