MOVIMENTO

Seita evangélica praticava tráfico humano e trabalho escravo

De 1.246 trabalhadores encontrados em situação semelhante à escravidão, quase metade foram aliciados por organização criminosa evangélica que atua no Pará e Mato Grosso
Da Redação* / Publicado em 19 de outubro de 2018

Not available

Not available

Até outubro deste ano, foram encontrados 1.246 trabalhadores em situação semelhante à escravidão. O balanço foi divulgado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), responsável por coordenar a fiscalização deste tipo de prática e as operações de libertação. Destes, 620 foram resgatados pelas equipes de auditores fiscais.

A três meses do fim do ano, o número de encontrados já é quase o dobro do registrado em todo o ano passado, quando foram descobertas 645 pessoas em condições insalubres, sendo 639 resgatadas. Em 2016 foram 917 encontrados e 777 resgatados. Do total encontrado neste ano, 651 trabalhadores foram formalizados e foram pagos R$ 1,7 milhão em verbas rescisórias. As ações chegaram a 159 estabelecimentos usando este tipo de trabalho.

Das fiscalizações, 869 encontraram situações análogas à escravidão em estabelecimentos no meio urbano e 377, no campo. Os três ramos econômicos onde essa condição foi mais encontrada foram a pecuária, a produção de café e o plantio de florestas. No recorte geográfico, Minas Gerais foi o estado com maior incidência do problema, com 754 casos. Em seguida vieram Pará, com 129, e Mato Grosso, com 128.

Metade foram aliciados por seita evangélica criminosa

Dos 1.246 trabalhadores encontrados em situação análoga à escravidão, quase metade (565) foi descoberta em uma ação denominada Operação Canaã. Os fiscais do trabalho identificaram essas pessoas aliciadas pela seita evangélica Traduzindo o Verbo, com atuação em Minas Gerais e em mais dois estados. A operação também explica a discrepância do número registrado no estado em relação aos demais, com média de 10 a 20 pessoas.

Segundo o chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae), Maurício Krepsky, os trabalhadores foram atraídos com a promessa de construir um “reino divino na terra” e depois passaram a ser colocados para trabalhar em estabelecimentos comerciais (como postos, restaurantes e lojas) e em fazendas.

Esses trabalhadores não foram resgatados por não terem aceitado deixar a seita e abandonar os trabalhos. “Eles continuaram nas fazendas que estavam submetidos a esta condição. Em alguns estabelecimentos houve orientação para interdição. Eles diziam que era para consumo próprio, mas a gente teve indícios de que o lucro ia para os coordenadores da seita”. A Polícia Federal prendeu 13 pessoas ligadas à seita.

Tráfico de pessoas, lavagem de dinheiro e estelionato

Alvo da Operação Canaã – A Colheita Final, a empresa Nova Visão Assessoria e Consultoria, foi autuada no dia 15 pelo Ministério do Trabalho por manter 565 trabalhadores em condição análoga à de escravidão. Deflagrada no início de fevereiro, a operação investiga o envolvimento de uma seita religiosa, a Igreja Cristã Traduzindo o Verbo, em crimes como trabalho escravo, tráfico de pessoas, lavagem de dinheiro e estelionato.

Segundo o Ministério do Trabalho, a igreja foi autuada porque dos 565 trabalhadores encontrado em condição ilegal, 438 não tinham registro em Carteira de Trabalho e 32 eram adolescentes em atividades proibidas para menores.

Ainda de acordo com o ministério, as vítimas foram encontradas em nove fazendas de produção hortigranjeira e de café do grupo, sendo seis em Minas Gerais e três na Bahia, além de restaurantes, casas comunitárias e um posto de gasolina em São Paulo.

Conforme nota do Ministério do Trabalho, as vítimas não tinham jornada de trabalho estabelecida e não recebiam nenhuma remuneração pelas atividades. Eles trabalhavam em troca de casa e comida.

Doutrinação dos trabalhadores dificulta ação da Polícia

Na operação, desencadeada em parceria com a Polícia Federal, os auditores fiscais tiveram dificuldade para resgatar os trabalhadores. Em virtude da doutrinação religiosa, as vítimas não se achavam exploradas e diziam trabalhar em nome da fé e da coletividade.

Em meio à operação, 13 dirigentes do grupo econômico e da igreja foram presos preventivamente. Outros dez dirigentes continuam foragidos.

Além de ser obrigado a regularizar a situação dos trabalhadores, o grupo econômico responsável pela igreja também deverá afastar os trabalhadores das atividades ilegais.

Conforme determinação do Ministério, os trabalhadores que não tinham a Carteira de Trabalho assinada deverão ter o registro incluído no documento. Além disso, os 565 trabalhadores terão que receber retroativamente pelos serviços prestados. A igreja deverá ainda providenciar o retorno das vítimas aos seus locais de origem.

*Com informações do Ministério do Trabalho, Polícia Federal e Agência Brasil

Comentários