POLÍTICA

TSE vai investigar repressão e censura em universidades

Presidente da Corte afirmou que Corregedoria-Geral Eleitoral está tomando providências para coibir "eventuais excessos" no exercício do poder de polícia eleitoral
Por Gilson Camargo / Publicado em 26 de outubro de 2018
Presidente do TSE fez leitura de uma nota durante a última sessão da Corte antes do segundo turno da eleição: "Justiça Eleitoral deve coibir a propaganda eleitoral irregular sem atentar contra a liberdade de expressão"

Foto: Marcelo Camargo/ ABr

Presidente do TSE fez leitura de uma nota durante a última sessão da Corte antes do segundo turno da eleição: “Justiça Eleitoral deve coibir a propaganda eleitoral irregular sem atentar contra a liberdade de expressão”

Foto: Marcelo Camargo/ ABr

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) manifestou-se nesta sexta-feira 26, por meio de nota, sobre as ações policiais autorizadas por juízes plantonistas em âmbitos regionais de repressão a eventos públicos e apreensão de materiais em universidades ocorridas em todo o país na noite de quinta-feira, 25. O documento do TSE foi lido pela presidente da Corte, ministra Rosa Weber, no início da sessão de julgamento extraordinária da tarde de hoje. Informa que o Tribunal está “adotando todas as providências cabíveis, por meio da Corregedoria-Geral da Justiça Eleitoral, para esclarecer as circunstâncias e coibir eventuais excessos no exercício do poder de polícia eleitoral no âmbito das universidades de diversos estados da federação”.

A presidente do TSE anunciou que a Justiça Eleitoral vai investigar a conduta dos juízes que autorizaram ações policiais e de fiscais em universidades públicas para apurar suposta realização de propagandas eleitorais irregulares. No início da última sessão do TSE antes do segundo turno das eleições, Rosa Weber defendeu liberdade de manifestação de pensamento nas universidades e disse que “eventuais excessos” devem ser investigados. “O TSE está adotando todas as providências cabíveis, por meio da Corregedoria-Geral da Justiça Eleitoral, para esclarecer as circunstâncias e coibir eventuais excessos no exercício de poder de polícia eleitoral no âmbito das universidades de diversos estados da Federação”, disse a ministra. Ela destacou que a Justiça Eleitoral deve coibir a propaganda eleitoral irregular sem atentar contra a liberdade de expressão.

“A aplicação do poder de polícia da Justiça Eleitoral tem por finalidade evitar o desequilíbrio de forças no pleito eleitoral, assegurando, além do princípio da isonomia, o pleno exercício da liberdade de expressão. A prévia e escrita ordem da Justiça Eleitoral é pressuposto para toda e qualquer constrição de direito. Eventuais excessos merecem a devida apuração”, alertou. A procuradora-geral eleitoral, Raquel Dodge, também anunciou que entrou com uma ação no STF para assegurar a liberdade de reunião e de manifestação nas universidades públicas.

Em nota em uma rede social, o ministro Dias Toffoli afirmou que o STF, “como guardião da Constituição Federal, sempre defendeu a autonomia e a independência das universidades brasileiras, bem como o livre exercício do pensar, da expressão e da manifestação pacífica”. Outro ministro do STF, Gilmar Mendes, também se manifestou. Em uma palestra na Uninove, em São Paulo, Mendes advertiu: “É preciso que façamos uma reavaliação para não valorizarmos uma ação repressiva e que possamos valorizar uma relação mais dialógica. Nós precisamos ter uma relação dialógica e menos repressiva”.

Para procuradores federais dos direitos do cidadão, atos de censura são incompatíveis com a democracia

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, lançou nota pública, nesta sexta-feira, 26, na qual aponta como potencialmente incompatíveis com o regime constitucional democrático iniciativas voltadas a impedir a comunidade discente e docente de universidades de manifestarem livremente seu entendimento sobre questões da vida pública no país. Nos últimos dias, mais de 30 campi de universidades brasileiras relataram esse tipo de ocorrência.

No texto, a PFDC ressalta que a vedação de uso de bens públicos para propaganda eleitoral não se confunde com a proibição do debate de ideias. “Nem mesmo a maior ou menor conexão ou antagonismo de determinada agremiação política ou candidatura com alguns dos valores constitucionais pode servir de fundamento para que esses valores deixem de ser manifestados e discutidos publicamente”.

Para o órgão do Ministério Público Federal, a proteção ao correto processo eleitoral deve se concretizar em diálogo e respeito aos direitos fundamentais da liberdade de expressão do pensamento, da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação – conforme estabelece a Constituição Federal. Nesse sentido, o argumento de que as instituições escolares são equipamentos públicos e, portanto, a salvo do debate eleitoral, não faz jus à dignidade que ambos os temas têm na Constituição de 1988, tão sábia em preservar determinados temas dos campos do mercado e da propriedade, inclusive pública.

De acordo com a nota, a interpretação de dizeres “Direito UFF Antifascista”, “Marielle Franco presente”, “Ditadura nunca mais. Luís Paulo vive” como sendo uma forma de propaganda eleitoral transborda os limites da razoabilidade e compromete o arcabouço constitucional da liberdade de manifestação e de cátedra, bem como de expressão do pensamento e intelectual.

Segundo a Procuradoria dos Direitos do Cidadão, conceber que o repúdio ao fascismo possa representar o apoio a uma determinada candidatura seria admitir que a Constituição brasileira endossaria tal forma de regime, o que é inaceitável. “Em realidade, poderia se criticar uma manifestação anti-fascismo por platitude num cenário de normalidade democrática, mas em hipótese alguma de propaganda a uma candidatura”, aponta o texto.

A nota destaca que uma interpretação em favor da proibição de manifestações dessa natureza é uma ladeira escorregadia e, em breve, se poderia alegar que qualquer símbolo ou manifestação solidária ou trivial está associado a candidaturas. “Até mesmo a simples presença de crucifixos em ambientes públicos poderia ser considerada um posicionamento contra, por exemplo, candidatos judeus ou ateus”.

Ainda de acordo com a PFDC, em uma disputa marcada pela violência física e simbólica, pelo engano e pela falsificação de fatos, chama a atenção que o esforço do sistema de Justiça se dirija exatamente ao campo das ideias.

A nota pública é assinada pela procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, e pelos PFDCs adjuntos, Domingos da Silveira, Marlon Weichert e Eugênia Augusta.

Confira a íntegra da Nota da Procuradoria.

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