SAÚDE

Cuba rompe parceria do Mais Médicos com o Brasil

Programa humanitário mantido desde 2013 e que já levou atendimento médico a 113 milhões de brasileiros foi questionado pelo governo brasileiro eleito, que depreciou profissionais cubanos
Por Charles Nisz / Publicado em 14 de novembro de 2018
Medicos cubanos embarcam para o Haiti em 2016: programa de ajuda humanitária, o Mais Médicos integra médicos de diversas nacionalidades, sendo conhecido e respeitado por governos democráticos

Foto: Ismael Francisco / Cubadebate

Medicos cubanos embarcam para o Haiti em 2016: programa de ajuda humanitária, o Mais Médicos integra médicos de diversas nacionalidades, sendo conhecido e respeitado por governos democráticos

Foto: Ismael Francisco / Cubadebate

O governo de Cuba anunciou nesta quarta-feira, 14, o rompimento da parceria com o Brasil no programa Mais Médicos. A justificativa foram as declarações “depreciativas” e exigências “inaceitáveis” feitas pelo presidente eleito Jair Bolsonaro, segundo o comunicado divulgado pelo governo cubano. “Diante dessa realidade lamentável, o Ministério da Saúde Pública de Cuba tomou a decisão de não continuar participando do programa Mais Médicos”, diz a nota (leia íntegra, em espanhol).

Com a decisão, 11 mil médicos retornarão à ilha caribenha após Bolsonaro ter questionado a preparação dos profissionais cubanos. A continuidade do programa teria como condicional a revalidação dos diplomas no Brasil e a imposição, como via única, a “contratação individual”.

“Não é aceitável que se questione a dignidade, profissionalismo e altruísmo dos colaboradores cubanos. Os povos da Nossa América e do resto do mundo sabem que sempre poderão contar com a vocação humanista e solidária dos nossos profissionais”, protesta a nota.

Em seu perfil no Twitter, Jair Bolsonaro reagiu ao anúncio do governo de Cuba, lamentando que as condições impostas para a continuidade do programa não tenham sido aceitas e voltou a insultar os cubanos: “Condicionamos à continuidade do programa Mais Médicos a aplicação de teste de capacidade, salário integral aos profissionais cubanos, hoje maior parte destinados à ditadura, e a liberdade para trazerem suas famílias. Infelizmente, Cuba não aceitou”, afirmou.

Lançado em 2013, no primeiro governo de Dilma Rousseff (PT), o Mais Médicos é um programa humanitário amplamente conhecido no mundo, que integra médicos de diversas nacionalidades, e é respeitado por governos democráticos. Seu objetivo é levar cobertura médica a regiões onde há escassez de profissionais. Nestes cinco anos, perto de 20 mil colaboradores cubanos ofereceram atenção médica a 113 milhões de pacientes, em mais de 3,6 mil municípios. Nesse período, as populações de mais de 700 municípios tiveram acesso a atendimento médico pela primeira vez na história, afirmou o Ministério da Saúde de Cuba.

Após as primeiras notícias de que o governo pretendia trazer médicos estrangeiros para atuar no país, médicos brasileiros reagiram com protestos e manifestações de ódio nas redes sociais. A dispensa da revalidação do diploma era uma das principais críticas. A alegação dos médicos brasileiros contrários ao Mais Médicos é que não haveria carência de profissionais no país, mas falta de infraestrutura e plano de carreira para estimular a atuação no interior.

Inicialmente, o tempo máximo de permanência dos profissionais era de três anos. Em abril de 2016, Dilma anunciou uma nova etapa do projeto, que possibilitou extensão dos contratos por mais três anos. A mudança beneficiou 71% dos profissionais do programa que precisariam ser substituídos até o final daquele ano.

O projeto se baseava num modelo de cooperação assinado entre Brasil, Cuba e Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Pela parceria, o pagamento dos profissionais é realizado ao governo cubano, que transfere parte do valor aos médicos.

Atualmente, eles recebem quase R$ 3 mil. A bolsa paga por Brasília aos outros profissionais do programa é de R$ 11,8 mil. Os médicos do programa recebem ainda uma ajuda de custo para moradia e despesas básicas, pagas pelas prefeituras, e os cubanos, uma passagem anual de ida e volta à Ilha, prevista no contrato assinado com o Ministério da Saúde de Cuba.

A seguir, a íntegra da nota divulgada pelo governo cubano:

Declaração do Ministério da Saúde Pública

O presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, com referências diretas, depreciativas e ameaçadoras à presença de nossos médicos, declarou e reiterou que modificará os termos e condições do Programa Mais Médicos, desrespeitando a Organização Panamericana de Saúde.

O Ministério da Saúde Pública da República de Cuba, comprometido com os princípios solidários e humanistas que durante os 55 anos guiaram a cooperação médica cubana, participa desde o inicio de agosto de 2013 no Programa Mais Médicos para o Brasil. A iniciativa de Dilma Rousseff, na época presidente da República Federativa do Brasil, teve o nobre propósito de garantir assistência médica para o maior número da população brasileira, em consonância com o princípio da cobertura universal de saúde promovida pela Organização Mundial da Saúde.

Esse programa previa a presença de médicos brasileiros e estrangeiros para atuar em áreas pobres e remotas daquele país.

A participação cubana no mesmo é feita através da Organização Pan-Americana da Saúde e se distinguiu pela ocupação de lugares não cobertos por médicos brasileiros ou de outras nacionalidades.

Nestes cinco anos de trabalho, cerca de 20 mil colaboradores cubanos atenderam 113.359.000 pacientes em mais de 3.600 municípios, chegando a cobrir um universo de 60 milhões de brasileiros na época em que constituíram 80% de todos os médicos participantes do programa. Mais de 700 municípios tiveram um médico pela primeira vez na história.

O trabalho dos médicos cubanos em locais de extrema pobreza nas favelas do Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador de Bahia, nos 34 Distritos Especiais Indígenas, especialmente na Amazônia, foi amplamente reconhecido pelos governos federal, estaduais e municipais daquele país e de sua população, que lhe concedeu 95% de aceitação, segundo estudo encomendado pelo Ministério da Saúde do Brasil à Universidade Federal de Minas Gerais.

Em 27 de setembro de 2016, o Ministério da Saúde Pública, em uma declaração oficial, informou perto da data de expiração do contrato e no meio dos eventos relacionados ao golpe de Estado legislativo-judicial contra a presidenta Dilma Rousseff, que Cuba “continuará a participar no acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde para a aplicação do Programa Mais Médicos, desde que mantidas as garantias oferecidas pelas autoridades locais “, o que foi respeitado até agora.

O presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, com referências diretas, depreciativas e ameaçadoras à presença de nossos médicos, disse e reiterou que modificará os termos e condições do Programa Mais Médicos, desrespeitando a Organização Pan-Americana da Saúde e o que esta acordou com Cuba, ao questionar o preparo de nossos médicos e condicionar sua permanência no programa à revalidação do título e como única forma de se contratá-los a forma individual.

As mudanças anunciadas impõem condições inaceitáveis e violam as garantias acordadas desde o início do programa, que foram ratificadas em 2016 com a renegociação da cooperação entre a Organização Pan-Americana da Saúde e o Ministério da Saúde do Brasil e o Convênio de Cooperação entre a Organização Pan-Americana da Saúde e o Ministério da Saúde Pública de Cuba. Essas condições inadmissíveis impossibilitam a manutenção da presença de profissionais cubanos no Programa.

Portanto, diante desta triste realidade, o Ministério da Saúde Pública de Cuba tomou a decisão de não continuar participando do programa Mais Médicos e o comunicou à diretora da Organização Pan-Americana da Saúde e aos líderes políticos brasileiros que fundaram e defenderam essa iniciativa.

Não é aceitável questionar a dignidade, o profissionalismo e o altruísmo dos colaboradores cubanos que, com o apoio de suas famílias, prestam atualmente serviços em 67 países. Em 55 anos, 600 mil missões internacionalistas foram realizadas em 164 países, envolvendo mais de 400 mil trabalhadores de saúde, que em muitos casos cumpriram essa honrosa tarefa em mais de uma ocasião. Destacam-se as façanhas da luta contra o ebola na África, a cegueira na América Latina e no Caribe, a cólera no Haiti e a participação de 26 brigadas do Contingente Internacional de Médicos Especializados em Desastres e Grandes Epidemias “Henry Reeve” no Paquistão, Indonésia, México, Equador, Peru, Chile e Venezuela, entre outros países.

Na esmagadora maioria das missões concluídas, as despesas foram assumidas pelo governo cubano. Da mesma forma, em Cuba, 35.613 profissionais de saúde de 138 países foram treinados gratuitamente, como expressão da nossa solidariedade e vocação internacionalista.

Os funcionários tiveram seus postos de trabalho e 100% de seu salário em Cuba mantidos, com todas as garantias trabalhistas e sociais, como o resto dos trabalhadores do Sistema Nacional de Saúde.

A experiência do Programa Mais Médicos para o Brasil e a participação cubana demonstram que um programa de cooperação Sul-Sul pode ser estruturado sob os auspícios da Organização Pan-Americana da Saúde para promover seus objetivos em nossa região. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e a Organização Mundial da Saúde qualificam-no como o principal exemplo de boas práticas na cooperação triangular e na implementação da Agenda 2030 com os seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Os povos da nossa América e do resto do mundo sabem que sempre poderão contar com a vocação humanista e solidária de nossos profissionais.

O povo brasileiro, que fez do Programa Mais Médicos uma conquista social, que contou desde o início com os médicos cubanos, aprecia suas virtudes e aprecia o respeito, sensibilidade e profissionalismo com que o atenderam, poderá entender sobre quem recai a responsabilidade que nossos médicos não podem continuar fornecendo sua contribuição solidária nesse país.

Havana, 14 de novembro de 2018”.

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