JUSTIÇA

PF vai apurar interferência de organização criminosa na investigação do caso Marielle Franco

Testemunhas ouvidas pela Procuradoria Geral da República apontaram ação de milícias e "agentes do Estado" que tenta impedir o avanço das investigações
Por Gilson Camargo / Publicado em 2 de novembro de 2018
A vereadora do PSol, Marielle Franco, e seu motorista, Anderson Gomes, foram mortos na noite de 14 de março deste ano

Foto: Mário Vasconcellos/EFE/Agência Brasil

A vereadora do PSol, Marielle Franco, e seu motorista, Anderson Gomes, foram mortos na noite de 14 de março deste ano

Foto: Mário Vasconcellos/EFE/Agência Brasil

A Polícia Federal vai apurar interferências de uma organização criminosa na investigação do assassinato da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco (Psol) e do motorista Anderson Gomes, ocorrido em março deste ano. O Ministério Público e a polícia civil estaduais seguem na apuração do homicídio, mas passados quase oito meses do crime nenhum responsável foi identificado. A interferência da PF foi anunciada pelo Ministério da Justiça como uma ação paralela à investigação conduzida até agora pelo Ministério Público e pela polícia civil. No entanto, na prática, o caso passa a ser investigado pela PF, que vai “investigar a investigação”.

Em entrevista coletiva na quinta-feira, 1º de novembro, em Brasília, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, anunciou que a PF passou a atuar nas investigações. Segundo ele, o Ministério Público Federal obteve dois depoimentos com denúncias de que uma organização criminosa teria atuado para desviar as investigações e dificultar a identificação dos autores e mandantes dos assassinatos. A interferência da PF foi pedido pela Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge.

Jungmann classificou as informações obtidas como “gravíssima denúncia”. A organização criminosa envolveria a atuação de criminosos, contraventores, milícias e agentes públicos de diversos órgãos, inclusive relacionados ao caso. Questionado se as testemunhas teriam apresentado provas, o ministro disse que os indícios de práticas de corrupção, ocultamento e compra de agentes públicos para impedir a descoberta dos mandantes do crime “foram relevantes”. O ministro, no entanto, não quis revelar mais detalhes, nem precisar quais agentes e de que órgãos estariam envolvidos nesse grupo. Jungmann também não informou o que aconteceu com os denunciantes. Comentou apenas que um dos depoimentos teria sido tomado no Rio de Janeiro e outro fora, durante os meses de agosto e setembro.

Polícia Federal faz investigações paralelas

O ministro da Justiça, Raul Jungmann, anunciou em coletiva que testemunhas revelaram a existência de organização criminosa atuando para barrar as investigações

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O ministro da Justiça, Raul Jungmann, anunciou em coletiva que testemunhas revelaram a existência de organização criminosa atuando para barrar as investigações

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

De acordo com o Jungmann, o inquérito da Polícia Federal correrá paralelamente às investigações conduzidas pelo Ministério Público e pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, o que não configura federalização das investigações. “Se o caso Marielle ajudar a desvendar quem está obstruindo e se, inversamente, a busca da investigação de quem está promovendo isso, segundo a testemunha, ajudar o caso Marielle, ótimo. Embora as responsabilidades sejam distintas, sem sombra de dúvida a cooperação deve ajudar mutuamente a elucidação tanto de um caso quanto de outro”.

Em agosto, o ministro afirmou que a Polícia Federal estaria pronta para assumir a investigação completa do caso se ele fosse federalizado. Mas para isso a PGR teria de entrar com um pedido junto ao Superior Tribunal de Justiça denominado Incidente de Deslocamento de Competência (IDC), o que não ocorreu.

Jungmann disse que, de certa forma, a ação da PF será uma “investigação da investigação”. Segundo o ministro, a Procuradoria do Rio de Janeiro foi contrária à federalização do caso. Por isso, a PF não está apurando diretamente o crime. “Quando a Procuradoria-Geral estava iniciando os estudos para fazer a federalização, houve um movimento do MPRJ, entendendo que aquilo era uma violação da autonomia do Estado”. Jungmann ressaltou que considera o atentado contra Marielle e Anderson um crime contra a democracia. “Quando você cala uma representante popular, que defende minorias e leva ao conhecimento denúncias, você está atacando a própria democracia, os direitos humanos e a representação popular”, destacou.

MINISTÉRIO PÚBLICO – O Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) divulgou uma nota de esclarecimento na noite de quinta-feira, com um posicionamento em relação à participação da Polícia Federal na apuração de interferências na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, ocorrido em março deste ano. A investigação dos homicídios vem sendo conduzida pelo Ministério Público e pela polícia civil estaduais há quase oito meses, ainda sem nenhum responsável identificado. Na nota, o MPRJ afirma que a cooperação da PF é “bem-vinda”, mas informa que, até agora, o órgão não teve acesso aos dois depoimentos citados nas declarações do ministro Raul Jungmann na entrevista coletiva. O comunicado afirma que o MPRJ espera receber, em breve, o compartilhamento dos depoimentos.

A vereadora Marielle Franco, 38 anos, e seu motorista, Anderson Gomes, 39, foram mortos na noite de 14 de março deste ano. Ela foi atingida por quatro tiros e Anderson, por três. Os disparos feitos a partir do banco traseiro do veículo utilizado pelos assassinos foram de uma pistola automática ou submetralhadora, de acordo com as investigações. Marielle e Anderson estavam acompanhados de uma assessora da vereadora, que não foi atingida, quando saíam de um evento político. Eles estavam no interior do carro da vereadora no bairro do Estácio, no Rio de Janeiro, quando sofreram o atentado.

As investigações ficaram a cargo do Ministério Público do Rio de Janeiro e da Polícia Civil do estado. Em julho, dois suspeitos foram presos pela Delegacia de Homicídios da Polícia Civil do Rio: Alan Moraes Nogueira, policial militar reformado, e Luiz Cláudio Ferreira Barbosa, que atuava como bombeiro. Segundo as investigações, eles fariam parte do grupo do miliciano Orlando Oliveira de Araújo, conhecido como Orlando de Curicica, que está preso no Rio Grande do Norte por outro delito.

Uma testemunha da morte de Marielle Franco disse que Nogueira também estaria ligado à execução da vereadora e de seu motorista. Ele estaria no carro que fez a emboscada na região central do Rio de Janeiro e disparou contra o carro dirigido por Anderson e que levava a vereadora e uma assessora no banco traseiro. O advogado de Nogueira, Leonardo Lopes, negou o envolvimento do policial reformado com milícias e com a execução.

Em entrevista publicada na segunda pelo jornal O Globo, o ex-policial Orlando Curicica, um dos suspeitos de participar do crime, afirmou que a Polícia Civil fluminense “não tem interesse” em elucidar as circunstâncias da morte de Marielle. Na coletiva, Jungmann não confirmou se o ex-policial e miliciano seria uma das testemunhas ouvidas pela PGR.

*Com reportagem da Agência Brasil.

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