MOVIMENTO

Sim para a representatividade do negro

Em foto coletiva, alunos, funcionários e terceirizados negros da Ufrgs reafirmam necessidade de inclusão da etnia na sociedade e na academia
Marcia Santos / Publicado em 20 de novembro de 2018

Há dois anos, a passagem do Dia Nacional da Consciência Negra, 20 de novembro, é marcado com foto coletiva, que integra programação de atividades com o objetivo de refletir e comemorar os avanços e demandas dos negros.

Foto: Igor Sperotto

O Dia Nacional da Consciência Negra, 20 de novembro, é marcado, pelo segundo ano consecutivo, com uma foto coletiva de discentes, funcionários e terceirizados negros da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). A atividade emblemática leva a nome de Sim, representatividade importa e tem o objetivo de reafirmar a necessidade de existência desta etnia na sociedade e, especial, no mundo acadêmico. Os organizadores explicam que a iniciativa quer unificar uma série de atividades para refletir e comemorar os avanços e demandas dos negros 130 anos após a abolição da escravidão.

Entre estas atividades está marcada, para o dia 22, às 18h, o evento Mulheres negras na academia, organizado pelo Diretório Central de Estudantes (DCE). Uma oportunidade para avaliar os impactos da introdução da reserva de vagas a partir da chamada Lei das Cotas. Sancionada em agosto de 2012, esta lei garante 50% das matrículas por curso nas 59 universidades federais e 38 institutos de educação, ciência e tecnologia a alunos do ensino público, de família de baixa renda e autodeclarados pretos, pardos e indígenas (PPI). Antes mesmo da promulgação da Lei, a Ufrgs já tinha implantado seu sistema de cotas a partir de 2007, três anos após a pioneira Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).

Formada relações públicas em 2016, a cotista Luana Daltro, 24 anos, lembra que quando ingressou na universidade, em 2012, o tema era muito discutido. “Os cotistas ficavam sempre para o segundo semestre, isso era uma regra, uma forma de distinguir”, conta. Ela acredita que sua experiência foi positiva, pois despertou para esta e outras questões de sua etnia. “Eu me autodescobri negra, deixei meu cabelo mais natural, me envolvi mais”. E segue: “a gente é ensinado desde criança que o negro tem um lugar e este não é a universidade”. Segundo ela, este processo é silencioso. “As pessoas não falam que não é teu lugar, mas vão demonstrar de diferentes formas”. Sua turma, lembra, vinhas das escolas privadas “Não houve preconceito, mas um estranhamento de algo diferente deles”. Acredita que a novidade causou mudança de pensamento entre os próprios professores. “O desacomodamento foi algo importante que a política de cotas trouxe para a universidade, que era branca e homogênea”.

“É sempre uma brincadeira”

O racismo magoa, salienta Luana. Ela recorda que, em 2013, durante um “trote” para receber os calouros, teve a ideia de fazer uma placa escrito “negros no poder”. Foi alvo de piada de um colega da publicidade e propaganda. “Ele me olhou e disse que, até 100 anos atrás, éramos escravos e agora queríamos nos sentir no poder. Choquei e perguntei por que tanto ódio. A resposta dele foi que era uma brincadeira. É sempre uma brincadeira”.

Fernanda de Moura Silveira, 21 anos, cursa o 5º semestre de medicina. Usuária das cotas, confessa não se sentir bem no ambiente acadêmico, segundo ela bastante branco. “Os professores são quase todos brancos, só tive um negro. No hospital (de Clínicas) não somos vistos como estudantes de medicina, somos outros profissionais. Não que seja algo errado, mas quero ter minha identidade”. Marcou um caso de racismo em que um paciente fez piada com seu cabelo. “Na hora eu parei, não sabia o que fazer, fiquei petrificada”. Não teve a solidariedade de colegas ou professores. “Sinto que não pertenço àquele ambiente. O que me dá apoio são colegas de grupos como o Negrex, que envolve estudantes de medicina e médicos de todo o Brasil. Mas o embate é cotidiano”.

O último relatório da Coordenação de Ações Afirmativas (CAF), de 2016, aponta que, após a adoção de reservas, houve aumento de vinculados oriundos de escolas públicas, com um ganho médio de 12 pontos percentuais. Mas a participação dos negros no ensino superior, no Brasil, persiste em patamares reduzidos, apesar de uma leve evolução do Censo 2000 (0,7% desta população) para 3,3% em 2010.

Baixa ocupação

Na Ufrgs, entre 2008 e 2014, a ocupação de cotas raciais representou apenas 26,93% do total de ingressantes por reserva de vagas. Neste período, dos 1.449 diplomados por reserva de vagas, apenas 182 (12,6%) são de reserva racial. E o período 2008/2012 foi caracterizado por taxa de ocupação de vagas muito baixa pelos autodeclarados em todos os cursos. O sociólogo Edilson Nabarro, vice coordenador do CAF, lembra que, quando começou o debate e consequente implantação da política de cotas, em 2007, havia muita oposição e descrença. “Uma parte queria que fosse só social, não racial. Outros não queriam nenhum tipo”. Com a promulgação da lei, em 2012, veio a obrigatoriedade. “Esta é uma política que, do ponto de vista institucional, está consolidada. Mas o futuro é incerto. O cenário atual é de ameaças”.

Medicina resiste à cota

Celi Pinto

Foto: Leonardo Savaris

Ele acredita que a política vem sendo executada da universidade com bons resultados. “Sem as cotas, não teríamos mais de 300 formados. Hoje temos o ingresso de 5.400 alunos autodeclarados negros, sendo que 738 já se diplomaram”. Em 2014, a professora Céli Pinto, que presidiu a comissão de implantação das cotas raciais e sociais na UFRGS, deu uma entrevista ao Extra Classe afirmando que a faculdade de medicina foi o maior foco de resistência à inovação.

Nabarro explica que, até 2011, das 28 vagas, apenas quatro foram ocupadas por alunos autodeclarados negros. De 2008 a 2018, dos 640 estudantes da medicina diplomados, 19 são negros e um é indígena. “Não é um processo tranquilo, mas que tem que ser celebrado porque, se não fossem as cotas, o número de alunos autodeclarados seria reduzido a um quarto”.

Diplomados em Medicina 2008/2018:
Acesso Universal – 415
Cotista Escola Pública – 205
Cotista Pretos, Pardos e Indígenas (PPI) – 20

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