EDUCAÇÃO

STF recua e Escola sem Partido avança

Toffoli tira Escola sem Partido da pauta e abre caminho para votação da matéria na Câmara sem o constrangimento de eventual decisão contrária no STF
Por Flavia Bemfica / Publicado em 23 de novembro de 2018
Ministro Dias Toffoli, presidente do STF, retirou da pauta do dia 28 avaliação de matéria similar ao Escola Sem Partido para tratar dos indultos de Natal

Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Ministro Dias Toffoli, presidente do STF, retirou da pauta do dia 28 avaliação de matéria similar ao Escola Sem Partido para tratar dos indultos de Natal

Foto: Nelson Jr./SCO/STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) não deve apreciar na próxima quarta-feira, 28 de novembro, a constitucionalidade da lei estadual de Alagoas conhecida como ‘Escola Livre’, uma versão local do projeto nacional do ‘Escola sem Partido’. Oficialmente, o que motiva o possível adiamento é o fato de o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, ter incluído na pauta da sessão do dia 28 a ação que questiona o indulto de Natal concedido pelo presidente Michel Temer no ano passado. O julgamento do indulto começou na quarta passada, mas foi suspenso por Toffoli, que o transferiu para a próxima semana. Apesar de na manhã desta sexta-feira, 23, o julgamento do ‘Escola Livre’ seguir previsto na pauta do dia 28, na prática, Toffoli ainda deve conversar com o relator do processo, ministro Luís Roberto Barroso, e definir se a Corte aprecia a matéria neste ano.

Toda a movimentação ocorre em meio à pressão para que o STF deixe o debate do ‘Escola sem Partido’ para o Congresso e a movimentos de Toffoli no sentido de frear a atuação política do tribunal. De público, em mais de uma ocasião, ele vem salientando que o Executivo e o Legislativo devem retomar seu protagonismo na política. O muito provável adiamento da análise da matéria no STF acontece ainda na mesma semana em que Jair Bolsonaro (PSL) anunciou o colombiano naturalizado brasileiro Ricardo Vélez Rodríguez, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, como futuro ministro da Educação. Rodríguez é defensor ardoroso do ‘Escola sem Partido’, que considera uma “providência fundamental”; avalia que o golpe civil militar de 1964 deve ser comemorado por ter evitado uma “ditadura comunista”; e acredita que nas últimas décadas o sistema de ensino no país está “afinado com a tentativa de impor, à sociedade, uma doutrinação de índole cientificista e enquistada na ideologia marxista, travestida de ‘revolução cultural gramsciana’”. A confirmação de Rodríguez se deu na noite de quinta, para aplacar a crise desencadeada na transição de governo de Bolsonaro na quarta (mesmo dia da sessão do STF), quando os aliados evangélicos rechaçaram com fúria o convite que havia sido feito ao diretor do Instituto Ayrton Senna, Mozart Neves Ramos, para o ministério.

Agora, se o adiamento da apreciação do ‘Escola Livre’ no STF se concretizar, pode atrapalhar a estratégia que vem sendo utilizada na Câmara dos Deputados por parlamentares e movimentos sociais que se opõem ao avanço do ‘Escola sem Partido’. Nas articulações sobre a tramitação do projeto na Câmara, os parlamentares contrários adotaram a estratégia de protelar a votação do texto na Comissão Especial que trata da proposta, de forma que a decisão do STF acontecesse antes de uma definição no Parlamento, o que serviria para esvaziar as pretensões daqueles que tentam aprovar o projeto. Também na quinta (22), o parecer do relator, deputado Flavinho (PSC/SP), foi lido na Comissão. Um pedido de vista coletivo impede que a comissão volte a se reunir antes de realizadas duas sessões do plenário. Isso significa que nova reunião da comissão pode acontecer na quinta, 29 (depois da sessão do STF), com os deputados votando o texto. Como a matéria é conclusiva, pode seguir direto para o Senado, sem passar pelo plenário. É o que seus defensores tentam fazer acontecer. Enquanto isso, os contrários vão tentar barrar o atalho por meio de expedientes também previstos no regimento.

A partir de 20 de dezembro começa o recesso do STF, que só retoma os trabalhos em 2019. A Câmara dos Deputados também, na prática, entra em recesso no dia 20. Salvo em caso de convocação extraordinária, o que não for apreciado até lá fica para os parlamentares eleitos em 7 de outubro.

No Estado, MPF recomenda que instituições garantam liberdade de aprender e ensinar

Frente aos relatos constantes de pressões e tentativas de constrangimento por parte de defensores do ‘Escola sem Partido’, o Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), decidiu realizar uma ação coordenada em todo o território nacional, de forma a prevenir e impedir danos. No Rio Grande do Sul, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) expediu recomendação a seis instituições federais de ensino, para que “se abstenham de qualquer atuação ou sanção arbitrária em relação a professores, com fundamento que represente violação aos princípios constitucionais e demais normas que regem a educação nacional, em especial quanto à liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber e ao pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, adotando as medidas cabíveis e necessárias para que não haja qualquer forma de assédio moral em face desses profissionais, por parte de servidores, professores, estudantes, familiares ou responsáveis.”

A recomendação foi endereçada à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), ao Colégio de Aplicação da Ufrgs, ao Colégio Militar de Porto Alegre, à Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), ao Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) e ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul Rio-grandense.  Nas quatro páginas do documento, a PRDC elenca 13 considerações. Entre elas, a lembrança de que a conduta de assédio moral “atenta contra direitos indisponíveis da pessoa humana, violando, notadamente, seus direitos a dignidade, honra, liberdade, autodeterminação e saúde”. O expediente chama ainda a atenção para o fato de o capítulo da Constituição Federal reservado à Educação estabelecer que ela “visa ao pleno desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania – e não apenas sua qualificação para o trabalho”. Além da Constituição, a recomendação aponta a necessidade de cumprimento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e do Programa Nacional de Educação. E destaca que “a conduta de assédio organizacional configura-se não apenas pela postura ativa de instituições em promover a prática de assédio, mas também por sua omissão no combate efetivo a tais práticas.”

“Do ponto de vista normativo, nada se alterou. Mesmo assim, há uma sensação de que teriam ocorrido alterações, o que passou a gerar atitudes de assédio, constrangimento e censura. A finalidade da Procuradoria, portanto, é indicar que a realidade deve voltar à normalidade. Concretamente, aqui no Estado houve uma denúncia, que estamos apurando. Só que cabe não apenas impedir o dano, mas também que a ameaça de dano ocorra”, explica o procurador-regional dos Direitos do Cidadão no RS, Enrico Rodrigues de Freitas. Na avaliação do procurador, o plenário do STF ‘avalizar’ o entendimento de que a lei alagoana é inconstitucional ainda em 2018 tranquilizaria a questão. Ele ressalva, contudo, que já existem diversas decisões da Corte, em caráter liminar ou definitivo, que barram tentativas de censura em sala de aula ou que atentem contra a liberdade de cátedra.

Datada de 5 de novembro, a recomendação da Procuradoria foi divulgada nesta semana. Ela estabelece prazo de 20 dias para que as instituições respondam se acatarão as indicações e demonstrem a adoção de medidas. Em tese, o prazo expira em 26 de novembro, mas será alargado até o início de dezembro, de forma a contabilizar só dias úteis.

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