JUSTIÇA

Como o STF vota os temas indígenas

É possível identificar três perfis hostis aos direitos dos povos originários ao fazer ranking do posicionamento do Supremo sobre temas como o Marco Temporal 
Por Luís Indriunas* / Publicado em 26 de dezembro de 2018

Foto: Nelson Jr./STF

Foto: Nelson Jr./STF

Uma das principais pautas em relação à questão indígena no Superior Tribunal Federal (STF) é o Marco Temporal. O julgamento que permitiu a criação desse conceito ocorreu em 2009, após a decisão da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. À época, a Suprema Corte definiu que seriam homologados os territórios que estavam ocupados pelos indígenas na data da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988. A tese exclui a história de milhares de indígenas que foram expulsos de suas áreas antes e durante a ditadura militar.

O Mato Grosso do Sul deve ser o palco da próxima batalha judicial. O futuro da Terra Indígena Guyraroka, ocupada em 2004 por Guarani-Kaiowás, será definido em 2019. O Marco Temporal já está sendo considerado no julgamento, que foi paralisado em 2016, com 3 votos favoráveis a aplicação da tese no caso Guyraroka e um contrário.

Os votos a favor foram de Gilmar Mendes, Carmén Lúcia e Celso de Mello. Somente Ricardo Lewandoviski divergiu da tese. Na sequência do julgamento, o ministro Edson Facchin pediu vistas do processo, que deve ser retomado no próximo ano.

Foto: Paula Simas/STF

Ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello

Foto: Paula Simas/STF

Durante o julgamento, o ministro Gilmar Mendes, afeito aos holofotes, tentou lançar mão de uma ironia, mas beirou o ridículo: “podemos resgatar esses apartamentos de Copacabana, sem dúvida nenhuma, porque certamente, em algum momento, vai ter-se a posse indígena.” A sanha anti-indígenista de Gilmar Mendes não para no caso Guyraroka. O ministro mandou soltar os acusados, hoje condenados, pela morte do cacique Marcos Verón, assassinado em 2003.

Embora voraz, a perseguição de Gilmar Mendes às reinvindicações indígenas não são isoladas, outros dois ministros ajudam a formar uma barreira para os povos originários no STF: Alexandre de Moraes e Marco Aurélio Mello.

O primeiro, quando ministro da Justiça de Michel Temer, reduziu os poderes da Funai e não usou forças militares em operações de defesa dos territórios indígenas. Em abril desse ano, Alexandre de Moraes determinou que a Funai refizesse o estudo sobre a demarcação da Terra Indígena Morro dos Cavalos, em Santa Catarina.

Como o STF vota os temas indígenas

Foto: Nelson Jr/STF

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Já Marco Aurélio Mello foi o único ministro a votar contra a demarcação da Raposa Serra do Sol, em 2009. “Os dados econômicos apresentados demonstram a importância da área para a economia do Estado, a relevância da presença dos fazendeiros na região”, afirmou à época.

Em 2017, Mello foi o relator das ações do governo do Mato Grosso que pediam indenizações pela criação do Parque Nacional do Xingu e das Reservas Indígenas Nambikwará e Parecis.


Cármen Lúcia relativiza, mas…

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Carmem Lucia, Ayres Britto e Gilmar Mendes, em 2008, durante visita à Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima

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Entre os que oscilam na questão, estão Cármen Lúcia e Celso de Mello  que apontam para uma tendência pelo voto na tese do Marco Temporal. Apesar disso, Cármen Lúcia, no entanto, não descarta a necessidade da discussão sobre o esbulho (usurpação) que sofreram os indígenas.

O ministro Celso de Mello também acompanhou Mendes, mas não considera que os mesmos critérios da Raposa Serra do Sol possam ser utilizados em qualquer ação. Em sua decisão negando mandado de segurança de um fazendeiro contra a Terra Indígena Piaçaguera, em Peruíbe (SP), ele destacou que nem tudo o que ocorreu na Raposa Serra do Sol pode ser usado em outros casos, individualizando a questão do marco temporal e outros critérios.

O presidente do STF, Dias Toffoli, também invocou a necessidade de discussão detalhada para negar mandado de segurança impetrado contra o processo de demarcação da Terra Indígena Morro dos Cavalos, em Santa Catarina, mas em dezembro de 2017, tentou usar o Marco Temporal para as terras quilombolas, mas foi voto vencido.

Luiz Fux é outro ministro que não tem uma posição clara sobre a questão, com uma tendência pela tese. Fux suspendeu o registro em cartório imobiliário da área demarcada como Terra Indígena Kayabi (MT). Para o ministro, uma análise preliminar do Marco Temporal encontra “amparo” no caso Raposa Serra do Sol.

Plenário do Supremo durante votação de demarcações de terras indígenas

Foto: Luiz Silveira/STF

Plenário do Supremo durante votação de demarcações de terras indígenas

Foto: Luiz Silveira/STF

Pelos direitos dos Povos Originários

Entre os que mais têm se alinhado a decisões favoráveis aos povos indígenas está o ministro Luís Roberto Barroso. Ao votar na ação contra o Mato Grosso, ele deixou clara sua posição: “Entendo que somente será descaracterizada a ocupação tradicional indígena caso demonstrado que os índios deixaram voluntariamente os territórios que possuam ou desde que se verifique que os laços culturais que os uniam a tal área se desfizeram”.

A ministra Rosa Weber apoia o conceito de ocupação tradicional e a mobilidade desses grupos Ricardo Lewandowski tem sido bem visto pelas lideranças indígenas. Ao julgar a questão da Terra Indígena Morro dos Cavalos, o ministro considerou esse critério uma “prova diabólica”.

O ministro Edson Fachin também tem um histórico favorável à causa. Em 2017, ele negou pedido de suspensão da demarcação administrativa da Terra Indígena Pequizal do Naruvôtu, em Gaúcha do Norte (MT).

Imagem: De Olho Nos Ruralistas

Imagem: De Olho Nos Ruralistas

*Repórter do observatório De Olho nos Ruralistas em parceria com o jornal Extra Classe.

 

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