MOVIMENTO

Ativista que denunciou João de Deus comete suicídio

Sabrina Bittencourt, 38 anos liderou denúncias por crimes sexuais que desmascararam líderes religiosos como o guru Prem Baba e o médium João de Deus
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 3 de fevereiro de 2019
A partir das denúncias de Sabrina, Justiça decretou a prisão de João de Deus em dezembro de 2018

Foto: Reprodução

A partir das denúncias de Sabrina, Justiça decretou a prisão de João de Deus em dezembro de 2018

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Sabrina de Campos Bittencourt, 38 anos, que dedicou-se  à luta contra o assédio sexual praticado por líderes religiosos, ajudando a denunciar, entre outros, o guru das estrelas Prem Baba e o “médium” João Teixeira de Faria, o João de Deus, cometeu suicídio no último sábado, 2, por volta das 21h, em Barcelona. Em forte carta de despedida, Sabrina registra as motivações que estavam vinculadas ao seu trabalho que lhe rendeu o título de Doutora Honoris Causa humanitário pela Universidad del Centro, México.

Em nota de falecimento lançada no final da manhã deste domingo pela ONG Vítimas Unidas, parceira de Sabrina, Maria do Carmo Santos, presidente da organização afirma que “a luta de Sabrina jamais será esquecida e continuaremos, com a mesma garra, defendendo as minorias, principalmente as mulheres que são vítimas diárias do machismo”.

Procurada pelo Extra Classe, Maria do Carmo, profundamente abalada, disse que muitas vezes o trabalho de desmascarar “lideranças” religiosas como Prem Baba e João de Deus traz como ônus uma forte carga emocional e ameaças. “Antes éramos histéricas, mulheres de sovaco cabeludo, e agora até estamos sendo acusadas de tráfico de crianças”, indigna-se. De acordo com a ativista, essa pressão foi determinante para o ato extremado de Sabrina.

Em sua nota, a Vítimas Unidas ainda pede que a família seja preservada de “perguntas que sejam dolorosas neste momento tão difícil”, registrando que dois dos três filhos de Sabrina ainda não sabiam do ocorrido.

“O grupo Vítimas Unidas comunica com pesar o falecimento de Sabrina de Campos Bittencourt ocorrido por volta das 21h deste sábado, 02 de fevereiro, na cidade de Barcelona, na Espanha, onde vivia. A ativista cometeu suicídio e deixou uma carta de despedida relatando os porquês de tirar sua própria vida. Pedimos a todos que não tentem entrar em contato com nenhum integrante da família, preservando-os de perguntas que sejam dolorosas neste momento tão difícil. Dois dos três filhos de Sabrina ainda não sabem do ocorrido e o pai, Rafael Velasco, está tentando protege-los. A luta de Sabrina jamais será esquecida e continuaremos, com a mesma garra, defendendo as minorias, principalmente as mulheres que são vítimas diárias do machismo”, ressalta a nota da ONG.

O marido de Sabrina, Rafael Velasco, foi quem informou o suicídio ao Vítimas Unidas e pediu que a morte de Sabrina fosse informada aos meios de comunicação e amigos. Velasco ainda disse que o filho mais velho de Sabrina, Gabriel Baum, está passando muito mal. Ele foi o primeiro a confirmar no Facebook a morte da mãe: “ela só se transformou em outra matéria, nós seguiremos por ela”, escreveu. Segundo ele, a ativista deixou mais de 300 vídeos, além de cartas e provas de abusos cometidos por líderes espirituais. “Ela deu o último passo pra gente poder viver. Eles mataram minha mãe”, desabafou.

Gabriel Baum, com Sabrina: “Ela deu o último passo pra gente poder viver. Eles mataram minha mãe”

Foto: Reprodução/ Facebook

Gabriel Baum, com Sabrina: “Ela deu o último passo pra gente poder viver. Eles mataram minha mãe”

Foto: Reprodução/ Facebook

 Vítima de um histórico de abusos e ameaças

 Sabrina Bittencourt foi uma das criadoras do Combate ao Abuso no Meio Espiritual (Coame), plataforma que reúne denúncias de violações sexuais cometidas por religiosos. De família mórmon, ela sofreu abusos desde os 4 anos por integrantes da igreja frequentada pela família.

Foi a partir desse histórico pessoal que a ativista passou a dedicar sua vida a defender vítimas de abuso e a desmascarar líderes religiosos. No caso João de Deus, Sabrina chegou a ajudar a filha do próprio médium, Dalva Teixeira, na denúncia contra o pai por abuso. A partir das denúncias, o MP de Goiás denunciou João de Deus à Justiça, que decretou a prisão do médium. Ele está preso desde 16 de dezembro.

Em recente entrevista, na qual prometia denunciar, neste ano, outros 13 líderes religiosos por abuso, Sabrina registrou: “Jamais imaginei que a partir do lance do Prem Baba eu ia conseguir receber 103 relatos de 13 líderes espirituais diferentes a partir de um único post no Facebook. Com João de Deus, estamos tratando de uma elite, de celebridades, de pessoas que viajam para a Índia, que podem ficar três meses em Abadiânia apenas sendo voluntária. Estrategicamente, vou apresentando os mais favorecidos. Agora, quando consigo mostrar para a sociedade que mesmo João de Deus, que há 40 anos é o intocável, que já mandou matar uma porrada de gente, que é multimilionário, e mesmo assim a gente conseguiu desmascarar, aí as mulheres que são abusadas por pastores e padres, mulheres negras de uma camada menos favorecida, elas vão criar coragem para falar.”

Alvo constante de ameaças de morte, ela vivia em Barcelona, Espanha. Em virtude de pressões e ameaças de morte, mudava de país com frequência, sem registro de ingresso de fronteira.

Leia a íntegra da carta publicada por Sabrina em sua rede social na noite de sábado, 2 de fevereiro:

“Marielle me uno a ti. Somos semente. Que muitas flores nasçam dessa merda toda que o patriarcado criou há 5 mil anos! Eu fiz o que pude, até onde pude. Meu amor será eterno por todos vocês. Perdão por não aguentar, meus filhos. VOCÊS TERÃO MILHARES DE MÃES NO MUNDO INTEIRO. Minhas irmãs e irmãos na dor e no amor, cuidem deles por mim… Eu sempre disse que era só uma pequena fagulha. Nada mais. Só pó de estrelas como todos. USEM A SUA PRÓPRIA VOZ. A SUA PRÓPRIA VONTADE. TOMEM AS RÉDEAS DE SUAS PRÓPRIAS VIDAS E ABRAM A BOCA, NÃO TENHAM VERGONHA! ELES É QUEM PRECISAM TER VERGONHA. Não aguento mais. Todas as provas, evidências, sistemas de apoio, redes organizadas e sobretudo, meu legado e passagem por aqui está entregue ou chegará às mãos corretas. As REDES DE APOIO AOS BRASILEIR@S FORAM CRIAD@S E SE EXPANDIRÃO NA VELOCIDADE DA LUZ! Não se desesperem. Dessa vida só levamos o mais bonito e o aprendido. Paulo Pavesi, eu sinceramente sinto muito pela morte do seu filho. Tenha certeza, que se eu soubesse da sua história na época, implicaria minha vida e segurança como fiz com centenas de pessoas. Damares, eu sei que você não teve tratamento psicológico quando deveria e teve sequelas, servindo de marionete neste sistema de merda que te cooptou, acolheu e com o qual você se sente em dívida o resto da sua vida. Não tenho dúvidas que você amou e cuidou da sua “Lulu” como gostaria de ter sido cuidada e protegida na sua infância, mas ela nao é uma bonequinha bonita que você poderia roubar e sair correndo… Giulio Sa Ferrari, eu te considerei um irmão e você sabia de todas as minhas rotas de fuga… eu vi em você a pureza de um menino que nunca foi notado por uma sociedade neurotípica que não entendia os neuroatípicos, mas reputação é algo que se constrói e não é de um dia ao outro. Gabriela Manssur, muito obrigada por me fazer ter esperança de que elas serão ouvidas e atendidas em suas necessidades. João de Deus, Prem Baba, Gê Marques, Ananda Joy, Edir Macedo, Marcos Feliciano, DeRose Pai, DeRose filho, todos os padres, pastores, bispos, budistas, espíritas, hindús, umbandistas, mórmons, batistas, metodistas, judeus, mulçumanos, sufis, taoístas, meus familiares, Marcelo Gayger, Jorge Berenguer, eu desconheço a sua infância e a sua criação pelo mundo, mas sei no meu íntimo que TODO MENINO NASCEU PURO e foi abusado, corrompido, machucado, moldado, castrado, calado, forçado a fazer coisas que não queria, até se converter talvez, cada um à sua maneira, em tiranos manipuladores (em maior ou menor grau) que ao não controlar os próprios impulsos, tentam controlar a quem consideram mais frágil e assim praticam estupros, pedofilia, adicções diversas… Eu sei, eu sinto, eu vi. Mas ainda assim, preferi SEMPRE ficar do lado mais frágil nesta breve existência: mulheres, crianças, idosos, jovens, povos originários, afrodescendentes, refugiados, ciganos, imigrantes, migrantes, pessoas com deficiência, gays, pobres, lascados, fudidos, rebeldes e incompreendidos… Essa vida é uma ilusão e um jogo de arquétipos do bem e do mal, de dualidades… desde que o mundo é mundo. Vivo num outro tempo desde que nasci e sempre senti que vivia num mundo praticamente medieval. Volto pro vazio e deixo minha essência em PAZ. Aos meus amigos, amadas e amantes, nos encontraremos um dia! Sintam meu amor incondicional através do tempo e do espaço. SIM e FIM.”

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