MOVIMENTO

Mobilização em Porto Alegre reúne mulheres contra a reforma da Previdência

Representantes dos mais diversos movimentos sociais fizeram do 8 de março um ato de resistência em defesa da vida e dos direitos
Por Gilson Camargo, com reportagem de Stela Pastore / Publicado em 8 de março de 2019
Movimento 'Pela vida das mulheres trabalhadoras' teve concentração na Esquina Democrática

Movimento ‘Pela vida das mulheres trabalhadoras’ teve concentração na Esquina Democrática

Foto: Igor Sperotto

Um ato de resistência à reforma da Previdência, contra a violência e em defesa da vida e dos direitos civis e sexuais, na voz de mulheres representantes do mais diversos movimentos sociais e representações de gêneros. Assim foi a sexta-feira, 8, em Porto Alegre. A concentração para as manifestações que assinalaram o Dia Internacional da Mulher com o slogan Pela vida das mulheres trabalhadoras começou cedo, às 7h30min no Largo Glênio Peres, com uma feira orgânica e café da manhã coletivo. Às 10h foram apresentados painéis com especialistas sobre violência contra as mulheres e reforma da Previdência. No local, foram instaladas barracas para atendimento ao público.

Concentração iniciou por volta das 7h30min no Largo Glênio Peres

Concentração iniciou por volta das 7h30min no Largo Glênio Peres

Foto: Igor Sperotto

Após concentração ao meio-dia, a programação seguiu pela tarde, com show de Roberta Moura às 17h e um grande ato no início da noite. Um microfone e caixas de som foram abertos a quem quisesse se manifestar. A Assembleia de Mulheres teve cerca de 40 falas de populares, representantes sindicais e lideranças políticas e dos movimentos. O assassinato da vereadora do PSol-RJ, Marielle Franco (executada no Rio de Janeiro junto com seu motorista Anderson Gomes em 14 de março de 2018) foi lembrado em quase todos os pronunciamentos, com o grito “Marielle Presente!”; assim como diversas manifestações chamaram a atenção para a violência de gênero, a intolerância, o machismo, assinalando que 119 mulheres morreram por feminicídio em 2019.

Manifestantes lembraram que 119 mulheres foram assassinadas nos dois primeiros meses do ano

Manifestantes lembraram que 119 mulheres foram assassinadas nos dois primeiros meses do ano

Foto: Igor Sperotto

“Precisamos mudar essa comunicação machista que coloca o homem em primeiro lugar. A mudança depende da união das mulheres”, propôs a diretora do Sindicato dos Jornalistas, Laura dos Santos Rocha. “Esse dia em todo mundo é um marco de alegria. A união das mulheres e meninas é fortalecedora e nos nutre. Confirma que a revolução é feminista”, comemorou Ângela Spolidoro, do Instituto Dakini, que atua com educação em direitos humanos em escolas da periferia da capital.

A programação foi construída por dezenas de mulheres do campo e da cidade e reuniu centenas de manifestantes que, após a realização de ato público por volta das 18h, no Largo Glênio Peres, seguiram em caminhada pela avenida Júlio de Castilhos, Túnel da Conceição, Sarmento Leite, e Perimetral até o Largo Zumbi dos Palmares. A marcha transcorreu sem transtornos, com a segurança organizada pelas próprias manifestantes. As frases “Nenhuma a menos” e “Juntas somos mais fortes” encerraram o ato.

Reforma da Previdência penaliza mais as mulheres

Maria do Rosário: "A reforma da Previdência retira das mulheres direitos conquistados e exige mais tempo de trabalho e mais tempo de contribuição"

Maria do Rosário: “A reforma da Previdência retira das mulheres direitos conquistados e exige mais tempo de trabalho e mais tempo de contribuição”

Foto: Igor Sperotto

Na avaliação da cientista política e ativista Télia Negrão, integrante da Rede Feminista de Saúde, a mobilização realizada em Porto Alegre “desafiou a ideia de que as mulheres não conseguiriam, diante de tantos ataques à sua condição de cidadãs, realizar uma manifestação dessa envergadura. As mulheres foram às ruas, sim, realizaram durante todo o dia um ato com muita gente, com uma diversidade enorme de mulheres do campo, da cidade, jovens, mulheres negras, agricultoras, todas com suas agendas, mas com um ponto em comum que é a luta contra a reforma da Previdência pelo fato de que embora a reforma atinja a todos os trabalhadores, ela atinge de forma muito impactante a vida das mulheres”.

Télia lembrou que as mulheres realizam mais horas de trabalho do que os homens, trabalham menos fora e se dedicam mais ao trabalho em casa. “É justamente aí que se encontra a distorção. O trabalho realizado em casa não tem nenhum valor, não se contabiliza para uma Previdência Social. E as mulheres, em razão de fatores culturais, acabam ingressando e saindo do mercado de trabalho em diversos momentos de suas vidas para cuidar de filhos, de doentes, dos pais idosos; e com isso acabam recolhendo muito pouco para a Previdência. Quando reingressam no mercado de trabalho geralmente são em cargos rebaixados. Depois de 30, 40 anos de vida labora, elas recolheram muito pouco. Isso é uma lógica muito perversa e reflete o tipo de sociedade em que a gente vive. A desigualdade se dá em todos os campos da vida, no público e no privado”, alertou.

Ela destacou o papel histórico das mulheres na luta em defesa da democracia e de direitos. “Diante de todos os ataques, com essa concepção conservadora vigente hoje no país, as mulheres conseguirem ir às ruas, realizarem manifestações, mostrarem uma forma de luta que apesar de tudo é alegre, é divertida e ao mesmo tempo é muito forte e criativa, demonstra que as mulheres são um segmento da população que sempre lutou, principalmente a partir do período da ditadura, em que estiveram nas ruas contra o regime ditatorial, lutaram no processo da Constituinte e posteriormente ajudaram na construção de toda uma Legislação e das políticas públicas que garantem às mulheres mais direitos. Como nós vimos e como disse a Simone Beauvoir, ‘a qualquer momento serão as mulheres as primeiras a perder os direitos’. É o que nós vimos, mas as mulheres estão na luta e continuam dispostas a reconstruir as bases de um país democrático, justo com as mulheres”, disse.

Caminhada pela Borges de Medeiros até o Largo Zumbi dos Palmares encerrou o dia de manifestações

Caminhada pela Borges de Medeiros até o Largo Zumbi dos Palmares encerrou o dia de manifestações

Foto: Igor Sperotto

RESISTÊNCIA – A deputada Maria do Rosário lembrou a cultura vigente, que no Dia das Mães oferece flores e presentes para as mulheres e no dia seguinte as retira do trabalho por serem mães. “A mulheres são penalizadas por uma cultura machista. A reforma da Previdência, por retirar das mulheres direitos conquistados, se afirma como uma medida extremamente ultraconservadora, porque exige das mulheres mais tempo de trabalho, mais tempo de contribuição, retira das trabalhadoras rurais a possibilidade de se aposentarem a partir da safra anual, e das mulheres mais velhas e das viúvas, a possibilidade de ter uma vida digna. A vida das mulheres será profundamente afetada, mas eu acredito na capacidade do povo brasileiro e em especial das mulheres de construir um movimento muito forte de resistência que, assim como em 2017 conseguiu barrar a reforma de Temer, consiga barrar a reforma proposta por Bolsonaro. Que, na verdade não é uma reforma, é um projeto de destruição da previdência pública e da seguridade social, tendo como substituto uma perspectiva de mercado porque, no momento em que trabalhadores e trabalhadoras, em especial as mulheres não consigam se aposentar.

VIOLÊNCIA – Em pelo menos 45 cidades brasileiras, incluindo 17 capitais, protestos marcaram o Dia Internacional da Mulher. Os atos da Marcha Mundial das Mulheres defenderam o fim da violência, o respeito aos direitos civis e direitos reprodutivos e sexuais. As imigrantes e refugiadas, as mulheres com deficiência, a questão da representatividade política, além do respeito aos direitos do público LGBTQIA+ estão entre as bandeiras das manifestações que ocorreram ao longo do dia. A maior parte da agenda que motivou a mobilização no Brasil coincide com os pleitos que levam às ruas mulheres de outros países.

De acordo com informações da segunda edição do estudo Visível e Invisível – A Vitimização de Mulheres no Brasil e do 12º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2017, a cada nove minutos, uma mulher sofreu estupro. Além disso, diariamente, 606 casos de lesão corporal dolosa – quando é cometida intencionalmente – enquadraram-se na Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006).

O elevado número de estupros envolve um outro crime multiplicado na sociedade brasileira: o assédio sexual. Dados de 2015 da organização não governamental (ONG) Think Olga, as brasileiras são sexualmente assediadas, pela primeira vez, aos 9,7 anos de idade, em média.

Em 2013, a pesquisa Percepção da Sociedade sobre Violência e Assassinatos de Mulheres, elaborada pelo Data Popular Instituto Patrícia Galvão, revelou que quase metade dos homens (43%) acreditava que as agressões físicas contra uma mulher decorrem de provocações dela ao ofensor. A proporção foi menor entre as mulheres: 27%.

Comentários