OPINIÃO

Os filhos do homem

Por Moisés Mendes / Publicado em 5 de abril de 2019

Foto: Reprodução Instagram

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Os filhos de Bolsonaro podem ameaçar a Venezuela, debochar do presidente da Câmara e desejar que o Hamas se exploda. Tudo pelo Twitter ou pelo WhatsApp. O mundo das ameaças dos filhos de Bolsonaro parece sempre o virtual.

Apenas parece, porque há quem tema os filhos de Bolsonaro na vida real, e não por causa dos grandes blefes midiáticos. Temem a capacidade que eles teriam de usurpar parte do poder do pai.

Todos os filhos de Bolsonaro só existem como políticos por causa do chefe da família. Sem o pai, é provável que nenhum dos Bolsonaros tivesse relevância como figura pública. Mas todos foram eleitos e muito bem eleitos. Um é vereador, outro é deputado e outro é senador.

Os Bolsonaros são o que o Brasil tem de melhor como aberrações políticas produzidas pela democracia em decomposição no mundo todo. Numa exposição, eles seriam nossos exemplares.

O filho senador foi o que desejou que o Hamas exploda. Talvez nem saiba direito o que é o Hamas, nem a Faixa de Gaza. Talvez domine apenas, como exemplo de conflito, o circuito sob disputa dos milicianos com os quais tem laços de amizade e de relação política no Rio das Pedras.

Mas não é do medo do Brasil começar uma guerra com a Venezuela e o mundo islâmico que as pessoas falam quando se referem aos filhos de Bolsonaro. As ameaças bélicas são claramente ações de exibicionismo para o público que consome suas galhofas.

O medo é de que os filhos de Bolsonaro exerçam no Brasil o que nunca tivemos, o controle de porções do Estado por uma família. Não o controle de núcleos duros do poder, porque eles não teriam condições de participar das manobras que levam a esses comandos. Mas o controle compartilhado e aparelhado das partes moles e porosas, das periferias da estrutura estatal, das repartições subalternas, das beiradas da burocracia.

Os filhos de Bolsonaro estão sempre insinuando que já dominam essas camadas sombrias do governo e que, se quiserem, podem aparelhar as áreas que bem entenderem. Se não fosse assim, não emitiriam tantos recados aos inimigos.

Um dos filhos, o deputado Eduardo, tem influência sobre política externa e pretende ser o líder da direita latino-americana. O mais novo, Carlos, o Carlucho, responsável pela tática eleitoral marcada e denunciada por fake news, quase assumiu o controle da comunicação oficial do governo.

Flávio, o deputado, seria o homem das relações com o baixo clero do Congresso, apesar de ser evitado até pelos parceiros desde a comprovação de suas conexões com milicianos.
São interferências que talvez estejam de acordo com a normalidade da política, mesmo que esdrúxulas. Mas quais são limites? Nenhum outro país, nem mesmo as ditaduras, teria hoje um pai e três filhos mandando recados como se estivessem em guerra.

O que os filhos de Bolsonaro de fato representam como emissores de recados ameaçadores? É o que uma democracia precisa saber. Qual é o poder real dos filhos do homem?

Por que um dos filhos sempre acompanham o pai nas viagens ao Exterior, como se fizessem parte de um principado? Por que o outro fica em Brasília postando fotos (de dentro do Planalto?) e anunciando que despacha demandas de deputados em nome do pai?

Têm razão os que temem que eles poderiam exercer, além dessas atividades estranhas, controles capazes de vigiar, perseguir e aniquilar inimigos do bolsonarismo? Até que ponto os Bolsonaros se infiltraram no poder, apesar da desconfiança dos militares que tutelam o Planalto?

Antes mesmo da posse, especulou-se que ficaria a cargo deles a organização do poder paralelo das milícias políticas. O começo da autodestruição do governo parece ter abalado esse plano, se é que existiu.

Quem teria o desprendimento de atuar como miliciano dos Bolsonaros hoje, num cenário de degradação e de perda de apoio popular do governo? Eu tive um vizinho que se autoproclamou publicamente como defensor do bolsonarismo e saiu pela rua ameaçando os discordantes.

Hoje, é um homem murcho, recolhido ao constrangimento de não ter contado com apoios na rua e talvez na estrutura gaúcha do bolsonarismo (que dizem ser forte). Mas era um dos brasileiros comuns que podem ter acreditado que os filhos formariam organizações civis parapartidárias de sustentação do bolsonarismo.

“Agora vocês vão ver, Bolsonaro vai pegar vocês, seus filhos da puta”, gritava o homem andando de um lado a outro da rua. Nunca mais gritou.

Mas os filhos de Bolsonaro continuam na ativa como militantes que caçam inimigos. Parecem estar sempre em alerta, como se as esquerdas, os generais e os dissidentes do bolsonarismos (são muitos) ameaçassem a família.

Uma democracia deve ter clareza do papel de uma família exótica no poder, de seus limites e da obediência às instituições, por mais desmoralizadas que estejam. A democracia brasileira não pode se achinelar tanto a ponto de temer os filhos de Bolsonaro.

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