GERAL

Contador de Histórias

Publicado em 8 de novembro de 2000

Irônico e articulado, o jornalista e escritor conversa com o EC a respeito da polêmica que cerca seus livros sobre o Brasil Colonial

"É obvio que um dos componentes das críticas é pela minha figura quase caricata e histriônica. Agora, o seguinte: eu sou assim, gosto de ser assim e eu gosto de incomodar careta. Gosto mesmo"

Foto: René Cabrales

“É obvio que um dos componentes das críticas é pela minha figura quase caricata e histriônica. Agora, o seguinte: eu sou assim, gosto de ser assim e eu gosto de incomodar careta. Gosto mesmo”

Foto: René Cabrales

EC – Tu te tornaste um homem rico com a venda de teus livros?

Eduardo Bueno – É a pergunta mais óbvia e um tanto improcedente, na verdade, num país onde até esta semana o juiz Lalau recebia R$ 15,7 mil por mês de aposentadoria depois de já estar foragido e onde o Dunga recebia R$ 200 mil para levar o drible elástico e um balão do Ronaldinho… Mas, de qualquer forma, eu ganhei o suficiente para o leite de amêndoas das crianças. Na verdade, o que esses livros me propiciaram de dinheiro foi um apartamento de R$ 150 mil. Eu acho um absurdo você considerar que alguém que consegue comprar um apartamento de R$ 150 mil esteja rico. Mas, de qualquer forma, o que realmente interessa nessa questão são dois lados. Primeiro: ficou claro que dá para viver de livro no Brasil. Não é só uma instância individual, mas isso mostra para outras pessoas que existem nichos de mercado, que existe um público ávido por determinados tipo de livros e determinada informação e que tal interesse pode permitir que você viva de literatura. A única coisa que eu sei fazer na vida é escrever. Se eu quisesse ficar rico escrevendo, eu só tinha uma alternativa: ser publicitário gigolô de palavras. Então dinheiro nunca foi minha prioridade. Se fosse, eu seria publicitário não jornalista nem escritor. Então eu acho que no decorrer dessa entrevista vão aparecer outros tópicos que vão deixar clara aquela frase do Tom Jobim: “sucesso no Brasil é ofensa pessoal”. Então um dos motivos para as pessoas perguntarem se eu sou rico é, mais uma vez, o feio sentimento da inveja. Embora nem todas as pessoas se manifestem de forma tão patética quanto o professor Luís Roberto Lopez.

EC – Esse sucesso não saiu do nada. Como tudo começou?

Eduardo Bueno – Começou com os colecionáveis da Zero Hora. Eu estava insatisfeito com minha vida na redação, que era muito desgastante, muito estressante. Pensei na possibilidade de chutar o balde mas já estava velho demais para chutar o balde, já tinha chutado várias vezes na vida, então resolvi procurar uma saída que mantivesse um vínculo com um jornal onde eu tinha sido muito bem tratado pela direção até então. Propus a História do Brasil em fascículos colecionáveis, desde a pré-história até o governo FHC.

EC – O gancho era o descobrimento do Brasil, os 500 anos…

Eduardo Bueno – O gancho era a proximidade dos 500 anos. E o nicho dos colecionáveis, que são uma das maiores fontes de renda dos jornais. Eu já meio que coordenava esse setor de colecionáveis na Zero Hora, que eram comprados do Exterior e propus a produção de um colecionável próprio sobre a História do Brasil com um grande apelo visual, muita imagem, porque os colecionáveis têm de ter essa coisa visual, e que fosse uma história narrativa porque eu achei que havia um nicho e achei que a história do Brasil não era contemplada por essa história narrativa com ênfase no aspecto visual. Eu queria me livrar um pouco do ranço didático e de alguns aspectos eventualmente pernósticos da produção acadêmica. Fui encarregado de fazer esse colecionável como um produção independente minha. Como sou péssimo empresário, me vi arruinado e tive um saldo negativo de R$ 70 mil embora o colecionável tenha sido publicado pela Folha de São Paulo, Zero Hora e O Globo e depois por mais dez jornais. Agora vai sair em livro, para alegria dos meus detratores, pois quero avisar que não estou me atendo a história colonial mas sim a toda história do Brasil…

EC – Voltando ao fracasso financeiro como empresário…

Eduardo Bueno – Sim, daí eu me vi arruinado, com um imenso prejuízo e desempregado. Fui para o Rio de Janeiro de ônibus e ofereci a coleção Terra Brasilia para Roberto Faith, da Editora Objetiva. Algumas pessoas, dentro dessas acusações que são feitas a mim, dizem que por causa do sucesso do primeiro livro foram saindo os outros. Não. A gente tem um contrato assinado para sete livros e mesmo que o primeiro tivesse vendido apenas dois mil exemplares eles manteriam o contrato porque tem multa contratual se eles romperem assim como tem multa contratual se eu romper. Então inclusive foi uma grande vantagem para a editora ter feito esse contrato de sete livros. Estou escrevendo o quarto no momento, que deveria ter sido entregue em março de 2000, o que significa que estou atrasadíssimo.

EC – Entre as coisas que se erguem contra ti e teus livros há a acusação de que tu não darias o devido crédito à tua consultoria.

Eduardo Bueno – As acusações feitas contra mim são tão injustas que uma delas é essa de que eu não dou crédito à minha consultoria. É um absurdo porque o Ronaldo Vainfas, que é o consultor técnico da coleção, tem o nome dele bem grande estampado na capa. E embora o trabalho dele seja mais profundo, mais científico, mais fundamentado que o meu, é óbvio, o nome dele nunca foi tão lido quanto agora por causa dessa coleção.

EC – Outra crítica que se levanta é a falta da mesma profundidade no teu trabalho, ao contrário da maioria dos livros de história convencionais.

Eduardo Bueno – É óbvio que não tem e nem se propõe a ter. Na verdade, é o seguinte: nessa entrevista, até por ser para um jornal de professores, a gente deve se ater às críticas. Mas quero deixar claro que as críticas são uma parte imensamente menor que os elogios. Meus livros causaram um impacto positivo muito maior do que qualquer crítica eventual. Evidentemente existiram críticas pertinentes e eu estava preparado para essas críticas. Mais do que preparado, eu estava disposto a ouvir as críticas realmente procedentes. Não é culpa minha que a maior parte das críticas tenha sido feita por gente limitada, medíocre, com uma produção patética como o professor Luís Roberto Lopez.

EC – Qual é a bronca com Lopez?
Eduardo Bueno – Estou falando dele aqui, não vou falar dele num lugar onde ninguém nunca ouviu falar o nome dele. Então ele não vai me usar de escada. Ele está me criticando para o nome dele aparecer em outros lugares. Não vai. Vai aparecer no jornal dos professores que é o que ele é. E um mau professor além de tudo. Alguns dos maiores historiadores do Brasil elogiaram meus livros porque sabem das próprias limitações desses livros. Claro que essa crítica de que os livros não têm a profundidade de uma obra historiográfica é procedente até um ponto porque a proposta deles era essa. Eu escrevi um livro que, realmente, é repleto de simplificações e de generalizações correndo o risco consciente de fazer essas generalizações para atingir um número maior de pessoas. Eu sempre fui um cara ligado à cultura pop, ligado à cultura cinematográfica e quis transmitir essa linguagem jornalística, essa coisa mais pop, essa coisa mais acessível, essa coisa mais visual e essa narrativa mais fluente para a História. Por pura, acredite se quiser, e talvez eu esteja dando margem para novas críticas, por pura ge-ne-ro-si-da-de. Porque é o seguinte: eu acho que falta generosidade, além de uma certa competência no estilo, à produção adacêmica do Brasil. As limitações de estilo existem, mas acho que elas não prejudicam tanto quanto uma certa arrogância na postura de alguns historiadores. De alguns, porque a produção historiográfica brasileira é de primeira grandeza, eu devo muito a ela. A minha obra é uma obra de segunda mão, sim. É uma obra de divulgação, sim. Não sou historiador, sou jornalista, agora acho que o que se deve discutir também é o quanto as pessoas que nunca tinha ouvido falar em história colonial do Brasil ou que tinham raiva de capitanias hereditárias, de João Ramalho, de Bacharel de Cananéia, do rei Carlos V, do rei Dom Manuel, o Venturoso, passaram a freqüentar este universo com muito mais prazer.

EC – Há quem diga que essa tua paixão pelo período colonial da História do Brasil te leva a certos exageros, a uma tendência a “colorir” a História, que te deixa próximo da inverdade histórica.

Eduardo Bueno – Não. Eu acho, como já falei, que a crítica mais procedente são quanto às pinceladas breves e pano rápido e às simplificações e generalizações e às extrapolações. Agora, tudo que está ali é documentado. Tudo. Eu posso, eventualmente, forçar um pouco a mão no colorido porque eu sou favorável a uma narrativa mais luxuriante porque acho que a História do Brasil tem esse lado épico tipo o filme A Missão, o único produzido até agora sobre isso, sobre esse período que eu acho especialmente movimentado. Agora, eu desafio qualquer um a dizer qual é a inverdade histórica efetiva que exista em qualquer um dos meus livros. Até pode ter, mas fruto de engano e não de má fé.

EC – Tu não achas que não apenas o fato de não seres historiador mas o teu próprio jeito “informal” de ser incomoda um pouco e provoca parte das críticas?
Eduardo Bueno – Claro, sem dúvida. E talvez eu até devesse ser mais comedido. Quem vive do jeito que eu vivo, se comporta do jeito que eu me comporto e diz as coisas que eu digo, vai na TV e bota a cara desse jeito, tem de estar preparado para a crítica. Eu estou. Até para a crítica baixa e rasteira. Eu só lamento que a crítica seja baixa e rasteira porque acho que qualquer pessoa bem intencionada, e eu sou bem intencionado, pode aprender com a crítica real, com a crítica efetiva, com a crítica séria. Eu adoraria receber uma crítica do Luiz Felipe Alencastro, por exemplo, que eu sei que é um cara que não morre de amores, não perde tempo lendo meu livro, no que talvez ele esteja certo porque ele sabe muito mais e está em outro grau de aprofundamento de todas as questões que eu roço. Agora, é óbvio que um dos componentes das críticas é pela minha figura quase caricata e histriônica. Agora, o seguinte: eu sou assim, gosto de ser assim e eu gosto de incomodar careta. Gosto mesmo. Quer dizer, eles nos incomodaram a vida inteira, eles construíram um mundo de merda, uma vida de merda, uma estrutura de merda, um país de merda. Então o seguinte, cara: é a nossa vez. Eu faço parte da geração dos anos 60 e acho que tenho mais é que incomodar mesmo. Deixou de ser meu objetivo preferencial na vida e não escrevi esses livros para incomodar ninguém, agora, fico bem feliz que incomodem. Escrevi para, generosamente – e vai ver que vou ser criticado por isso que vai ser como uma pretensão -, para generosamente compartilhar com o maior número possível de pessoas, a aventura do Brasil colonial que é claro que não foi só aventura, é evidente que foi trágica, mas que também tem esse seu lado cinematográfico.

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